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Advogado metódico, Nabantino modernizou a Folha em época tumultuada

Em busca de equilíbrio, dono do jornal de 1945 a 1962 lançou projeto editorial e normas de conduta profissional

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São Paulo

Um porteiro barrou a entrada do advogado José Nabantino Ramos quando ele chegou ao prédio da Folha para mais um dia de trabalho, no início de dezembro de 1961. Os jornalistas estavam em greve e havia piquetes. Nabantino não pôde passar nem mesmo ao se apresentar como dono do jornal.

Como um amigo contou tempos depois a um pesquisador que estudou a trajetória do advogado, ele só conseguiu entrar após a intervenção de outro diretor da empresa. No mesmo dia, Nabantino convocou uma reunião, chamou o porteiro e parabenizou-o na frente de todos por ter cumprido seu dever.

Nabantino Ramos dirigiu a Folha durante um dos períodos mais tumultuados da história brasileira tentando manter distância das paixões da época. Contemporâneos o descreveram como um homem metódico, para quem assegurar a independência do jornal era essencial para modernizá-lo.

Uma mulher jovem e bonita corta um bolo branco de três andares sob o olhar de um homem mais velho de óculos, terno e gravata e uma criança, numa sala com outros homens de terno e gravata.
O advogado José Nabantino Ramos observa a miss Brasil Martha Rocha cortar um bolo de aniversário dos jornais Folha da Manhã e Folha da Tarde, em 1954. - Folhapress

O advogado fez parte de um grupo que adquiriu o controle da empresa em 1945, quando a Segunda Guerra Mundial e a ditadura do Estado Novo estavam no fim, e exerceu sua liderança até 1962, quando a crise que levaria ao golpe de 1964 e à volta do autoritarismo estava em fermentação.

O grupo foi mal recebido pelos jornalistas quando tomou o lugar do fazendeiro Octaviano Alves de Lima, que relançara a Folha da Noite após uma interrupção causada pela Revolução de 1930. Dezenas de profissionais deixaram a empresa, temendo que ela passasse a defender o governo Getúlio Vargas.

​O grupo representava diferentes segmentos da elite da época. Um dos seus principais articuladores era o industrial Francisco Matarazzo Júnior, que incluíra entre os novos sócios o advogado Clóvis Queiroga. Nabantino tinha ligações com o interventor federal que governava São Paulo, Fernando Costa.

Por ser estrangeiro, Matarazzo não podia ser dono de jornal no Brasil. Ele investiu no projeto para ter um veículo que o defendesse contra os ataques que sofria do jornalista Assis Chateaubriand, o temido dono dos Diários Associados, mas logo se desentendeu com os sócios e se afastou das Folhas.

No dia em que a troca de dono foi anunciada, o porta-voz do grupo, o fazendeiro Alcides Ribeiro Meirelles, anunciou na primeira página da Folha da Manhã que os jornais da empresa seguiriam sua "velha tradição de imparcialidade" e defenderiam "ideias e princípios", mas não partidos políticos.

Nabantino reafirmou o compromisso em 1948, quando publicou o "Programa de ação das Folhas", primeira tentativa da empresa de codificar um projeto editorial. "[Ele] se caracterizará sempre por absoluta imparcialidade em política partidária e inflexível defesa do interesse público", dizia o preâmbulo.

A empresa publicava dois títulos, a Folha da Manhã e a Folha da Noite, e logo relançou um terceiro, a Folha da Tarde, que circulara brevemente nos anos 1920. Era um esforço para capturar a atenção de diferentes leitores num período em que a urbanização do país aumentava o interesse pelos jornais.

Nabantino transferiu a sede do jornal para o lugar onde ela funciona até hoje, no centro de São Paulo, investiu em rotativas mais potentes e adotou métodos modernos de gestão empresarial para recrutar profissionais, organizar o trabalho dos jornalistas e fazê-los produzir de forma mais eficiente.

Um documento publicado em 1959 reuniu pela primeira vez um conjunto de normas criadas para a Redação. Havia dezenas de orientações para os editores, que deviam apresentar boletins diários com as principais ocorrências em suas áreas e relatar eventuais infrações em expedientes formais.

As normas eram detalhistas a ponto de oferecer uma escala para medir a gravidade de erros, atrasos e outras faltas cometidas pelos repórteres. Elas prescreviam até o tamanho da margem em branco exigida nos originais dos textos, que deviam ser apresentados com todas as páginas rubricadas.

Mas a gestão de Nabantino também contribuiu para disseminar regras de conduta que ainda eram pouco respeitadas nessa época, e que até hoje são valorizadas pelos manuais de jornalismo —inclusive o adotado atualmente pelos profissionais da Folha, cuja versão mais recente foi lançada em fevereiro.

O advogado deu outro passo importante em janeiro de 1960, ao unificar os três títulos publicados pela empresa e adotar o nome atual da Folha. O jornal passou a circular com três edições diárias, que eram entregues às bancas nos mesmos horários dos títulos antigos, com o noticiário do dia atualizado.

A mudança fez a circulação do jornal aumentar e fortaleceu sua marca, abrindo caminho para transformações mais profundas nas décadas seguintes. "Foi uma decisão primordial para o crescimento da Folha", diz Matías Molina, que prepara o segundo volume de sua história dos jornais brasileiros.

A instabilidade econômica do início da década de 1960 cobrou caro de Nabantino. Cortes nos subsídios que barateavam o custo do papel o levaram a reduzir o número de edições diárias de três para duas. Dificuldades para obter crédito travaram seus planos de crescimento e o fizeram desanimar.

A greve de 1961, que durou três dias, o derrubou. "Ele não estava preparado para esse confronto", disse um dos editores da época, Roland Marinho Sierra, ao jornalista Laercio Pires de Arruda, autor de uma tese acadêmica sobre Nabantino. "Ele ficou arrasado ao saber da decisão de seus jornalistas."

Alguns meses mais tarde, em agosto de 1962, a empresa foi vendida a Octavio Frias de Oliveira, Carlos Caldeira Filho e Caio de Alcântara Machado, que se retirou da sociedade depois. Frias era amigo de Nabantino e conduziu a Folha até sua morte, em 2007. Seu filho Luiz é o atual publisher do jornal.

Após vender a empresa, Nabantino decidiu estudar psicanálise em Londres. Ele ficou obcecado pelo assunto após uma crise de depressão na juventude. "Foi a verdadeira paixão dele, não o jornalismo", diz a filha do advogado, Heloísa Moraes Ramos, que seguiu o pai e mantém consultório em São Paulo.

De volta ao Brasil, ele trabalhou nos Diários Associados e foi nomeado diretor da Caixa Econômica do Estado de São Paulo. Quando um câncer atingiu sua medula e lhe roubou os movimentos, adaptou uma Kombi para transportá-lo na cadeira de rodas e continuou trabalhando até seus últimos dias.

JOSÉ NABANTINO RAMOS (1908-1979)

Nascido em Queluz (SP), mudou-se para estudar em São Paulo e enriqueceu como advogado. Fez parte do grupo que comprou a empresa responsável pela Folha da Manhã e pela Folha da Noite em 1945 e a dirigiu até 1962. Após vender o jornal, foi professor da Faculdade de Direito da USP e diretor da Caixa Econômica do Estado de São Paulo. A Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo lhe concedeu título de sócio benemérito, por seu papel na divulgação da teoria no Brasil.

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