João Figueiredo é um gênio, disse Glauber Rocha à Folha em 1979

Em longa entrevista ao jornal, diretor de 'Terra em Transe' criticou Oscar Niemeyer, Zé Celso, Chico Buarque e Ziraldo

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São Paulo

Com 30 anos, Glauber Rocha (1939-1981) já havia produzido os filmes pelos quais é lembrado até os dias de hoje.

Além de “Barravento” (1962), seu longa de estreia, o cineasta baiano —que se estivesse vivo faria 82 anos em 2021— foi responsável por “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), “Terra em Transe” (1967) e “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” (1969), pelo qual recebeu o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes.

Seus trabalhos produzidos durante os anos 1970 não foram tão comentados quanto os anteriores. Glauber passou a maior parte dos primeiros anos daquela década fora do Brasil. Além de ir a Cuba, gravou “Cabeças Cortadas” (1970) na Espanha; “O Leão de Sete Cabeças” (também de 1970) na República do Congo; e “Claro” (1975) na Itália.

O pouco conhecimento desses filmes no Brasil esteve entre os temas da entrevista que o diretor concedeu à Folha em 1979, publicada em 16 de dezembro. “Cadê o cinema do Glauber Rocha? Já era?”, perguntava o repórter, em tom de provocação.

O entrevistador era Mário Augusto Jakobskind (1943-2018), jornalista carioca que, além da Folha, passou por veículos como France Presse, Pasquim e Brasil de Fato.

O texto foi publicado no caderno Folhetim, que circulou de 1977 a 1989. Criado por Tarso de Castro, o suplemento era marcado por linguagem mais coloquial, ousadia criativa e política e inovações visuais. Nesse período, o Folhetim publicava reflexões sobre a situação de temas variados durante os anos 1970. Eram, de certa forma, balanços da década que chegava ao fim.

Ao longo de duas páginas, o diretor enalteceu figuras públicas brasileiras, como João Baptista Figueiredo, o último presidente da ditadura militar (“um gênio”), e colegas cineastas, como Nelson Pereira dos Santos e Cacá Diegues. Estendeu-se em auto-elogios: “Sou melhor do que Eisenstein”.

Criticou nomes da cultura e da intelectualidade do país. Chamou Oscar Niemeyer de “basbaquete”, Chico Buarque de “ignorante”, Fernando Gabeira de “babaca”, Jaguar de “canalha” e Dias Gomes de “corruptor da cultura brasileira”. Não parou aí: Augusto Boal, segundo Glauber, era um “péssimo teatrólogo” e Ziraldo, “um sub-intelectual”.

“Não gostam de mim porque têm inveja [...]. Porque sou incorruptível, sou mundialmente famoso. Acho a minha geração uma m..., pois ela se corrompeu completamente”, afirmou.

O sentimento de traição esteve presente em diversos momentos da entrevista, sobretudo em relação aos críticos do cinema novo, movimento do qual Glauber foi o maior expoente e que, entre outras características, rompia com uma estética mais influenciada por Hollywood.

“Como é que se explica que, por ocasião do AI-5 em 1968, quando o cinema novo estava enfrentando uma grande batalha mundial do cinema, fomos atraiçoados por cascavéis do concretismo, do tropicalismo, do Teatro Oficina”, disse o cineasta.

Disse ainda haver poucos homossexuais entre atores e diretores brasileiros (“o cinema é uterino, vaginal”) e afastou qualquer possibilidade de diálogo com grupos pró-ecologia, com a comunidade gay e com o movimento Black Power. “São ingênuos que destilam as ideias alienantes dentro do país”, disse.

Os palavrões, recorrentes na fala de Glauber, são mantidos nessa republicação como na versão original: m…, b… e p…

O arquivo original está disponível no Acervo Digital da Folha. Veja a seguir a entrevista.

Acabou o MDB Cultural! Vamos dar nome aos bois!

Você concorda que o cinema brasileiro na década de 70 caracterizou-se pela falta de objetivos mais nítidos, seja do ponto de vista ideológico e estético? Acha que hoje os cineastas ainda estão com a censura na cuca?

Esse papo de censura, de conformismo, não interessa. Arte é privilégio de gênio. Arte para mim é Mozart, é Dante Alighieri, é Leonardo Da Vinci, é Eisenstein, é Orson Welles. Alguns filmes brasileiros, como "Vidas Secas", "Limite", "Ganga Bruta", "O Cangaceiro", “Orfeu do Carnaval", "Pagador de Promessas", "Os Fuzis", "Macunaíma", "São Bernardo", "Xica da Silva". Só isso, o resto é besteira. De forma que os artistas jamais se corrompem. Todos os artistas são revolucionários.

