Mario Mazzei ajudou a modernizar reportagem da Folha e liderou campanhas nos anos 1950

Repórter foi o primeiro profissional da Folha a vencer Prêmio Esso de Jornalismo, em 1960

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Quando lhe contaram que novas tecnologias prometiam fazer a produção de café renascer no interior de São Paulo, após um longo período de estagnação, o jornalista Mario Mazzei Guimarães decidiu ir até a região de Campinas visitar os cafezais para ver de perto o que estava acontecendo.

No início dos anos 1950, quando um repórter encarregado de investigar as transformações na indústria paulista lhe disse que iria buscar informações nas associações do setor, Mazzei sugeriu que desprezasse as entidades, descobrisse quem eram os empresários que estavam investindo e os entrevistasse.

Em 1959, quando quis avaliar os resultados de políticas adotadas pelo governo federal para desenvolver o vale do rio São Francisco, Mazzei percorreu milhares de quilômetros, indo da nascente à foz do rio, para verificar o progresso das obras e conversar com as pessoas que viviam na região afetada.

Numa época em que muitos jornalistas que cobriam assuntos econômicos se limitavam a reproduzir informes oficiais anódinos que recebiam, o novo método era quase uma revolução. "Lutamos para que os repórteres fizessem as reportagens, fossem às fontes diretamente", disse Mazzei anos depois.

Um homem alto e sorridente, de cabelos e bigodes pretos, terno claro, gravata escura e óculos, cumprimenta outro homem com a mão direita ao lhe entregar um envelope com a outra. O segundo homem é mais jovem, também sorridente, de cabelos e bigode pretos, usa terno mais escuro e óculos. Ao fundo, sentados numa mesa da cerimônia, outros homens observam a cena.
O jornalista Mario Mazzei Guimarães, que chefiou a Redação da antiga Folha da Manhã, ao entregar um prêmio ao repórter Constantino Ianni em 1958. - Folhapress

Ele trabalhou na Folha num período de grandes transformações, iniciado após a aquisição da empresa por um grupo liderado pelo advogado José Nabantino Ramos, administrador metódico que introduziu sistemas de gestão modernos no jornal e normas de conduta rígidas para os jornalistas.

Mazzei começou a trabalhar na antiga Folha da Manhã em 1946, pouco depois da chegada do grupo de Nabantino. Ele chefiou a Redação do jornal por quase seis anos, tornando-se um dos principais encarregados de executar o projeto de modernização da segunda metade dos anos 1950.

Nascido em Bebedouro e criado numa fazenda em Pitangueiras, ele se formou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, hoje parte da Universidade de São Paulo, e participou de combates na Revolução de 1932, a frustrada insurreição dos paulistas contra o governo Getúlio Vargas.

A série de reportagens que resultou de suas viagens pelo vale do rio São Francisco, publicada em 16 capítulos em 1959, recebeu no ano seguinte o Prêmio Esso de Jornalismo. Foi a primeira vez que um repórter da Folha ganhou o prêmio, o mais prestigioso da profissão até ser extinto, em 2016.

Patrocinado por uma empresa de capital americano, o prêmio oferecia um pagamento equivalente a R$ 9 mil hoje e uma viagem a Nova York, mas Mazzei não quis as passagens. "Ele achava que os Estados Unidos prejudicavam o Brasil e por isso não podia aceitar", diz sua filha, Ana Maria Guimarães Ferraretto.

Escrita como se fosse uma mistura de ensaio com relatório técnico, a série de reportagens se concentrou na análise detalhada de aspectos econômicos da região e das políticas do governo federal, diferenciando-se do tipo de trabalho que os repórteres da época costumavam fazer ao visitar o Nordeste.

O período em que Mazzei esteve à frente da Redação foi marcado também por campanhas de interesse público organizadas pela Folha. Elas tinham como objetivo chamar a atenção das autoridades para problemas que eram pouco discutidos pelos jornais e assim aumentar o alcance da Folha.

Algumas tiveram êxito, como a que defendeu o uso de cédula única oficial na eleição presidencial de 1955, a primeira a adotar o padrão. Outras não tiveram resultado, mas colocaram em evidência problemas que raramente apareciam no noticiário, como a poluição e outras questões ambientais.

O próprio Mazzei se envolveu por anos com uma dessas campanhas, que tentou deter o avanço de grileiros e produtores rurais em áreas do Pontal do Paranapanema que eram protegidas como reservas florestais. Apesar do esforço, a Assembleia Legislativa de São Paulo reduziu a proteção da região.

"Ninguém mais falava nisso na época", afirma o jornalista José Hamilton Ribeiro, que começou a trabalhar como repórter na Folha nesse período e mais tarde também se dedicou à cobertura do setor agropecuário. "Eram assuntos que só chamariam a atenção da grande imprensa muito tempo depois."

Mazzei acabou se desentendendo com Nabantino por causa da iniciativa e deixou a chefia da Redação, passando a se dedicar exclusivamente à reportagem. O dono do jornal achava que a campanha tinha se prolongado muito sem alcançar seu objetivo, e os leitores pareciam fartos do assunto.

Mazzei se orgulhava de nunca ter demitido ninguém no período em que chefiou a Redação, e dizia preferir acomodar em novas funções os profissionais que desagradassem à direção do que mandá-los embora. Dono de um sítio no interior, produzia limões e presenteava os amigos com caixas da fruta.

Ele manteve por muitos anos uma coluna de opinião também, que assinava com o pseudônimo Pedro Leite, para evitar que as opiniões expressas prejudicassem o exercício de sua função como chefe da Redação. A coluna tratava de temas políticos e econômicos e se chamava "O Sal de Cada Dia".

Na greve de jornalistas que atingiu a Folha e outras empresas do setor em 1961, ele participou de manifestações nas ruas e negociações para evitar confrontos com a polícia. Deixou a Folha poucos meses depois, em 1962, assim que Nabantino vendeu o jornal para Octavio Frias de Oliveira e seus sócios.

Mario Mazzei Guimarães (1914-2012)

Nascido em Bebedouro (SP), formou-se em direito e começou a trabalhar na antiga Folha da Manhã em 1946. Foi repórter, editor e chefe da Redação, função que exerceu de 1953 a 1958. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo em 1960 com uma série de reportagens sobre o vale do rio São Francisco. Em 1966, fundou o Correio Agropecuário, que dirigiu por 16 anos e vendeu para o grupo DBO. Publicou "Memória da roça: gente que fez história" (Agronômica Ceres, 2003). Morreu em 2012, de complicações decorrentes da doença de Alzheimer.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.