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Folha, 100 Cartas para o futuro

Instituições estão de pé, mas a ofensiva autoritária já começou

Desinformação, extremismo e tentativas de concentração de poder terão efeitos duradouros na democracia

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Bruno Boghossian

Colunista e apresentador do podcast Café da Manhã. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).

Este texto faz parte da série Cartas para o Futuro, em que colunistas, repórteres e editores da Folha imaginam os cenários das suas respectivas áreas de atuação em 2031.

Quem medir os sinais vitais da democracia brasileira em 19 de fevereiro de 2031 vai conhecer o resultado de um teste de estresse. Os choques produzidos pela desinformação, pelos incentivos ao extremismo e pelas tentativas de concentração de poder vão ter efeitos duradouros sobre a política do país.

Até aqui, as instituições democráticas estão de pé, mas o processo de deterioração começou. A fabricação de desconfianças sobre eleições, o estímulo à ação violenta contra adversários e a manipulação dos fatos fragilizam aos poucos essa estrutura.

Cápsula do tempo Democracia
Democracia brasileira enfrente teste de estresse - Catarina Pignato



Essas ferramentas foram usadas por líderes populistas com traços autoritários em várias partes do mundo. Eles exploraram a fúria de eleitores e o barulho da arena política para chegar ao poder pelas urnas. Depois, seguiram o mesmo caminho para desgastar os freios democráticos e ampliar sua força.

Jair Bolsonaro se tornou uma marca internacionalmente reconhecida nesse campo. O brasileiro transformou em instrumentos corriqueiros os ataques ao processo eleitoral, o enfrentamento agressivo a rivais e a divulgação de informações falsas.

Como consequência, o bolsonarismo se formou como uma base popular radicalizada, que julga necessário derrubar pilares da democracia para implementar seu projeto. Mesmo que seja possível conter a demolição, as investidas já são suficientes para fazer com que fatia considerável da população deixe de confiar nessas regras.

Com a ameaça instalada, o Brasil ainda pode repetir a experiência dos Estados Unidos

Bruno Boghossian

Colunista da Folha

Os próximos dez anos vão dizer por que trilha o país vai seguir. Os brasileiros perderam a primeira saída em 2018, quando escolheram um presidente sem compromisso com as instituições democráticas. Já países como a Alemanha, com maturidade eleitoral e posições institucionais firmes, tiveram mais sucesso em isolar políticos radicais.

Com a ameaça instalada, o Brasil ainda pode repetir a experiência dos Estados Unidos. As instituições americanas foram fortes o bastante para conter a ação violenta que tentava reverter a derrota de Donald Trump nas urnas. O republicano teve que sair da Casa Branca, mas o ciclo deixou sequelas na política nacional e fortaleceu grupos extremistas.

Com menos sorte, os brasileiros podem ver a democracia tombar. Na Hungria, um governo populista aproveitou o mandato para se infiltrar nas instituições de controle, como o Judiciário, e desmontar os limites a seu poder. Na Venezuela, um regime autoritário trabalhou para se perpetuar no poder e levou a política local ao colapso.


O desfecho desse processo de deterioração depende de como a população e as instituições são capazes de reagir. Se os eleitores forem seduzidos ou permissivos diante de plataformas antidemocráticas, e se as autoridades não estiverem dispostas a punir líderes com comportamento destrutivo, o terreno ficará livre para eles.

Mesmo quando políticos dessa linhagem são bloqueados, suas marcas continuam presentes —como deve ser o caso do trumpismo nos Estados Unidos. Inaugurada a corrosão, o risco se torna permanente. Para chegar até 2031, o Brasil precisará exercer vigilância constante.

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