Desse ponto de vista, o cinema brasileiro produziu filmes como vinha produzindo o tempo todo. O que houve é que o desenvolvimento econômico gerado pela Embrafilme [Empresa Brasileira de Filmes, estatal que funcionou de 1969 a 1990] jogou na prática um número enorme de cineastas e uma série de cineastas sem talento passaram a utilizar o dinheiro para fazer pornochanchada, filme histórico e tal. De forma que os cineastas revolucionários continuaram atuando.

Os reacionários continuaram acabando e o underground foi para a latrina que era o lugar que devia ficar. A Embrafilme representou um salto industrial importante, uma semi-estatização que garante produção.

E em termos ideológicos e estéticos como foi o cinema, ou como você prefere, os cineastas brasileiros nesta década?

Ideológico. Ideologia é um sistema de ideias. O cinema é a mais importante das artes, não porque o Lenin disse, mas porque é a síntese. O cinema é uterino, não é anal. Por isso que não tem quase homossexuais entre diretores e atores no cinema brasileiro. O homossexualismo é uma prática machista, antifeminista, misógina, detesta mulher, nega a procriação. Entendeu? Espero que no jornal "Lampião" não digam que eu estou fazendo campanha contra. Tudo bem, não estou me referindo a essas pessoas. Estou dizendo apenas que o cinema é uterino, vaginal. Então é a síntese cósmica.

Você vê que a mixagem de um filme é mais complexa do que a edição de qualquer disco. A música popular brasileira, do golpe para cá, é um curta-metragem do cinema novo. A mixagem é a metamúsica, metasomporque você mete ruído, diálogo, letras etc. Acho que a banda sonora de "Barravento", de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de "Terra em Transe", de todos os meus filmes, a própria [banda] de "Di Cavalcanti" significam que estamos à beira da revolução sonora. Incorporei o Villa-Lobos.

Não gosto, em geral, da música popular brasileira, gosto de Villa-Lobos e do folclore, ou seja, da música do negro, da música de umbanda, samba de favela, música de violeiro do sertão. São muito melhores cantores e compositores do que os de classe média.

Para mim, o maior poeta brasileiro é o Murilo Mendes, um poeta que universalizou a língua. O Vinicius de Moraes é um poeta erótico, feminista e revolucionário porque "O Operário em Construção" continua sendo o melhor poema político revolucionário. O resto é uma poesia que oscila.

Houve uma decadência cultural gerada pela ditadura e pela submissão do Brasil ao imperialismo norte-americano. Os músicos e o pessoal do teatro são jesuíticos. [Augusto] Boal, por exemplo, que faz teatro para converter o povo a algum partido. Teatro é para libertar, não para converter. Boal é um basbaquete. Acho Boal um péssimo escritor, um péssimo teatrólogo.

Você vê o cinema brasileiro na década totalmente colonizado?

Não. O cinema brasileiro, vamos deixar de falar em cinema brasileiro, vamos falar em cineasta. Tem todo tipo de cineasta, desde homens maravilhosos, patriarcas, aiatolás tipo Humberto Mauro, Mário Peixoto, Alex Viany, Adhemar Gonzaga, [Francisco Luis de] Almeida Sales, Paulo Emílio, que já morreu, como cineastas da geração do Nelson Pereira dos Santos, Roberto Santos, Carlos Alberto de Souza Barros, Walter Hugo Khouri, Trigueirinho Netto.

Tem a geração do cinema novo e a geração de 70, que é Bruno Barreto, Arthur Omar, Silvio Meirelles, Ivan Cardoso. Enfim: é a resposta que lhe digo. Acho que os intelectuais mais desalienados do Brasil são os cineastas, os mais descolonizados.

Cacá Diegues é uma figura internacional, também o Ruy Guerra, o Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade. Personalidades internacionais reconhecidas nos grandes centros culturais. Lá eles são levados a sério, não só pelos filmes, mas pelo que declaram. Por isso os intelectuais da ordem literária combatem os cineastas. À exceção do Jorge Amado, do Celso Furtado, do Darcy Ribeiro, do Josué de Castro, do Oscar Niemeyer, do Vinicius de Moraes, do Lúcio Costa e do Gilberto Freyre, os intelectuais brasileiros não têm a menor importância.

