Entre os infinitos sons que integram a vasta paisagem sonora da cidade, ecoa diariamente o da sirene instalada no terraço da Folha, na alameda Barão de Limeira.
Por conta da atividade do parque gráfico que funcionava no próprio jornal, a “sirena”, ou “sereia”, como chamada antigamente, tocava duas vezes ao dia, ao meio-dia e às 18h.
A traquitana é brasileira e emite seu alarme por meio de seis enormes bocas de cornetas metálicas, abrigadas por um guarda-chuva/sol do mesmo material. Com cerca de 2 m de altura, pesa por volta de 150 quilos.
A antiga senhora existe desde o final da década de 1950, quando a Folha se mudou para os Campos Elíseos, na atual sede.
Hoje, mesmo após a desativação do parque gráfico no local, a sirene continua a ser acionada todos os dias, às 18h, de segunda a segunda.
O canto da “sereia” originalmente durava 30 segundos, iniciando com um solo potente e num crescendo de 15 segundos, para depois ir decrescendo, melancolicamente, até morrer aos 30.
No entanto, desde fevereiro de 2020, o alarme foi reduzido pela metade, de 30 para 15 segundos. Segundo Isael José do Rosário, eletricista responsável pelo equipamento, a mudança ocorreu após um problema ter feito com que ela tocasse por um tempo muito maior do que o programado, o que gerou reclamações.
Isael, 46, trabalha no jornal como eletricista desde os 20 anos. “Não me recordo exatamente quando, mas, há muitos anos, a diretoria pediu que a sirene parasse de tocar ao meio-dia. Eu e outro eletricista removemos uma pecinha de um disco que a acionava nesse horário”, conta.
O alarme das 18h também chegou a ser desligado em algumas ocasiões, como obras. Porém, o jornal recebeu pedidos da vizinhança para que voltasse a tocar, uma vez que fazia parte da vida de pessoas que se orientavam por meio dele.
Vicença Arcângela Imperatrice, a dona Vicentina, é uma delas. Em 1961, foi contratada na Folha, onde permaneceu por 55 anos até se aposentar.
“Quando ouvia a sirene [do meio-dia], corria para pegar o bonde que passava na [avenida] Duque de Caxias e ia para a Casa Verde. Eu morava no Bom Retiro e descia na rua José Paulino, caminhava até minha casa, almoçava e voltava a pé para o jornal. Eram 17 quarteirões”, lembra.
Hoje vivendo a poucos metros da Folha, ela diz que, ao ouvir o alarme, sabe que são 18h, quando então faz o sinal da cruz e reza uma Ave-Maria.
Católico, o representante comercial Carlos Antônio Sobral, 64, mora no bairro há 40 anos e compartilha do hábito religioso de dona Vicentina. “O som pra mim é sagrado e ajuda a me lembrar do horário, não preciso ficar preocupado em olhar no relógio.”
Quem não o acha nada sacro é o enfermeiro Gustavo Granados, 28, que vive na avenida Duque de Caxias e desconhecia a origem do alarme. “Achava que era tipo um sino de uma igreja. É um barulho alto e faz parecer que o mundo vai acabar. Às vezes, você está de boa e assusta. Parece que está em um outro país e está vindo um tsunami”, disse.
Já o carioca Geraldo Silveira da Silva Perilo, 57, que há mais de 20 anos trabalha no mercado das flores do largo do Arouche, tem relação carinhosa com o som: chama-o de “meu despertador”. “Enquanto não toca, fico esperando para poder ir embora, pegar o metrô e depois o trem para Francisco Morato.”
Não são apenas humanos que aguardam pelo sinal, mas também outros animais. É o caso do vira-lata Paçoca, que vive com Elaine Meneses, 42, em apartamento no décimo andar na rua Conselheiro Nébias. “Eu gosto dele porque me sintoniza e sei que são 18h, hora de passear com o cachorro”, diz ela, que trabalha como ajudante geral em uma adega.
Parece improvável, mas a existência da sirene também pode passar despercebida. A analista de marketing Catarina Molino Alcala, 27, só tomou conhecimento dela por intermédio de uma amiga que trabalha na TV Folha. “Comentei com uns amigos que moram próximos e todos sabiam da existência desse som, menos eu. Não sei como nunca havia reparado."
Afirmação frequente entre a população do bairro é a de que o toque teria diminuído nos últimos tempos. “Era mais forte, mais alto e durava mais. Agora ficou estranho”, avalia Sobral. “Sempre ouvi e notei a mudança. Antes era bem mais forte”, concorda Elaine.
De fato, barreiras arquitetônicas surgidas com o decorrer do tempo, além do aumento da poluição sonora da cidade, diminuíram seu alcance.
Por exemplo: este repórter foi aluno da Escola Estadual Caetano de Campos, de 1968 até 1978, quando a instituição saiu do prédio que o ocupava na Praça da República, onde atualmente funciona a Secretaria Estadual de Educação. Naquele tempo, a “sereia” podia ser ouvida claramente daquele local, distante cerca de um quilômetro da sede da Folha. Atualmente, o som não chega até lá da mesma forma.
O volume, porém, segue inalterado, garante Isael: “Isso a gente não controla. Mas como as pessoas estão escutando por menos tempo, têm a sensação de que diminuiu.”
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