'Diz que é da Folha!', pedia Cleusa Turra, que trabalhou no jornal por mais de 30 anos

Quando secretária-assistente de Redação, era ela quem 'mobilizava as tropas'

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Marcelo Quaz
São Paulo

Se bate um frio jornalístico na barriga, Cleusa Turra, 62, lembra-se da “capacidade que o jornalismo profissional te dá de resistir e só cair no choro depois de encerrado o trabalho.”

Vestiu a camisa da Folha por 32 anos. “Militância por fazer sempre mais e melhor. Diariamente”, conta.

mulher branca de cabelos pretos cacheados sentada de pernas cruzadas em cima de uma mesa; ela sorri para a foto
A jornalista Cleusa Turra em 1989 na Redação da Folha, vestida com o que ela chamava de "roupa de guerra" - Ricardo Andreas - 16.nov.1989/Folhapress

Ingressou em 1987 no Fovest, caderno dedicado ao vestibular, e passou por Economia (hoje Mercado), Cidades (atualmente Cotidiano).

Em 1991, ela chegou ao cargo de secretária-assistente de Redação (produção), que trabalha em parceria com o secretário na execução das prioridades da pauta, distribuição de tarefas aos repórteres, entre outras atribuições.

Foram 13 anos nessa função, indicada pelo próprio Otavio Frias Filho, diretor de Redação de 1984 a 2018, ano em que morreu.

“Otavio tinha carinho por ela, pela personalidade cativante e pelo grau de dedicação”, lembra o jornalista Marcelo Beraba, primeiro dos quatro secretários de quem ela foi braço direito.

“Ela era o motor da dupla”, recorda-se Beraba, que via na jovem jornalista um humor ao mesmo tempo simples e sofisticado.

O sucessor de Beraba, Josias de Souza, resolveu mantê-la no cargo. Praticamente na estreia da nova dupla, eles coordenaram a cobertura do acidente com o avião da TAM em São Paulo, em 1996.
“Ela foi tão bem. Ali, talvez, eu tivesse naufragado”, lembra.

Para Josias, Cleusa sempre foi atilada, era certeira em direcionar a manchete do dia seguinte. “Uma parceria que não encontrei em nenhum lugar.”

Atualmente repórter especial da Folha, Fernando Canzian foi quem sucedeu Josias. “Cleusa era pura potência. Animava todo mundo, tinha os discursos para mobilizar as tropas”, diz. Juntos, foram responsáveis pela operação de cobertura ao atentado às torres gêmeas, em 2001.

O último secretário de quem Cleusa foi assistente, Vinicius Torres Freire, atualmente colunista da Folha, lembra que ela virou uma espécie de “pré-meme” de Redação por usar a frase “Diz que é da Folha!” para estimular repórteres desanimados a conseguir uma entrevista quase impossível.

“O clima era de que nada era impossível para nós, e eu acreditava nessa estratégia”, Cleusa reitera.

“Muita gente achava que ela era doida ou ingênua por causa dessas coisas. Mas ela sabia o que estava fazendo”, diz Torres Freire. “Tinha uma ‘persona’. A atitude tinha um pouco de pose, intencional. Em parte, um show para conseguir que coisas andassem.”

De 2004 a 2015, Cleusa dirigiu o Núcleo de Revistas. “Mais planejamento e menos adrenalina. Ao assumir, acho que fui mais duríssima do que generosa. Por onde ando e encontro jovens que trabalharam comigo, já acho de bom tom ir me desculpando.” Nesse período, nasceram as revistas sãopaulo e Serafina.

Em 2015, ela foi decisiva para erguer o Estúdio Folha, área de projetos patrocinados. “Anti-mimimi, ela deu show no comercial, com curiosidade quase infantil e observação antropológica”, diz Antonio Manuel Teixeira Mendes, superintendente da Folha.

Cleusa deixou o jornal em 2019. “Fiz de tudo. Avalanche de gente interessante, profissionais competentes, todo tipo de assunto com um maestro duríssimo, meticuloso, generoso e idiossincrático”, diz ela, referindo-se a Otavio.

Para Cleusa, o então diretor gostava de ver o circo pegar fogo. “Ele não queria as cinzas. Queria as labaredas das discussões que aconteciam entre seus jornalistas. Assim creio que, para ele, o jornal ficava quente e plural.”

A gana que a fez resistir por mais de três décadas na rotina difícil da Redação já havia despontado nos primeiros anos da juventude. Estudante, Cleusa foi uma das líderes da Libelu (Liberdade e Luta), tendência de esquerda que se opôs à ditadura militar. “Sobre isso, já disse tudo ao Diógenes”, ela avisa.

Diógenes Muniz é o diretor do documentário “Libelu - Abaixo a Ditadura”. Vencedor do Festival É Tudo Verdade de 2020, o filme deve ser lançado neste ano. Na imagem do pôster, Cleusa é a jovem que olha para os policiais —com cara de “inescrutável”, como Otavio gostava de defini-la.

Era aquela verve que ele queria para o jornal, e conseguiram. Por mais de 30 anos, fizeram valer, na prática, o lema que Cleusa ensinou tantos a entoar: “Vamos em frente!”.

RAIO-X

Cleusa Turra, 62

Paulistana, estudou filosofia na USP na transição das décadas de 1970 e 1980. Formou-se, no entanto, em 2006, jornalista pela Fiam. Na Folha, de 1987 a 2019, foi repórter, pauteira, editora, secretária-assistente de Redação, além de dirigir o Núcleo de Revistas e o Estúdio Folha. Em 1995, ganhou o Prêmio Folha de Jornalismo na categoria edição com o caderno especial “Racismo Cordial”, elaborado a partir de pesquisa Datafolha. Em 1998, organizou, em parceria com Gustavo Venturi, o livro “Racismo Cordial - a mais completa análise sobre preconceito de cor no Brasil”, publicado pela editora Ática.

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