Vou dizer uma coisa, acho o Haroldo de Campos e o Augusto de Campos uns caras inteligentes, mas acho burrice esculhambar o cinema novo, inclusive uma frustração enorme. Não ter entendido o cinema novo é uma grande burrice. Um lance desprezível, marcação reacionária.

O Décio Pignatari a mesma coisa, pessoal do underground também. São os assistentes do cinema novo. Eduardo Escorel, assistente, fez "Lição de Amor", uma m..., é cineasta conformista de direita. Antônio Calmon fez pornochanchada, assumido. "O Abismo", do Rogério Sganzerla, que prometeu ser gênio, é uma m..., um fracasso total. O Rogério não é um militante de cinema, não é um revolucionário nem visionário, apenas um garoto egoísta.

Esse pessoal eu não perdôo porque eles foram escrotos no AI-5. Como é que se explica que, por ocasião do AI-5 em 1968, quando o cinema novo estava enfrentando uma grande batalha mundial do cinema, fomos atraiçoados por cascavéis do concretismo, do tropicalismo, do Teatro Oficina. Meu amigo José Celso Martinez, a verdade é essa. Você traiu a mim esculhambando o cinema novo.

O próprio Ruy Guerra, que parecia estar a serviço da Pide [Polícia Internacional e de Defesa do Estado]. Guerra é um irresponsável. Ele declarou, olha aqui, esse país é um país irresponsável. O Ruy Guerra declarou no Jornal do Brasil, em agosto de 1977, que eu deveria ser internado numa clínica psiquiátrica porque minhas declarações políticas prejudicavam o processo político.

Nessa época o senhor Ruy Guerra se fez representante do governo de Moçambique no setor cinematográfico. Diz a Godard que está politizando o cinema negro. A intelectualidade revolucionária brasileira não cobra do Ruy Guerra, por escrotidão.

Agora, o Luís Carlos Prestes declara no Pasquim que os russos têm razão ao mandar dissidentes loucos para hospitais psiquiátricos. É um absurdo Prestes dizer isso. Eu o respeito, acho que é uma das grandes figuras do país, mas isso eu não engulo. Ele sabe que eu não engulo.

Entendo-me bem com o Prestes porque entre eu e ele não tem o PC [Partido Comunista] no meio. Entendeu? É isso mesmo: entre eu e Prestes não tem o PC no meio. De forma que o pessoal do PC que andou enriquecendo no setor cultural, dizendo que eu era de direita e recebia dinheiro do Golbery [do Couto e Silva, então ministro da Casa Civil]. Sobre esse pessoal, estou disposto a perguntar a Prestes se são mesmo do PC porque muitos são corruptos. Já disse que se quiserem fazer um filme sobre as passeatas de 1968 bastava filmar na Globo, onde estão os “passeateiros” corrompidos. Eu não vou discutir essa basbaquice.

Jean-Claude Bernardet é um canalha e ponto final. Esteve no início do cinema novo, amigo do Gustavo Dahl, trabalhava com Paulo Emílio. Nessa época era de direita, defendia Bergman, nouvelle vague, Walter Hugo Khouri. Era o crítico mais reacionário do Brasil. Fui lá, esculhambei o coreto em São Paulo. O Gustavo ouviu, minha profecia estava certa. Eu ia fazer o sertão virar mar, ia explodir o cinema novo no Brasil.

O Jean-Claude não acreditou. Aí quando o cinema novo se realizou, ele foi superado. Então passou a ser comadre, cozinheira do cinema novo porque era um cara que detinha algumas informações sobre as pessoas e passou a pintar o cinema novo como artistas de classe média frustrada. Não quis reconhecer o coeficiente revolucionário dos filmes.

Quem não entendeu o cinema novo, repito, é burro. O cinema novo não é de direita, mas de esquerda revolucionária e o poder é do cinema novo. Os cineastas do cinema novo não se comunicam mais entre si, mas estão fazendo filmes. Liberdade total, a ditadura foi vencida e o cinema brasileiro vai explodir.

Agora não com a canalha underground, nem com o cinema novo que foi para a cooperativa, cinema novo da direita, mas com novos cineastas que vão surgir e vários intelectuais que entrarão para o cinema porque o cinema tem de ser manipulado pelos intelectuais. O cinema é uma linguagem moderna e a televisão também.

