Scarpellini se arriscou em inovações gráficas e ilustrações de São Paulo

Designer e artista visual italiano foi editor de Arte da Folha no final dos anos 1990

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São Paulo

“Estou indo demais?”. Após dois anos no Brasil, ainda sem a ótima fluência no português que conquistaria, era com essa frase que o designer e artista plástico italiano Vincenzo Scarpellini perguntava aos editores de Esporte da Folha se a capa que estava propondo para o caderno do dia seguinte estava além dos limites aceitos pelo jornal.

O ano era 1998, e o Brasil disputava o Mundial da França, aquele da convulsão de Ronaldo antes da final perdida para o time da casa.

Durante toda a Copa, Scarpellini, então com pouco tempo como editor, usava sua criatividade para desenhar capas diárias bonitas e impactantes para o caderno especial da cobertura da competição. Três delas ganharam prêmios e menções em anuários de design pelo mundo.

homem branco de cabelos pretos e curtos usa óculos e sorri para a foto
O editor Vincenzo Scarpellini foi um dos responsáveis pelo projeto gráfico do caderno especial da Copa do Mundo de 1998, vencedor do Grande Prêmio Folha de Jornalismo daquele ano - Eduardo Knapp/Folhapress

Nascido em Ascoli Piceno, em 1965, formado em design e jornalismo em Roma, Scarpellini tinha pouco mais de 20 anos quando assumiu a direção de arte do jornal Il Manifesto, ligado aos partidos de esquerda italianos. Por seis anos, fez um trabalho notável na publicação. Em 1996, desembarcou no Rio de Janeiro, convidado a cuidar da reformulação visual da revista Manchete.

No entanto, sua decisão de seguir carreira no Brasil só veio no ano seguinte, quando se mudou para São Paulo. A artista visual Lenora de Barros, que havia sido editora de Arte da Folha anos antes, estava no núcleo de projetos especiais da editora Abril.

Apresentada a Scarpellini, adotou o italiano como amigo. Lenora o chamou para fazer um projeto gráfico para a revista A&D. "Ficou tão bonito que dava vontade de ajoelhar diante das páginas", elogia a artista.

Para Lenora, a bagagem europeia dava ao trabalho do amigo uma elegância visual. "Vincenzo era muito culto e muito jovem, entusiasmado. Conquistava as pessoas e trabalhar com ele era sempre estimulante", afirma.

Seu marido, o jornalista Marcos Augusto Gonçalves, atualmente editor da Ilustríssima, teve a ideia de indicar Scarpellini ao jornal.

desenho com cores quentes e vibrantes de homem gritando no meio da rua enquanto uma moto passa ao lado
Desenho de Vincenzo Scarpellini baseado no quadro expressionista "O Grito", de Edvard Munch - Reprodução

Sua chegada sacudiu o trabalho diário de diagramação da Folha. Mesmo em um inevitável processo de adaptação à maneira de o jornal tratar visualmente as notícias, não se acanhou em propor soluções inesperadas para o desenho das páginas.

A poeta, jornalista e professora Mônica Rodrigues da Costa era então editora da Folhinha, suplemento infantil do jornal, e se tornou uma das pessoas mais próximas a Scarpellini na Redação. Nos anos seguintes, eles dividiram autoria de dois livros para crianças, “A Invasão dos Sons Espaciais” e “A Turma do Ponto”, lançados pela editora Harbra.

“Vincenzo era um artista. Ele chegou cheio de ideias originais e, como parte natural no trabalho de um grande jornal, teve que seguir padronizações”, diz a amiga, “mas nunca conteve sua criatividade, sempre tentava subverter.”

Suas incursões anteriores pela pintura, por revistas e outras plataformas renderam opções inusitadas. “Vincenzo era sincrético, misturava tudo”, afirma Mônica.

Algumas editorias eram mais abertas a inovações visuais, como a Ilustrada e os suplementos semanais, mas mesmo no núcleo duro do jornal, como o noticiário de política ou economia, ele foi inserindo modificações.

Em 2000, a Folha passou a seguir um novo projeto gráfico, comandado por Scarpellini. Entre muitas alterações, ele gostava de destacar a ideia principal do projeto. “Mais do que mexer em cores e fontes, a alma dessa mudança está em deixar mais clara ao leitor a hierarquia das matérias nas páginas. Acho que conseguimos”, declarou Scarpellini no lançamento.

Enfatizava a organização dos "elementi" (em português, elementos), como costumava dizer.

Deixando a editoria de Arte com outro italiano criativo que convidou para o jornal, Massimo Gentile (1962-2015), Scarpellini cumpriu um período de contribuição para a Folha naquilo que mais gostava. Passou a publicar ilustrações numa nova coluna, Urbanidade, com textos do jornalista Gilberto Dimenstein (1956-2020).

Esse espaço acolheu parte de seu trabalho claramente influenciado pela cidade de São Paulo, principalmente o centro velho da capital. Desde sua chegada, Scarpellini sempre morou em endereços próximos da praça da República. Sua paixão pela região o levava a passeios noturnos a pé, muitas vezes com a mulher, a jornalista e curadora, Claudia Marques de Abreu, com teve uma filha, Sophia.

Seu olhar carinhoso para uma área degradada da cidade produziu trabalhos muito elogiados. Em 2002, o Centro Cultural da Caixa, na avenida Paulista, montou a exposição “San Paolo, Cidade em Fuga”.

Scarpellini exibiu ali 50 desenhos e 40 pinturas, além de um trabalho em vídeo. Em 2005, realizou em sua cidade natal a mostra “Nodi”, com desenhos, óleos e cerâmicas. Depois do Palazzo dei Capitani, em Ascoli Piceno, a exposição foi montada no mesmo ano na Caixa Cultural. Na época, lançou o livro “São Paulo – 2 Vidas”, pela Ateliê.

Foi também em 2005 que Scarpellini teve diagnosticado um câncer no estômago. Ele morreu em julho de 2006, aos 41 anos. Suas ilustrações para a coluna Urbanidade foram reunidas em 2009 no volume “San Paolo”, editado pelo Publifolha.

A mistura de cor, luz e melancolia que jogou na decadente paisagem de uma São Paulo antiga agradava a Otavio Frias Filho (1957-2018), então diretor de Redação da Folha.

Foi ele que sugeriu a Scarpellini o trabalho com Dimenstein e tinha uma visão pessoal sobre o artista. “Vincenzo não dedica a São Paulo um olhar estrangeiro, como muitos definem. Ele não é mais italiano ou brasileiro, é uma mistura peculiar dessas duas condições.”

​RAIO-X

Vincenzo Scarpellini (1965-2006)

Nascido na pequena cidade italiana de Ascoli Piceno, o designer e artista visual chegou ao Brasil em 1996. Depois de trabalhar em revistas no país, tornou-se editor de Arte da Folha em 1998 e liderou a reforma gráfica do jornal em 2000. Suas ilustrações para a coluna Urbanidade renderam, além de livros, exposições em São Paulo e na sua cidade natal.

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