Descrição de chapéu Folha, 100 colunas eternas

'Estamos em plena onda de populismo', escreveu Antônio Ermírio de Moraes em 1991

Empresário, que morreu em 2014, foi colunista da Folha de 1991 a 2009

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O empresário Antônio Ermírio de Moraes (1928-2014) foi um dos três brasileiros a integrar a primeira edição da lista de bilionários da Forbes, em 1987. Ele se destacou como presidente do Grupo Votorantim, que atua nos setores industriais ligados à química, ao cimento e à siderurgia.

De 1991 a 2009, o engenheiro e empresário assinou uma coluna semanal na Folha, publicada aos domingos na prestigiada página A2. Três de seus textos são agora republicados como parte da série Colunas Eternas, que celebra os 100 anos da Folha recuperando artigos de nomes que fizeram história no jornal.

homem branco veste terno bege e gravata marrom; ele está sentado e sorri para foto
O empresário paulistano Antônio Ermírio de Moraes em seu escritório em 1998 - Paulo Giandalia - 13.mar.1998/Folhapress

O primeiro deles, "Rondando a UTI", analisa as políticas econômicas do governo Collor e comenta a intransigência das liderenças nacionais em diversos setores.

Os textos seguintes, "Educação Já" e "Reserva de Competência", discutem a importância de uma coalização nacional em prol da educação para que se atinja o verdadeiro desenvolvimento econômico. Leia-os abaixo na íntegra.

Rondando a UTI

22 de setembro de 1991

A imprensa brasileira está repleta de comentários sobre o tal entendimento nacional. Por isso, evitei escrever sobre o assunto até aqui. Mas, agora, já não resisto ao ímpeto de desabafar.

É desnecessário falar sobre a gravidade da crise. O presidente da República não gosta de catastrofismo —nem eu— mas a dramaticidade do quadro apresentado aos membros do Conselho da República parece ter ido bem além do imaginável.

Uma das maneiras de analisar a crise, aliás pouco utilizada, é considerar não apenas o que perdemos e estamos perdendo, mas, sobretudo, o que poderíamos ter ganho se o país tivesse trilhado o caminho do desenvolvimento.

Essa, segundo as notícias, foi a ótica adotada na referida reunião. Os números são estarrecedores. Se tivéssemos crescido à base de 6% ao ano, ao longo da década de 1980, o Brasil teria hoje um PIB de mais de US$ 1 trilhão e uma renda per capita de quase US$ 7.000. No ano passado, nosso PIB foi de US$ 370 bilhões, com uma mísera renda per capita de US$ 2,3 mil.

Por aí se vê o tamanho do buraco em que nos metemos. O país andou para trás no últimos 12 anos e hoje ainda, infelizmente, está parado. Não se investe. Não se produz o suficiente. O desânimo dos jovens tem fundamento: eles não encontram emprego. Muitos querem abandonar o Brasil.

Desculpe-me o leitor pela obviedade: para sair desse buraco, muita gente terá de fazer sacrifícios. Quantas vezes já se falou nisso. Mas nunca a nação assistiu a um festival de má vontade tão grande quanto o encenado nos últimos dias.

Ninguém quer ceder nada, com raríssimas exceções. Governadores e prefeitos não concordam em diminuir suas receitas para saldar suas dívidas. Dirigentes das corporações sindicais das empresas estatais não se conformam em perder sua posição privilegiada em relação ao setor privado. Empresários não aceitam conter preços.

Políticos não aceitam colaborar sem derivar dividendos para as campanhas eleitorais. O governo não resiste à sua gula de abocanhar mais impostos. Parlamentares não concordam em tocar nas chamadas "conquistas sociais" —a aposentadoria por tempo de serviço, a estabilidade, a universidade gratuita, a dívida para com o Sistema Financeiro de Habitação, a quebra do monopólio do petróleo, a venda de ações de estatais para credores externos etc.

Estamos em plena onda de populismo. Com 30 anos de atraso. As mais expressivas lideranças, com raras exceções, se negam a defender soluções que firam sua popularidade. É um país de candidatos. Este Brasil precisa de menos discurso e mais ação efetiva —mesmo quando tem de contrariar os interesses de alguns em benefício da maioria. Este país jamais sairá de uma crise desse tamanho se não contar com o sacrifício de cada cidadão.