Eu acho que a Embrafilme tinha de ser reduzida a uma companhia de filmes experimentais, educativos, pesquisas tecnológicas e fiscalizar o mercado.

Você acha que a Embrafilme de alguma forma enquadrou o cinema brasileiro?

Não. Ao contrário, salvou da fome. Não enquadrou ninguém. Esse raciocínio materialista é falso. O livro de Carlos Guilherme Mota [“Ideologia da Cultura Brasileira (1933-1974)”], sobre cultura brasileira, é uma leitura materialista fajuta da história.

Em primeiro lugar, não se lê o processo cultural desse jeito, como uma consequência mecânica do processo econômico político. O processo cultural é transversal. O mesmo papo antinacionalista e catequista do Roberto Schwarz, que diz que Machado de Assis é reacionário. O Schwarz acha que Anatol Rosenfeld descolonizou o Brasil. Quer dizer: ele é um espírito jesuítico, que defende a micro-análise, a fenomenologia. Isso é a Universidade de São Paulo, o Roberto Schwarz, Carlos Guilherme Mota, esses raciocínios imediatistas.

Inclusive o José Celso Martinez, no Teatro Oficina, não consegue ir ao processo brasileiro na sua integridade. Acho que ele adota uma metodologia que leva a exclusões fantásticas, mas a constantes fracassos. Eu comparo o Zé aos físicos. É um pau que sobe e desce, que sobe e desce, quer dizer, não liga o circuito porque no fundo ele tem uma visão radical.

O materialismo sexual, na verdade, é uma vulgaridade, uma decadência muito grande. Acho que Black Power, ecologia, campanha contra poluição, gay-power são repertório do departamento cultural da CIA para o Brasil. Não que os pregadores disso sejam agentes da CIA. São ingênuos que destilam as ideias alienantes dentro do país. Eu não quero conversa com esse pessoal.

A contracultura e o rock e toda essa história de hippies, butiques,é uma transação escrota. Esse pessoal atacou o cinema novo e eu comprei a briga. Ruptura no final dos anos 70. Não vou citar nomes porque não quero ferir as esposas dos senhores. Acho que todos eles foram comidos pela poeira. Acabou o MDB da cultura, essa frente ampla. As pessoas têm que se assumir. Acho que quem fez patrulha ideológica não foi o PC não. Não sei quem é o pessoal do PC porque eles têm um sistema de clandestinidade bom, o pessoal do PC não é conhecido. Quem se faz passar como do PC é para pegar emprego na Globo.

Esse pessoal não é do PC porque não acredito que comunista possa ser corrupto como certos autores teatrais que serviram à ditadura, corrompendo o povo e enriquecendo, se passando com isso por comunista.

Por exemplo, eu acho que o Dias Gomes é um corruptor da cultura brasileira e não podemos deixar que a crítica o chame impunemente de marxista. Não é marxista. É um teatrólogo de direita, neofacista. Eu prefiro o Roberto Marinho ao Dias Gomes porque o Roberto Marinho é um imperador e, de certa forma, empregou esses canalhas que se venderam abaixo do preço. O Dias Gomes não é o Shakespeare. Roberto Marinho devia botar o Nelson Rodrigues, o sexo na televisão, e não esse moralismo babaca.

Os seus críticos dizem que você não fez cinema na década de 70, no Brasil. Você falou muito mais do que fez. Além de "A Idade da Terra", que a gente ouve falar há dois anos e mais um curta-metragem sobre Di Cavalcanti, o que mais você fez? Cadê o cinema do Glauber Rocha? Já era?

O tema é altamente conveniente para esclarecer o seguinte. Em primeiro lugar, arte não tem tempo. Entendeu? Os meus filmes são eternos. Eu fiz filmes que provocaram a revolução no cinema internacional. Os meus críticos não sabem disso. Infelizmente, talvez para eles.

Ganhei 13 prêmios internacionais, o que não quer dizer nada porque esses prêmios e a crítica não querem dizer nada. Os meus filmes provocaram a revolução no cinema brasileiro e no cinema do Terceiro Mundo. Aos 24 anos, quando fiz "Deus e o Diabo na Terra do Sol", fui chamado de gênio no mundo inteiro. Já que você me provocou, a minha bibliografia é válida.

Não estou falando do seu passado. Ninguém está negando o que você fez, ao contrário. Estou falando no presente e na década de 70 no Brasil.

Eu não tenho passado porque a obra está cumprida. Eu tenho oito livros internacionais publicados sobre a minha obra. Olha aí, meu amigo [mostra os livros lançando-os na mesa]. Sacou?

