Antonio Pirozzelli se tornou repórter fotográfico por causa de um homem fora de si. Em uma tarde de 1936, na antiga Redação da Folha da Manhã e da Folha da Noite, na rua do Carmo, no centro de São Paulo, o chefe de reportagem Nabor Caires de Brito desceu às oficinas e perguntou: “Alguém aqui sabe fotografar?”
Pirozzelli, um jovem franzino que trabalhava como gravador, logo se apresentou. Caires entregou uma câmera ao rapaz e lhe deu a missão: fotografar um homem que acabara de fugir do manicômio e estava, do alto de uma casa, atirando telhas nas pessoas que passavam na rua.
A partir desta primeira reportagem, Pirozzelli nunca mais largou a fotografia. E assim foi até o dia de sua morte, em 1981, quando teve uma parada cardíaca durante uma pauta, com a câmera em punho.
“Ele era uma pessoa extremamente curiosa. Foi escoteiro, mergulhador, campeão paulista de salto com vara, mas sua paixão sempre foi a fotografia”, contou o também fotógrafo Ângelo Pirozzelli em depoimento no ano da morte do irmão.
Pirozzelli nasceu em 1915 na rua Alegria, no bairro paulistano do Brás. Passou a infância em Monte Alto, interior do estado, onde trabalhou na lavoura, até que a crise de 1929 levou a família a voltar para São Paulo. Adolescente, arrumou um emprego em um ateliê de gravura no Bom Retiro e, com 21 anos, conseguiu uma vaga nas Folhas.
A história de Pirozzelli se confunde com a história do fotojornalismo brasileiro. Não é exagero dizer que ele ajudou a moldar o próprio gênero no país.
“Foi um dos primeiros fotógrafos a se assumir como repórter. Os outros apenas faziam fotografias. Ele já era repórter fotográfico”, conta o jornalista José Hamilton Ribeiro, 85, que trabalhou com Pirozzelli na Folha da Manhã no fim dos anos 1950.
Em 1958, Pirozzelli e Gil Passarelli foram os fotógrafos do Reide Brasil Norte-Sul, projeto em que equipes da Folha da Manhã percorreram mais de 25 mil km, retratando a realidade do país do ponto de vista econômico e social. Ribeiro, Audálio Dantas e Vitor Antonio Gouveia eram alguns dos repórteres que partciparam da iniciativa.
Antenado com o que acontecia no exterior, o fotógrafo se aproximou da escola humanista praticada na Europa, liderada por gênios da fotorreportagem, como Henri Cartier-Bresson. “Ele logo enxergou que a câmera era capaz de fazer melhores reportagens do que o caderno”, diz Ribeiro.
A qualidade de sua produção chamou a atenção d’O Cruzeiro. Em 1956, interrompeu sua trajetória nas Folhas para um período na prestigiada revista carioca.
Era chamado pelos colegas de Piro 1 ou Piro Vellho. Seu irmão, Ângelo, que também trabalhava no jornal, era o Piro 2.
Seu faro noticioso era admirado na Redação. “O repórter que saía com o Piro 1 tinha de ser muito bom. Senão ele engolia e acabava fazendo a reportagem”, lembra Ribeiro.
A busca pelo furo de reportagem era uma obsessão de Pirozzelli, e o que mais marcou sua carreira foi o caso Luís Volante, em março de 1951.
Volante era um assassino de taxistas em São Paulo, procurado pela polícia havia mais de um ano. Junto com o repórter Hideo Onaga, seu grande parceiro, Pirozzelli encontrou o criminoso. A série de reportagens atraiu a opinião pública e acabou levando à destituição de parte do comando da polícia.
“Ele tinha aquelas qualidades essenciais do bom jornalista —dignidade profissional, amor à verdade e dedicação —que, como o samba, não se aprendem no colégio”, disse Onaga sobre o amigo em 1981.
Pirozelli era sempre guiado por um perfeccionismo técnico. “Falávamos pouco, ele estava sempre imerso na sua procura da grande foto. E tinha o dom de entender mais depressa do que os outros o que o editor queria”, afirmou Cláudio Abramo, que foi diretor de Redação da Folha nos anos 1970.
Fernando Santos, 84, companheiro de Pirozzelli no jornal por 15 anos, fala emocionado sobre o colega: “Mesmo chefe, ele nunca perdeu o instinto de repórter. Vibrava como um iniciante. Ao saber do incêndio do edifício Andraus, em 1972, ele saiu da Redação a pé, foi até lá e voltou com a foto da primeira página”.
Aposentado em 1968, Pirozelli não quis deixar a profissão. "Quero morrer trabalhando”, costumava dizer.
Apesar de mais de quatro décadas no jornal, não se negava a fazer nenhuma pauta, mesmo as mais simples. Foi assim em 2 de julho de 1981, há 40 anos, quando acompanhava Luiz Padovani, repórter da editoria Local (hoje parte de Cotidiano), na cobertura da contratação de funcionários para o serviço de creches municipais.
O fotógrafo, que sofria de problemas cardíacos, apoiou-se de repente em Padovani e disse baixinho: “Me segura que eu estou caindo”. Pirozzelli foi levado ao pronto-socorro, mas não resistiu. Mesmo sofrendo um infarto, bateu sete fotografias naquela pauta. “Nem a morte furou o Velho Piro”, disse Padovani
Antonio Pirozzelli (1915-1981)
Nascido em São Paulo (SP), começou nas Folhas em 1936 fazendo clichês (placas de metal destinadas a impressão de textos e imagens). Passou a fotografar até ser registrado em 1941 como repórter-fotográfico pelas mãos do então secretário de Redação, Hermínio Sacchetta. Em 1956, teve uma passagem pela revista O Cruzeiro e logo voltou para as Folhas. Foi também correspondente da Time. Fotografou todos os presidentes brasileiros de Washington Luís a João Batista Figueiredo e cobriu seis Copas do Mundo.
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