A intransigência, associada à busca incessante da popularidade, existiu também nas sociedades que saíram da crise através de entendimento. Mas isso se prolongou até a agonia final. Chegada a hora de perda total (hiperinflação ou convulsão social), os protagonistas sentiram saudades da prática do diálogo e sonharam em poder sentar à mesa para ceder alguns anéis. Era tarde demais. Os anéis já tinham ido. O entendimento foi para evitar que as perdas se aprofundassem.

Com mais 30 ou 60 dias de intransigência aguda, o Brasil também terá saudades da hora da negociação. É triste concluir que as pessoas só jogam a toalha depois de ir a nocaute. Antes mesmo disso acontecer, no caso da crise econômica, social e moral como a nossa, seria bem melhor que encontrássemos uma solução pacífica e conciliatória.

Antônio Ermírio de Moraes com o ator Marcos Caruso em ensaio da peça "SOS Brasil", escrita pelo empresário; espetáculo estreou em agosto de 1999 - Folhapress

Educação Já

23 de junho de 1991

Em um estudo recente sobre a queda da produtividade nos Estados Unidos em relação à Alemanha, ao Japão e aos Tigres Asiáticos, uma comissão técnica do MIT [Massachusetts Institute of Technology] ficou aterrorizada ao verificar que só 50% dos americanos continuam estudando matemática e ciências depois de dez anos de escola.

Espantaram-se também com o fato de apenas 75% dos egressos do curso colegial estarem adequadamente preparados para fazer um curso de engenharia! Decepcionaram-se igualmente ao saber que menos de 40% dos americanos conseguem localizar no mapa-múndi, na primeira tentativa, o Vietnã!

Que inveja! Quantos de nós localizam a lagoa dos Patos na primeira tentativa? Quantos estudam matemática e ciências depois de dez anos de escola?

O que é problema lá ainda é um ideal longínquo aqui. No Brasil, as pessoas com mais de 50 anos têm, em média, menos de um ano de escola. Os jovens de 10 a 14 anos têm apenas 2,6 anos. Dos que compõem a força de trabalho, 55% não têm mais do que quatro anos de estudo.

A educação conta. A Inglaterra, com 58 milhões de pessoas, por exemplo, produz US$ 800 bilhões por ano. A Alemanha (ex-Ocidental), com 60 milhões de pessoas, tem um PIB de mais de US$ 1,2 trilhão! Nós, com 150 milhões, não chegamos a US$ 400 bilhões —em queda nos últimos anos.

O Japão, com quase a mesma população (130 milhões) e com muito menos recursos naturais, produz quase US$ 3 trilhões de dólares! Os Estados Unidos, com 250 milhões de pessoas, produzem quase US$ 5 trilhões. Só me resta repetir: educação já.

Por mais demorado que seja, educar, no Brasil, é questão de sobrevivência. A China queimou os livros na Revolução Cultural. Nós estamos queimando os cérebros na juventude ao deixá-la no abandono. O brasileiro precisa de muito mais educação. O grupo de 10 a 30 anos e as crianças em idade escolar, sem dúvida, constituem o grupo prioritário. Ao todo, ele soma mais de 85 milhões de pessoas.

Trata-se de uma tarefa gigantesca. Precisamos encontrar uma fórmula para encurtar o caminho. Temos de usar intensamente os métodos modernos. Mas, além da televisão e outros recursos audiovisuais, teremos de mobilizar os que sabem para ensinar os que não sabem. Cerca de 10 milhões de brasileiros têm mais de nove anos de estudo. Esse grupo terá de participar de uma urgente cruzada educacional.

Sei bem que a tarefa de educação é complexa e exige profissionalização. Mas para queimar etapas será inevitável a mobilização de todos. Empresários, profissionais liberais, jornalistas, universitários, donas de casa mais instruídas, enfim, todos terão de ser transformados em professores-militantes neste país iletrado.

Professores competentes, certamente, o Brasil os possui; haja vista o que existe nos cursinhos universitários, cujos programas, via de regra, são considerados de bom nível em qualquer parte do mundo.

Com auxílio intenso da televisão, do rádio e de outros meios, e contando ainda com a dedicação de uma boa parte desses 10 milhões de brasileiros que possuem um bom estudo, poderíamos, talvez, em 10 ou 15 anos mudar o perfil educacional do povo brasileiro.