Deixe eu lhe explicar. Vou responder a pergunta já que você quer receber as datas materialistas. Em 1964, eu já era um gênio do cinema, junto com Orson Welles. Em 1968, com o "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro", ganhei um prêmio em Cannes. Meu filme estourou no mundo. O Antônio das Mortes era o Che Guevara, a iluminação revolucionária do Terceiro Mundo.

Completei o ciclo em 1970, com "Cabeças Cortadas", consagrado mundialmente e rico. Voltei ao Brasil, fechei a minha empresa em plena ditadura do Médici. Retirei-me do Brasil porque vi que fazer cinema era uma atividade de caráter burguês e reacionário como qualquer atividade artística que fosse desligada de uma prática revolucionária.

O Brasil vivia a ditadura Médici, uma guerrilha suicida e sanguinária. Eu fui daqui para Cuba, onde desempenhei um papel histórico que, no momento oportuno, o senhor Fidel Castro revelará.

Olha aqui, meu amigo: essa pergunta é uma provocação que vou lhe responder até o fim. Saiba o seguinte. Em primeiro lugar, o senhor Jaguar, do Pasquim, é um canalha que diz que eu recebi dinheiro do general Golbery e de Ney Braga. Então ele estava recebendo dinheiro do Magalhães Pinto. E o Ziraldo é um sub-intelectual, um desenhista pago pelas companhias de publicidade e um articulista de m.... Ziraldo é terceiro time e eu não respondo. Agora, a você respondo. Realizei na década de 70 o mais importante filme brasileiro e latino-americano chamado "História do Brasil". Foi realizado em Cuba, em companhia do líder estudantil Marcos Medeiros.

Cadê o filme?

Clandestinamente, em Cuba. O filme está no Brasil, no meu quarto. Será visto no momento oportuno porque é um filme até o momento interditado.

E quando os brasileiros vão poder ver a sua "História do Brasil"?

O momento quem determina sou eu, não o partido.

Por que ainda não chegou esse tal momento oportuno?

Por quê? Porque eu fui para Cuba desempenhar uma função que o senhor Fidel Castro revelará aos senhores. Fui eu que agi fundamentalmente dentro deste país para que se processasse as aberturas políticas a partir de 1972. Não fosse a minha atividade ideológica e cultural não teria havido aberturas. Então eu sou o profeta da anistia. Substituí o Sinatra na política direta.

Sou detestado porque desmoralizei o PC, denunciei a burguesia liberal do Cebrap [Centro Brasileiro de Análise e Planejamento], que está a serviço da Fundação Rockefeller, denunciei Dom Evaristo Arns como um falso profeta, denunciei o pessoal do Pasquim como corrupto a serviço do Magalhães Pinto. Então, meu cinema é esse.

Então me respeitem como cineasta porque hoje eu sou um dos maiores e melhores cineastas do mundo.

Esse tipo de cobrança eu não aceito. É a cobrança da classe média. Eu sou um personagem épico. Aqui eu só respondo quando algum cineasta fizer um filme melhor do que "Barravento". Boto só o "Barravento" para competir com o cinema brasileiro todo. O cinema novo sou eu. Quando a canalha diz que o cinema novo morreu, quer dizer que Glauber Rocha morreu. Por isso mataram Anecy Rocha. Eu não, eu estou vivo. Só que eu não sou o canalha do MDB, não sou moleque da Globo, não sou garoto-propaganda da Shell nem da Esso. Não sou teleguiado do PC.

Não sou ignorante como Chico Buarque de Holanda que não entende de política e receita o que o Fernando Henrique Cardoso diz a ele. Não sou o senhor Caetano Veloso que não entende de política e diz besteira a respeito de política. Eu não dou satisfações.

Eu fiz os três maiores filmes da década: "História do Brasil", "Di Cavalcanti" e a "A Idade da Terra". Aí está sua resposta. E volto ao "Abertura" [programa da TV Tupi em que Glauber tinha um quadro] neste domingo, que é o maior cinema do momento. Tem mais: "Cabeças Cortadas", filme feito em 1970. Fiz "Claro", na Itália, em 1975, um grande sucesso mundial, proibido no Brasil. E a "A Idade da Terra" será lançado em 1980.

Quando é que os brasileiros vão ver os filmes que você fez nesta década?

