Alberto Dines foi pioneiro da crítica de imprensa

Jornalista criou nos anos 1970 coluna na Folha para discutir o papel da mídia

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São Paulo

Em 6 de julho de 1975, começava assim a primeira coluna “Jornal dos Jornais”, assinada por Alberto Dines na Folha.

“O direito à informação não funciona apenas num sentido, mas tem múltiplas direções: serve aos veículos para informar ao público e serve ao público para se informar sobre os veículos”.

O jornalista Alberto Dines, morto em 2018 aos 86 anos - Folhapress

Era um experimento ousado, pelo pioneirismo de fazer uma discussão da imprensa pela imprensa e pela ideia de levá-lo adiante no ambiente pesado da ditadura.

A coluna marcou a primeira passagem de Dines, morto em 2018 aos 86 anos, pela Folha. Hoje, é amplamente considerada o embrião do que viria a ser a função de ombudsman, implementada pelo jornal em 1989.

“De fato ele é o precursor, eu rendo essa homenagem. Ele foi muito colaborativo comigo, me ajudava, dava conselhos”, afirma Caio Túlio Costa, primeiro a exercer esse cargo na Folha.

“Quando eu assumi como ombudsman, o Dines me mandou uma cartinha desejando sucesso. Sugeriu que eu não tivesse nem ira sagrada, nem entrasse numa missão salvacionista, porque isso tinha lhe custado mais do que uma dúzia de ferrenhos inimigos, sem que tivesse sido quebrado o bezerro de ouro”, acrescenta.

Dines chegou à Folha convidado pelo então diretor de Redação, Claudio Abramo, após uma passagem marcante pelo Jornal do Brasil. Virou chefe da sucursal do Rio e teve a ideia de fazer a coluna sobre mídia em razão de sua experiência como professor visitante em Columbia (EUA).

“Lá ele viu como a crítica à imprensa havia surgido no episódio Watergate. Conversando com o Frias [Octavio Frias de Oliveira, publisher do jornal], deu a ideia de fazer o mesmo na Folha. O Frias perguntou se ele tinha certeza, porque ele ia ser muito atacado, o pessoal era muito vingativo. Mas o Dines não se importou”, diz Luiz Egypto, que foi editor do site Observatório da Imprensa, criado por Dines na década de 90 com a mesma função, de debater a mídia.

A coluna sobre mídia foi encerrada em 1977, num momento em que crescia a tensão entre o jornal e a ditadura militar. Dines passou a assinar artigos sobre política com as iniciais, “A. D.”.

Em 1980, ele enviou uma coluna com o título “São Paulo e os dois Paulos”, em referência ao cardeal Paulo Evaristo Arns e ao então governador paulista, Paulo Maluf. O texto, com críticas a Maluf, não foi publicado, o que levou Dines a reclamar de censura.

Editor-chefe à época, Boris Casoy tem outra versão. “O texto era muito forte, com impropérios pessoais contra o Maluf. Levei ao Frias, que propôs tirar o texto da página 3, onde era publicado, e levar para uma página interna, e com ele assinando o nome, não as iniciais. Ele não aceitou. Dizia que foi censurado, mas foi demitido por não respeitar uma decisão do jornal”, diz.

Dines retornaria à Folha nos anos 1990, onde manteve uma coluna na Ilustrada.

“Ele era um dos jornalistas mais cultos do Brasil, um repositório fantástico de leituras, alguém com interesses muito diversos”, diz Caio Túlio, que se tornou seu amigo.

Egypto concorda. “O Dines era um erudito sem polaina, sem a menor empáfia. E sempre teve muitos projetos em mente. Trabalhava como um garoto de 30 anos. Para ele, domingo era dia normal. Era mestre em sair do escritório às 3 horas da manhã”.

A segunda passagem também terminou em atrito. Sua coluna foi encerrada após ele ter escrito um texto no Observatório da Imprensa, em março de 1999, com críticas à Folha.

Nos anos seguintes, o jornalista e o jornal se reconciliariam, e o então diretor de Redação, Otavio Frias Filho, chegou a ir ao programa que ele apresentou na TV Brasil até pouco antes de morrer.

Lá, Dines mantinha acesa a missão a que se propôs naquela coluna pioneira na Folha, quando justificou numa frase a necessidade de a imprensa também passar por escrutínio: “democracia vale para todos, caso contrário não é democracia”.

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Raio-x

Alberto Dines (1932-2018)

Nascimento: Rio de Janeiro

Carreira profissional: trabalhou em veículos como Manchete, Última Hora, Diário da Noite, Jornal do Brasil, Folha, O Pasquim, Exame, TVE e TV Brasil

Carreira acadêmica: professor-visitante na Universidade Columbia (EUA) e criador do Labjor, da Unicamp

Livros: "Morte no Paraíso - A Tragédia de Stefan Zweig", "O Papel do Jornal", entre outros

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