Esse programa educacional vai requerer trabalho por parte dos mais instruídos inclusive, sacrificando um pouco de suas horas de lazer.

Certamente a sociedade brasileira irá agradecer pois, historicamente, os povos que estão hoje no Primeiro Mundo só lá chegaram através da cultura e educação.

Trabalhar muito, educar ainda muito mais e proibir menos são as metas principais da cruzada educacional, que deve e precisa ser lançada com urgência

Antônio Ermírio de Moraes

em coluna da Folha publicada em 30 de junho de 1991

Reserva de Competência

30 de junho de 1991

Dando prosseguimento ao artigo da última semana, "Educação Já", mais uma vez ressaltamos a absoluta necessidade de que todas as pessoas responsáveis desta nação iniciem o mais rapidamente possível aquilo que chamaria de uma grande cuzada nacional pela educação.

A continuar nesse desencontro e desinteresse administrativo em relação à educação, pensar em incluir o Brasil como país de primeiro mundo é relembrar Thomas Morus, o autor da "Utopia", no ano de 1516. Este escritor de rara inteligência, apesar de sua grande habilidade (foi canonizado pela Igreja Católica e homenageado na Rússia, que lhe dedicou uma estátua) acabou por morrer decapitado, por exatamente apenas projetar aquilo que lhe parecia ideal, sem executar coisa alguma.

Trabalhar muito, educar ainda muito mais e proibir menos são as metas principais da cruzada educacional, que deve e precisa ser lançada com urgência por aqueles brasileiros que desejam o verdadeiro progresso da nação.

Só os países que investem em educação conseguem chegar ao Primeiro Mundo. Rui Barbosa, em seus famosos pareceres apresentados na Câmara durante o Império, em 1882, dizia de maneira clara e insofismável a importância do ensino e da educação para o desenvolvimento e prosperidade da nação brasileira. É a melhor maneira de abandonarmos a miséria.

Na última semana, mais uma vez o governador de nosso estado definiu a educação como sendo a primeira prioridade de seu governo.

Antônio Ermírio de Moraes e sua mulher, Maria Regina Costa de Moraes, em 1958 - Folhapress

Por que não começarmos esta cruzada através do canal de televisão do próprio governo, ministrando aulas de primeiro e segundo ciclos, cursos profissionalizantes, assuntos culturais que realmente venham desenvolver o atual estado letárgico em que se encontra o jovem brasileiro?

O governo deve e precisa contar com o apoio imprescindível da classe empresarial, patrocinando programas com finalidade estritamente cultural. Todos os esforços dedicados à construção de mais salas de aula, contratação de mais professores, transporte e, principalmente, segurança adequada nos centros de ensino não são suficientes para educar a grande massa de jovens que estariam a procura de ensinamentos.

Creio que a sociedade responderia de maneira positiva. Quem não gostaria de ver um perfil muito mais competente para o povo brasileiro?

Poderia a Secretaria de Educação organizar esses cursos, cuja principal finalidade, além de ensinar, seria aquela de transmitir ao jovem um novo senso de responsabilidade, sem a presença de professores e inspetores, numa prova eloquente de confiança na decência do jovem.

A oportunidade seria extremamente importante para formar desde cedo uma consciência responsável de correção e honestidade, modificando completamente o caráter permanente da ineficiente fiscalização.

É extremamente triste e até mesmo humilhante constatarmos o que acontece em nosso país com os jovens entre 13 e 17 anos, que nesta faixa etária deveriam estar cursando o segundo ciclo.

Pois bem, o Brasil em percentual de jovens que frequentam o segundo ciclo se equipara à Índia e perde de longe para Coreia do Sul, Egito, Filipinas e Turquia. Apenas aproximadamente 3 milhões de jovens cursam o segundo ciclo em nosso país.

Não fora a ação da iniciativa privada por meio, por exemplo, de Senai, Sesi e Sesc, auxiliando-nos em cursos profissionalizantes, a situação brasileira seria ainda mais lamentável.

Ou se educa ou vamos direto para o Terceiro Mundo. País com reserva de competência é país respeitado, tranquilo, onde se valoriza muito mais a cultura, a inteligência e a integridade de seu povo, acima das matérias-primas ou até mesmo da chamada reserva de mercado.

Este é o país que gostaríamos de ter!

Seria utopia? Creio que não!

Vale a pena tentar!

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