Vou lhe dar uma resposta altamente violenta. Saiba que "Cabeças Cortadas" ficou seis anos proibido no Brasil e nenhum intelectual protestou porque fazem campanha. Olha aqui, acho o Oscar Niemeyer um basbaquete. Niemeyer é um arquiteto pervertido e escroto. Apoia Moscou e apoia campo de concentração.

Como eu esculhambo Florinda Bolkan [atriz brasileira que trabalhou na Europa e nos EUA], essa prostituta do imperialismo que diz que [Jimmy] Carter [39° presidente dos EUA, de 1977 a 1981] tem de bombardear o aiatolá [Ruhollah Khomeini, principal nome da Revolução Islâmica de 1979, líder supremo do Irã até 1989]. Atenção com o andor. Meus filmes estão proibidos no Brasil. O único cineasta que criou caso com a censura fui eu. "Barravento" foi proibido pela censura de Jango, "Deus e o Diabo" foi sequestrado pela ditadura do Castelo Branco. "Terra em Transe" foi aquele estouro mundial, "Dragão da Maldade" também.

Depois o exílio, filme clandestino etc. Fui clandestinamente para Cuba, num momento que era morrer ir para lá. O filme foi feito e trazido, será mostrado no momento oportuno. Eu não respeito Fernando Gabeira não. Ele sabe que eu não o respeito e sabe porque, mas eu fiz o filme. Underground isso tudo é basbaquice. O filme "Crônica de um Industrial", do "seu" Rozemberg, é uma b…. Por isso, as entrevistas dele são ruins. Agora eu posso dar entrevista e dizer o que eu fiz. Me odeiam porque sabem que se corromperam. Eu não me corrompi. Minha obra está aí. É mundial e pertence ao povo brasileiro.

A classe média brasileira é um fracasso. Fernando Gabeira nesse livro de m... que escreveu ["O Que é Isso, Companheiro?"] disse que esculhambou "Terra em Transe" em 67 porque pregava a luta armada. Ele é burro, não entende de cinema. Ele sim que é um personagem de "Terra em Transe". Ele viu o filme e quis fazer como o Jardel Filho. Depois foi para Cuba. Quando eu estava em Cuba ele me chamou propondo a minha morte.

Como é que se explica que, por ocasião do AI-5 em 1968, quando o cinema novo estava enfrentando uma grande batalha mundial do cinema, fomos atraiçoados por cascavéis do concretismo, do tropicalismo, do Teatro Oficina

Glauber Rocha

Cineasta

Olha a deduragem...

Deduragem p... nenhuma. Eu estava em Cuba clandestinamente. Ele não está anistiado, não escreveu o livro dele? Dizer que eu recebi dinheiro do Golbery não é deduragem. Que coisa é essa? Eu que estava em Cuba fazendo um filme clandestinamente sobre a história do Brasil, isso o SNI sabe, a CIA sabe, a G2 cubana sabe, a KGB sabe. O senhor Gabeira estava lá. Eu posso dizer isso, não é deduragem.

Gabeira me chamou e disse assim: proponho a sua morte, vá assaltar um banco e morrer que a revolução precisa do suicídio do cineasta Glauber Rocha. Você para mim deixou de ser o Fernando Gabeira e passa a se chamar Fernando Gabéria [Béria: chefe da KGB, no tempo de Joseph Stalin].

Não gosto do Gabeira, não porque ele é guerrilheiro não. Acho que até poderia admirá-lo por isso. Não gosto dele porque é mau caráter. O papel que ele interpreta hoje é tão escroto que não merece nenhum respeito da minha parte. Ele propôs queimar "Terra em Transe" e propôs a minha morte. Acho Gabeira simplesmente um babaca. Virou personagem do Pasquim. O que o Gabeira queria conseguiu, ou seja, sair na primeira página do Jornal do Brasil, escrever no Pasquim e frequentar o Caetano Veloso.

Você acha que a década de 70 produziu um cinema popular, desde as comédias do Hugo Carvana ao Mazzaropi?

P... nenhuma. Cinema popular não existe, o que faz o público no Brasil é a TV Globo que é um negócio dirigido pelo imperialismo norte-americano e ponto final.

Os cineastas realistas são ruins. Aliás, o realismo é pior em arte. Essas comédias não querem dizer nada. Você está fazendo perguntas muito sociológicas, está com uma visão de arte muito mecanicista. Isso é ruim. Você compara "Síndrome da China" com qualquer filme brasileiro. É infinitamente superior. Mazzaropi é ruim, o filme do Carvana é péssimo. Tudo uma vergonha nacional.

