É proibido proibir o envelhecimento

Busca fútil e inatingível pela juventude eterna traz angústia e sofrimento

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Milton Crenitte

Geriatra, coordenador do ambulatório de sexualidade da pessoa idosa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Egídio Dorea

Nefrologista, coordenador da Universidade Aberta à Terceira Idade da USP

Caetano Veloso, entre outros, fez uma geração inteira refletir sobre regras, dogmas, imposições e liberdades. Ao mesmo tempo que essa geração envelhece, ainda é questionável se as pessoas têm de fato a liberdade de envelhecer ou mesmo de parecerem velhas.

caetano veloso posa para foto
O cantor e compositor Caetano Veloso, que completa 80 anos em agosto de 2022 - Aline Fonseca - 11.nov.2010/Divulgação

Somos um dos países campeões em gastos com o mercado cosmético antienvelhecimento, que, em 2019, movimentou US$ 29,6 bilhões (R$153 bilhões), segundo dados da Euromonitor, atrás apenas dos EUA, China e Japão.

Há muitos fatores responsáveis por esse cenário, mas o principal deles não é citado pelas pesquisas: o medo de envelhecer. Apesar de todo esse investimento nessa busca inglória, uma reflexão que fica é se as pessoas estão se tornando mais felizes ou se tudo isso não está trazendo, sobretudo, angústias e sofrimentos.

Será que as marcas dos anos vividos devem ser apagadas ou preenchidas com alguma substância? Nós achamos que não! Não há nada de errado em envelhecer.

Não é, no entanto, o que se observa. As sociedades têm sido reconhecidas ao longo dos séculos pela valorização da juventude. Hoje, mais que nunca.

A disseminação de imagens nas mídias de corpos perfeitos, sem rugas e cabelos brancos, independentemente da sua idade cronológica, alimentam essa busca fútil e inatingível de parecer para sempre jovem. Não se trata de uma proibição da estética, e sim uma reflexão contra a tirania da juventude eterna. E, também, sobre a celebração do envelhecimento e a aceitação de todas as idades.

Esse debate também é marcado por questões de raça e gênero. As mulheres são as maiores vítimas do preconceito pela idade, o idadismo. Ao envelhecerem, elas deixam de ser percebidas como atraentes sexualmente e passam ao ostracismo e à desonra reservada às “bruxas”.

Sem falar nas intersecções relacionadas à cor da pele. Como disse em seu discurso "Aprendendo com os Anos 1960", a ativista, escritora e poeta norte-americana Audre Lorde: “Não temos lutas de um só tema porque não vivemos vidas monotemáticas.”

Em oposição ao que os rótulos antienvelhecimento querem vender, o envelhecimento ativo e saudável preconiza orientações e medidas de promoção da saúde, como atividade física, alimentação saudável, proteção à saúde mental, higiene do sono, moderação do consumo de álcool (ser tiver que beber) e nada de tabagismo.

No que está ligado à pele, muita exposição ao sol traz mesmo rugas e causa câncer. Portanto, nada de ficar sem protetor solar.

É claro que, em um país tão desigual, o envelhecimento não se mede pelo número de anos vividos. Envelhece-se precocemente e mal. As mazelas reveladas tão vivamente pela pandemia condenam a "serem velhos" milhões a quem são negadas as mínimas condições de chegar bem aos 50, que dirá aos 60 ou 70 anos, se é que lá chegarão.

Que bom se pudéssemos sentir a liberdade e o privilégio de estarmos vivos, envelhecendo. Caetano está hoje beirando os 80 anos. Não seria fantástico aprender a dizer também não ao não, e dizer em alta voz: É proibido proibir o envelhecimento!

SEÇÃO DISCUTE QUESTÕES DA LONGEVIDADE

A seção Como Chegar Bem aos 100 é dedicada à longevidade e integra os projetos ligados ao centenário da Folha, celebrado neste ano de 2021. A curadoria da série é do médico gerontólogo Alexandre Kalache, ex-diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da OMS (Organização Mundial da Saúde).

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