Idosos devem se preparar para futuro do trabalho

É necessário esforço multissetorial para manter idosos no mercado de forma competitiva

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Alexandre Kalache

Médico gerontólogo, presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil (ILC-BR)​

Mórris Litvak

Engenheiro de software, fundador e CEO da startup Maturi e coordenador da área de trabalho do Centro Internacional de Longevidade (ILC) no Brasil

O ano de 2020 será lembrado, claro, pela pandemia. Mas há outras palavras e expressões, além de "coronavírus", que entraram no vocabulário do dia a dia.

As noções de negacionismo, analfabetismo científico, intervenções baseadas em evidência, desigualdade em alta, queda da natalidade, desemprego e informalidade, por exemplo, convergem para uma palavra pouco usada, mas que expressa o que vivemos: sindemia, a convergência de várias crises que se somam à sanitária. Como síndrome, define um conjunto de sintomas que caracterizam uma doença.

O fato de que mais de 300 mil das 450 mil mortes já notificadas (de acordo com a OMS, a Organização Mundial da Saúde, o número real é, possivelmente, o dobro) terem sido entre os idosos é também notório. Grande parte poderia ter sido evitada, mas o idadismo entrou na contramão, "não importam, já viveram, todos morrem um dia”.

Há outra manifestação do idadismo que não tem sido suficientemente discutida. De acordo com Marcelo Neri, da FGV, mais de 25% dos jovens entre 15 e 29 anos hoje nem trabalham nem estudam, os ‘nem-nens’. Por outro lado, os trabalhadores com mais de 50 anos passaram a sofrer preconceito etário ainda maior no mercado de trabalho.

Ao mesmo tempo em que a dificuldade em se manter ou se recolocar é cada vez maior para os mais velhos, cresce a dependência deles para o sustento de suas famílias, como aponta Ana Amélia Camarano, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Suas conclusões são corroboradas por um estudo recentemente realizado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas em parceria com o Serviço de Proteção ao Crédito e com a Offer Wise Pesquisas.

O estudo revela uma participação crescente dos idosos na renda familiar. Cerca de 91% dos brasileiros com mais de 60 anos contribuem para o sustento da casa, representando, em 52% dos lares, as principais fontes de renda —um aumento de 9% desde 2018. Nos extratos socioeconômicos mais baixos, a morte de um idoso condena à pobreza a própria família.

Camarano calcula em mais de R$ 3 bilhões o aporte dos idosos para a economia. Pessoas com mais de 60 anos se tornaram, portanto, economicamente indispensáveis. E precisam estar preparadas para o futuro do trabalho.

mãos de homem idoso digitando em teclado
Idosos precisam ser incentivados e treinados para atuar num mundo digital, diverso, horizontal e multigeracional - stokkete - stock.adobe.com

É urgente estabelecer esforço multissetorial como objetivo de requalificar essas pessoas para que elas retornem ou se mantenham no mercado de trabalho de forma competitiva.

Com o mundo do trabalho sendo severamente revolucionado pela tecnologia, as relações de trabalho ganham novos e diferentes formatos. O emprego formal está em queda livre. O que já era tendência foi acelerado pela pandemia.

Os 60+ ainda trazem consigo uma formação que os preparava para o emprego onde imperava a hierarquia de comando e controle, o horário fixo, o trabalho mecânico e repetitivo, entre outros aspectos hoje cada vez mais obsoletos.

Essas pessoas precisam ser incentivadas e treinadas para atuar num mundo não só digital, mas diverso, horizontal, multigeracional e colaborativo, onde a adaptabilidade é fundamental e o letramento tecnológico tão importante quanto ler e escrever. Impõe-se a necessidade de uma atitude empreendedora e aprender a atuar por conta própria centrado em aprendizado ao longo da vida.

As empresas, organizações do terceiro setor e o poder público têm papel fundamental neste processo e devem criar programas de reinclusão no mercado, qualificação técnica e comportamental, inclusão digital, planejamento financeiro, empreendedorismo e integração geracional. Caso contrário, faltará mão de obra qualificada e teremos um abismo social ainda maior entre os mais velhos.

Seção discute questões da longevidade

A seção Como Chegar Bem aos 100 é dedicada à longevidade e integra os projetos ligados ao centenário da Folha, celebrado neste ano de 2021. A curadoria da série é do médico gerontólogo Alexandre Kalache, ex-diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da OMS (Organização Mundial da Saúde).

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