Eliane Stephan soube unir o apuro do design e o conhecimento industrial

Editora de Arte foi responsável por inovações gráficas da Folha nos anos 1990 e 2010

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São Paulo

O design foi uma escolha que se deu “absolutamente por acaso” na vida de Eliane Stephan. Sua formação anterior era toda voltada para literatura, conta.

Estudava letras na PUC do Rio, sua cidade natal, quando ouviu falar “desse curso que tinham aberto lá”. “Parecia feito para mim. O que era aquilo que estava acontecendo ali e eu não sabia? Então foi assim, fui procurar saber.”

retrato em preto e branco de mulher sentada, de costas, tentando olhas para trás
Eliane Stephan na Redação da Folha em 1989 - Claudio Freitas - 16.nov.1989/Folhapress

O resumo que Stephan faz do início de sua vida no design denota a atitude curiosa e destemida que marcou os passos de sua carreira e transformou a identidade visual da Folha.

Ela chegou a São Paulo, onde mora até hoje, em 1985, após cinco anos em Paris.

Desembarcou com uma experiência que aliava o rigor aprendido nos anos cariocas —seu primeiro emprego foi no escritório de um pioneiro do desenho gráfico no país, Aloísio Magalhães— e o mergulho numa forma mais artesanal de trabalhar do coletivo gráfico francês Grapus.

Numa noite paulistana, teve um encontro definitivo.

A artista visual Lenora de Barros havia se tornado pouco antes editora de Arte da Folha e recorda ter conhecido no Radar Tantã aquela “amiga de amigos”, hoje “uma irmã”.

A casa noturna ficava não muito longe da sede da Folha, numa antiga fábrica. Em retrospecto, o ambiente industrial parece quase um signo do trabalho que desenvolveriam juntas a partir de 1987.

Pois o que Lenora mais destaca como contribuição de Stephan —além das referências trazidas para a jovem equipe da Arte— foi a capacidade que a amiga logo demonstrou de “trabalhar a coisa no macro, industrialmente”.

Era um momento de muita efervescência. O Projeto Folha, base do fazer jornalístico seguida pela Redação até hoje, fora implantado em 1984.

Mas, ambas recordam, ainda havia uma distância grande entre a Redação e a área industrial —bem maior que os dois andares até a fotocomposição ou os quatro até o térreo, onde ficava a gráfica.

“Imediatamente quis conversar com eles, saber como a cor imprime, que tipografia ficava boa, quais as fontes tinha na fotocomposição”, diz Stephan.

No início, ela fazia colaborações especiais. A relação mudou em 1989, quando Lenora foi para Milão acompanhando seu marido, Marcos Augusto Gonçalves, que lá seria correspondente. Stephan foi convidada a assumir a Arte.

A grande virada, porém, veio com a designer também longe da Barão de Limeira, num período na Califórnia.

Stephan conta que fora encarregada pelo diretor de Redação, Otavio Frias Filho (1957-2018), de visitar jornais e mandar relatórios. O que constatou foi que “a Folha estava muito avançada; eram antiquados os ambientes”.

Dedicou-se a cursos e novidades técnicas. Após um ano, no voo de volta, devorou um livro que se tornaria fundamental, “Stop Stealing Sheep” (pare de roubar ovelhas), do designer tipográfico Erik Spiekermann. “Quando cheguei, falei ‘Otavio, nós vamos desenhar uma fonte para a Folha’.”

Para alegria dela, foi o MetaDesign, escritório de Spiekermann em Berlim, que venceu a concorrência organizada.

Lucas de Groot foi o profissional designado para tocar o projeto em São Paulo. A partir do logotipo do jornal, que foi redesenhado, desenvolveu-se a tipografia Folha Serif, usada nos títulos do jornal até hoje.

Em 1993, o desenho tipográfico estava completo. Mas ficou na gaveta. O jornal não queria separar o novo projeto da inauguração do centro gráfico em Tamboré. Demorou três anos. Ela não esperou.

O tempo trouxe o reencontro. Já nos anos 2000, foi convidada por Otavio para voltar à Folha e, segundo ela, “recuperar a identidade do jornal”.

O novo projeto gráfico estreou em 2010. Seus traços distintivos eram uma tipografia maior e as tarjas em cyan, sobre as quais entravam os logos de cada caderno, “dando luminosidade” às páginas.

O projeto, que visava tornar o jornal “fácil de ler”, perdurou até 2018, quando passou a vigorar a atual imagem da Folha —os textos, mas não os títulos, ganharam uma nova fonte, bem como os gráficos.

Eliane não acompanhou a mudança. Mais ou menos por essa época, dava por encerrado seu ciclo como designer.

A profissional que trocou quase acidentalmente as letras pelos tipos regressou às origens nos anos recentes, voltando a estudar literatura e, a partir dela, a psicanálise.

Mas se orgulha do legado.

“Fico feliz que ainda tenha algo de mim na Folha. Por mais que mude a diagramação, as letras estão lá.”

Raio-X
Eliane Stephan

Nasceu no Rio de Janeiro, onde estudou design na PUC. Começou a carreira trabalhando com Aloísio Magalhães e, depois, em Paris, com o coletivo Grapus, de artistas gráficos de esquerda. Seu primeiro contato com a Folha foi como colaboradora, desenhando cadernos especiais. Tornou-se editora de Arte em 1989. Foi responsável por duas reformas gráficas do jornal. Na primeira, implantada em 1996, foram criados sob sua batuta o logotipo e a fonte dos títulos até hoje usados.

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