Já lhe disse quem são os melhores cineastas brasileiros. Cineasta não depende da Embrafilme nem depende de tempo. Graciliano Ramos começou a escrever com 40 anos de idade.

Não gostam de mim porque têm inveja, sobretudo o pessoal do Pasquim. Porque sou incorruptível, sou mundialmente famoso. Transo a minha vida, transo os meus filhos, vivo feliz com a minha mulher. Sou independente. Acho a minha geração uma m..., pois ela se corrompeu completamente. Minha ligação é com o povo brasileiro. Gostei muito de romper com essas pessoas todas. Todos que traíram o cinema novo erraram quando disseram “‘o cinema novo morreu, Glauber morreu”.

O Brasil que vem aí é o Brasil de Villa-Lobos. O Brasil para mim é Villa-Lobos. Se não existisse Villa-Lobos, eu não seria brasileiro. O Brasil que vem aí é o Brasil de Zumbi dos Palmares, o Brasil de Tiradentes, o Brasil de Antônio Conselheiro, de Lampião, é o Brasil de umbanda. Não é o Brasil da canalha televisiva, da tropicália eletrônica, dos pseudo-comunistas, que eu gostaria que o Prestes expulsasse do partido. Sou amigo do Prestes, quando encontrá-lo vou dizer: olha aqui, o senhor deve expulsar todo mundo que andou esculhambando o cinema novo.

O cinema novo jamais seria o realismo socialista porque eu sou melhor do que Eisenstein, o cinema novo é muito mais revolucionário do que qualquer realismo socialista. Aliás, Prestes viu meus filmes em Moscou. Eu, ele e a alta direção da Mosfilm [antigo estúdio de cinema de Moscou]. Eles tiveram que se ajoelhar e rezar porque eu provei que a teoria do cinema épico-materialista dialético estava lá no lance.

Por isso, o pessoal tem de me detestar como esculhambavam Villa-Lobos. Eu sou um grande artista. O Brasil não está acostumado com isso. Eu sou um homem do povo, não sou vaidoso. Digo tudo isso a você para enfrentar a burguesia, não é por explosão de vaidade. Eu poderia ser o sistema, poderia dirigir a Embrafilme, a TV Globo. Boni me telefona para pedir conselhos. Walter Clark também. Luiz Carlos Barreto não produz nada sem me ouvir. Eu distribuo conhecimento e democracia.

Ziraldo me esculhamba porque queria fazer o cartaz do "Deus e o Diabo na Terra do Sol". Fez um cartaz ruim que não serviu. O Pasquim é um jornal que não tem coragem de enfrentar um Tarso de Castro. Por que o Ziraldo não entra num jornalismo democrático e selvagem com o Tarso?

Pôster do filme 'Deus e o Diabo na Terra do Sol'
Pôster do filme 'Deus e o Diabo na Terra do Sol' - Divulgação

Você acha que o cinema que está sendo feito hoje tem alguma coisa a ver com o Brasil?

Os filmes que eu gostei. Achei "Xica da Silva" do barulho, "Chuvas de Verão", mais ou menos. Não vi ainda "Bye, Bye Brasil". Não vi ainda a "Dama do Lotação".

E como é que você explica o filme "Xica da Silva" ter sido considerado racista?

Burrice. Racista é o pessoal do Cebrap, que acusou o filme de racista.

Muita gente das comunidades negras acusou também.

As comunidades negras aqui que têm palavra de ordem ideológica são orientadas por intelectuais brancos que fazem o jogo que se pode chamar da CIA.

Atenção, comunidades negras: "Xica da Silva" é um grande filme. E não vamos discutir isso numa entrevista. "Xica da Silva" para mim foi o grande filme da década. Achei "Dona Flor e seus Dois Maridos" não um filme genial, mas legal.

Não gostei de "O Amuleto de Ogum". Achei os "Os Inconfidentes" reacionário. Joaquim Pedro inaugurou a pornochanchada com "Guerra Conjugal". Achei "Lição de Amor" uma m... Achei "O Abismo", do Sganzerla, frustrado. Achei "Batalha dos Guararapes" um aborto frustrado também. Não vi o cinema do Khouri.

Achei alguns curta-metragens do Haroldo Barbosa legais, uns filmes de Ivan Cardoso legais. Depois de "Xica da Silva", o melhor da década é "Mar de Rosas", de Ana Carolina. Acabou o MDB cultural. Vamos dar nome aos bois.

