Lins da Silva implantou reformas na Folha nos anos 1980 e enfrentou ódio das redes como ombudsman

Jornalista defendeu tese acadêmica sobre projeto editorial que ajudou empresa a conquistar liderança

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Dos hábitos adquiridos pelo jornalismo nos últimos tempos, o que mais irrita Carlos Eduardo Lins da Silva é a pressa com que notícias importantes muitas vezes são publicadas na internet, com informações incompletas e imprecisas que só mais tarde são detalhadas e explicadas.

"A obsessão por dar as notícias rapidamente induz a erros e superficialidade", diz o jornalista, que completou no início de maio 50 anos de carreira, dos quais 18 vividos na Folha. "Como consumidor, me incomoda ver o mesmo texto ser copiado e colado com pequenas atualizações várias vezes por dia."

Ele sabe que a agilidade é importante no ambiente ultracompetitivo em que os jornalistas trabalham hoje e entende que sair na frente pode ser essencial para capturar a atenção dos leitores, mas não se conforma. "Seria melhor publicar textos mais bem acabados do que de forma tão precipitada", afirma.

Homem branco de cabelos e bigodes pretos, óculos, camisa branca e gravata estampada, falando ao telefone e rindo.
O jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva na época em que era diretor-adjunto de Redação da Folha - Fabio Salles - 25.mai.1989/Folhapress

Lins da Silva já pensava assim ao participar de uma etapa crítica do processo de modernização da Folha, deflagrada em 1984, quando Otavio Frias Filho (1957-2018) assumiu a Direção de Redação e pôs em marcha um projeto de renovação que em pouco tempo tornou a Folha o jornal de maior circulação do país.

Nesse período, a empresa publicou pela primeira vez um documento com as diretrizes do seu projeto editorial, lançou a primeira edição do Manual da Redação e implantou novos sistemas para organização do trabalho dos jornalistas, avaliação de desempenho profissional e cumprimento de metas.

Lins da Silva trabalhou nos antigos Diários Associados, saiu para estudar nos Estados Unidos e dava aulas na Universidade de São Paulo quando chegou à Folha, em 1983. Começou como repórter e logo foi promovido à Secretaria de Redação, onde ficou responsável pela área de produção.

Metódico e conciliador, cabia a ele não só implementar o novo projeto, mas administrar as tensões no chão da fábrica. "Muitos me viam apenas como o cara das planilhas", lembra o jornalista. "Mas foi uma época de muita discussão, havia abertura ao diálogo e isso ajudou a enfrentar as divergências."

Muitos jornalistas resistiram às mudanças, por achar que elas inibiam a criatividade e restringiam sua liberdade de ação. Um abaixo-assinado levado à direção do jornal em 1985, apoiado por dois terços dos profissionais da Redação, expôs as insatisfações, mas a empresa insistiu nas reformas.

O jornal ganhou assinantes e aumentou de forma expressiva sua circulação nesse período, mas muitos leitores também se sentiram desconcertados com as mudanças. "Nasceu nessa época uma relação de amor e ódio que a Folha e muitos dos seus leitores cultivam até hoje", observa Lins da Silva.

O novo Projeto Editorial foi lançado pouco depois do fracasso da campanha por eleições diretas para presidente, na qual a Folha se engajara em 1984, e o jornal agora se esforçava para cobrir com equilíbrio e sem paixão a eleição indireta de Tancredo Neves e a doença que o impediu de tomar posse.

"O projeto foi concebido num mundo que não existe mais, mas muitos dos seus princípios permanecem válidos", diz Lins da Silva. "A Folha continua sendo um jornal de espírito crítico aguçado, combativo e atrevido, o que me parece ser a principal diferença entre ela e os concorrentes ainda hoje."

O jornalista deixou a Secretaria de Redação em 1987. No mesmo ano, defendeu na USP tese de livre docência sobre as mudanças na Folha e adaptou-a para um livro, "Mil Dias: Os Bastidores da Revolução em um Grande Jornal". Em 2005, reviu a experiência ao republicar a obra com novo prefácio.

Ele lamenta que procedimentos adotados no início das reformas tenham sido abandonados, como a revisão anual das diretrizes do projeto editorial, após um amplo processo de consultas internas. A versão atual do documento foi publicada em 2019, após um intervalo de 22 anos sem atualizações.

Mas ele observa que várias mudanças criticadas de forma implacável na época em que foram introduzidas, como os textos mais concisos, o uso de infográficos e a divisão do jornal em cadernos, deixaram de gerar controvérsia e acabaram adotadas pelos concorrentes da Folha com o tempo.

Lins da Silva voltou aos EUA como correspondente em Washington no início dos anos 1990 e deixou o jornal em 1999 para participar da fundação do Valor Econômico, criado pela Folha em parceria com o grupo Globo em 2000. A Folha vendeu sua parte para o Globo em 2016 e deixou a sociedade.

O jornalista voltou à Folha em 2008, chamado para ser o ombudsman do jornal. Ele reencontrou os leitores num ambiente novo e particularmente desafiador, em que blogs e redes sociais emergiam na internet como instrumentos para contestações agressivas à imprensa tradicional.

Lins da Silva exerceu a função por dois anos e a deixou às vésperas da campanha eleitoral de 2010. Antevia dificuldades para lidar com a crescente radicalização política, que parecia tornar inviável qualquer tentativa de diálogo racional com os leitores, como escreveu em sua última coluna.

"As amostras que tive do poder destrutivo dessas forças da irracionalidade foram suficientes", disse então. Longe das redações, Lins da Silva voltou ao mundo acadêmico. Hoje dá aulas no Insper, onde coordena o recém-criado Centro Celso Pinto, dedicado a estudos sobre jornalismo econômico.

Carlos Eduardo Lins da Silva, 68

Formado pela faculdade Cásper Libero, iniciou a carreira nos Diários Associados e entrou na Folha em 1983. Foi secretário de Redação (1984-1987), diretor-adjunto (1988-1989), diretor de recursos humanos (1989-1990), diretor da Agência Folha (1990-1991) e correspondente em Washington (1991-1999). Participou da fundação do jornal Valor Econômico, onde foi diretor-adjunto de Redação, e foi apresentador do Roda Viva, da TV Cultura. Voltou à Folha para ser o ombudsman do jornal, função que exerceu de 2008 a 2010. Livre-docente e doutor em comunicação pela Universidade de São Paulo, deu aulas na USP e em outras instituições e hoje é professor do Insper.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.