Lá se vão 38 anos que a Folha faz correções sistemáticas de erros, desde o início do projeto de modernização concebido por Otavio Frias Filho, o Projeto Folha, iniciado em 1983.
Naquela década, as correções ainda eram feitas nos próprios cadernos onde se originavam. Foi a partir do aniversário de 70 anos do jornal, em 1991, que as notas foram reunidas na página 3, abaixo do Painel do Leitor, sob o nome de Erramos.
À parte erros mais comuns, como os de grafia, contas malfeitas e trocas de nome, desfilaram pela seção correções das mais curiosas e engraçadas. A mais famosa, provavelmente, é a do jornalista da Ilustrada que escreveu, em 1994, embalado pela correria do fechamento, que Jesus Cristo havia morrido enforcado.
Pois eu também, quando repórter daquele caderno, fui responsável por um Erramos digno de figurar na galeria dos mais ridículos: “Em parte dos exemplares da Ilustrada da edição de 22/3/1999, na pág. 6-1, sob o título ‘Repercussão’, o cineasta Rogério Sganzerla foi erroneamente identificado como sendo protagonista do filme ‘Laranja Mecânica’”.
É um erro muito estranho mesmo... Como é possível achar, mesmo por um momento, que um cineasta do movimento paulistano conhecido como Boca do Lixo tenha sido o ator principal de uma das obras-primas do norte-americano Stanley Kubrick? Um personagem, aliás, que ficou famosíssimo na pele do inglês Malcolm McDowell?
Vou tentar explicar. O dia 22 de março de 1999 era o seguinte à entrega do Oscar e, naquele ano, estávamos orgulhosamente concorrendo em duas categorias: ao Oscar de filme estrangeiro com Central do Brasil, de Walter Salles, e ao de melhor atriz, com Fernanda Montenegro, em atuação pelo mesmo filme.
Perdemos os dois, mas a expectativa era tamanha que montamos uma operação de guerra para o caso de vencermos. Eu e outros dois repórteres ligamos previamente para algumas personalidades e combinamos que voltaríamos a ligar, lá pela 1h da madrugada, para que comentassem a respeito da vitória ou derrota dos brasileiros.
Rogério Sganzerla foi uma delas e, anunciados os dois prêmios, lá estava eu telefonando para o cineasta. Ele declarou: “Estava torcendo pelo nosso. ‘A Vida é Bela’ tem um tipo de sentimentalismo cômico e patético. A gente viu na comemoração do Benigni a papagaiada que ele fez, subiu nas cadeiras”.
Ao lado da de outras oito pessoas, essa frase entrou num quadro chamado repercussão na capa da Ilustrada. Mas era preciso identificar quem era quem, e Sganzerla era “cineasta”.
Acontece que, no software de texto que a Folha usava (ainda hoje é assim), era preciso inserir manualmente comandos diferentes e relativamente complexos para cada estilo: o nome da pessoa era em negrito, sua ocupação vinha em outro estilo de letra, depois a frase em outro ainda, e por aí vai.
Para facilitar esse processo e não errar, nós costumávamos copiar outro texto que já tivesse esses estilos todos já digitados, bastando então escrever por cima o nome, a ocupação e a frase dos entrevistados. Foi o que fiz.
E que texto eu fui copiar? O da repercussão da morte de Stanley Kubrick, que havia ocorrido 15 dias antes do Oscar. Naquele texto, havia uma declaração de Malcom McDowell, protagonista de “Laranja Mecânica”, lamentando a morte do diretor.
Na correria do fechamento, com a secretária de Redação gritando nas minhas costas “desce!” (jargão para a página ser encaminhada para a gráfica), eu enviei o texto tendo tido tempo apenas de mudar o nome do entrevistado. Minutos depois, enviei o texto correto, mas não houve tempo para trocar as chapas de impressão.
E, em parte dos exemplares daquele dia, o erro foi publicado –e corrigido em um cômico Erramos cinco dias depois.
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