E depois do fim do MDB cultural, o que vem?

O que interessa é a revolução brasileira, a revolução socialista brasileira. Como formular isso, como formular um socialismo brasileiro dentro da realidade da América Latina, do Terceiro Mundo. Como formular o sucesso de um socialismo rigorosamente democrático. O socialismo democrático é um pleonasmo porque socialismo é substantivo, em si é democrático. Socialismo é democrático e internacionalista. Lutar pelo socialismo no Brasil.

Vamos agora ao jornalismo dialético. A estratégia agora é lutar pelo socialismo no Brasil. Como chegar ao socialismo no Brasil sem derramamento de sangue, sem violência, sem conflitos insanáveis com as potências desenvolvidas, tanto a URSS como os EUA? Como conduzir o socialismo sem o elitismo intelectual paternalizando a massa?

Como conduzir o socialismo sem o autoritarismo militar e a demagogia religiosa dos padres da Igreja Católica, que é catequista? Como desalienar uma grande massa contaminada pelo imperialismo norte-americano através da propaganda do cinema, da TV e da comunicação de massa? Como deseducar uma massa educada no teologismo, na mediocridade da missa, na confissão? Como explicar aos comunistas brasileiros que o comunismo é a liberdade e não o catecismo? Que o Brasil precisa deixar de rezar pela União Soviética?

Respeito Prestes como líder político, inclusive quem melhor conhece o marxismo-leninismo no país é Prestes. Quem melhor raciocina em termos de economia marxista é Celso Furtado. Discordo da concepção do PC porque discordo do materialismo histórico e dialético. Acho que o materialismo histórico e dialético não é uma filosofia nem um método, não é nada. Eu sou telepático, metafísico.

Eu não respeito Gramsci, acho que ele não entende de arte nem de cultura. Isso é uma besteira inventada por Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder, George Lukács é um reacionário, o rei da patrulha ideológica. Só podem escrever sobre arte os artistas.

Oswald de Andrade é melhor do ponto de vista do texto brasileiro revolucionário do que Marx e Engels. Luís Carlos Prestes precisa ler o Oswald de Andrade seriamente. Os comunistas brasileiros precisam se modernizar, tirar a roupa, a gravata, desbundar, ficarem nus. Nesse lance, o Gabeira está numa boa. Só que não acredito no Gabeira, pois ele está me devendo uma autocrítica. Ele tem que escrever agora sobre as influências de Glauber Rocha na vida dele ou "seriam os guerrilheiros do MR-8 personagens do Glauber Rocha?"

O lance é esse: precisa haver um desbunde. O jornal Movimento está errado em esculhambar o Figueiredo, que é um gênio. Brizola está falando em trabalhismo. Trabalhismo está superado, o negócio é o movimento socialista brasileiro. Quer dizer, o partido democrático do governo vai ser um partido de centro-esquerda, daqui há pouco vamos ver Saïd Farhat [ministro da Comunicação Social no governo Figueiredo] promovendo o socialismo com Delfim e Eduardo Portella [ministro da Educação do governo Figueiredo], enquanto o Brizola estará no trabalhismo.

Se a história caminhar para o socialismo e o caminho do petróleo for o caminho do Terceiro Mundo, Figueiredo chuta em gol. Não vai ser superado pelo fogo do petróleo. Quem pensa que Figueiredo é medíocre está errado. Então, nesse ponto de vista, Maluf está mais à esquerda do que Tancredo Neves e Magalhães Pinto.

O Arraes ainda não se explicou ideologicamente. Fica transando aí com a intelectualidade que toma uísque, o pessoal de Machado de Assis. Não transa. Prefere não criar um partido e ficar numa frente ampla, não quer abrir o jogo. Discordo do Arraes, embora goste dele. [Francisco] Julião [deputado pernambucano e líder das Ligas Camponesas] eu acho mais autêntico, é um babalorixá brasileiro. É um homem que foi perseguido porque não apoiou a guerrilha.

Brizola devia vestir um camisolão e descer num candomblé, fumar um charuto, beber uma cachaça como todo o povo brasileiro. Entrar num barato. Não pode ficar fazendo política no Leblon. Ele tem de botar o escritório político numa macumba. Se ele fizer isso pode ser um aiatolá-babalorixá. Aiatolá é uma visão muçulmana e babalorixá é uma visão da umbanda que é uma visão brasileira.

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