Crítico do regime soviético, correspondente era uma máquina de escrever

Depois da militância comunista na juventude, Osvaldo Peralva se dedicou ao jornalismo e escreveu mais de 1.600 textos na Folha

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São Paulo

Em 1942, com 24 anos, sob a ditadura de Getúlio Vargas, o baiano Osvaldo de Ribeiro Peralva filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro.

Sua militância se tornou mais acirrada daí em diante e, 11 anos depois, ele se mudou para Moscou para ocupar o cargo de representante brasileiro no Kominform, escritório que coordenava a ação dos Partidos Comunistas e Operários mundo afora.

Contudo, em 1956, depois de ter vivido na Romênia, com sua primeira mulher e a filha do casal, Peralva percebeu que havia caído “nas malhas de uma organização totalitária”, como descreve em “O Retrato” (2015), livro no qual relatou sua desilusão com o partido.

ilustração de homem de óculos e cabelos grisalhos escrevendo em máquina de escrever antiga
O jornalista Osvaldo Peralva em charge de Cláudio Oliveira - Cláudio

“Meu pai rompeu com o partido por conta do relatório Kruschev [apresentado em 1956 por Nikita Kruschev, então secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, e que revelou crimes cometidos durante o governo Stalin]”, disse a socióloga Angelina Peralva, 71.

De volta ao Brasil, ele fez traduções e trabalhou nos jornais Última Hora e Correio da Manhã, ambos no Rio, quando foi preso pela ditadura militar em duas ocasiões, em 1968 e em 1969. “Ele dividiu cela com Ziraldo, Zuenir Ventura, Gerardo Melo Mourão e Hélio Pellegrino”, lembra Angelina.

Em 1972, Peralva foi para a Alemanha e, no ano seguinte, para Tóquio. “Ele dizia que queria viver a aventura asiática”, conta a filha. Depois de se separar da primeira esposa, mãe de Angelina, ele se casou com a aeromoça japonesa Yuko Kaji, com quem teve uma filha, Maria, que vive em Tóquio.

Peralva ingressou na Folha em 1976, como correspondente no Japão, e retornou ao Brasil em 1982 para fazer parte do conselho editorial do jornal, entre outras funções. Ao longo desse período, escreveu mais de 1.600 textos abordando assuntos diversos, como política, economia, tecnologia, música e esportes.

“O Escândalo da Lockheed”, sobre subornos feitos pela empresa aeroespacial americana, foi sua primeira reportagem no jornal. Publicado no caderno Exterior (atualmente Mundo), o texto de Peralva aparecia na mesma página dos assinados por Paulo Francis, de Nova York, e João Batista Natali, de Paris.

“Ele foi correspondente antes de ser o que, atualmente, é o editor de Opinião. Peralva tinha uma capacidade de pensamento e aglutinação imensa. Foi uma das pessoas mais honestas intelectualmente que você pode imaginar —não por ter sido comunista ou ter deixado de ser, isso é um detalhe”, diz Natali, que se recorda de Peralva como um poliglota. Dominava os idiomas russo, inglês, francês e alemão.

Segundo Natali, o jornalista antecedeu, em alguns aspectos, a função de ombudsman do jornal. “Nas reuniões de pauta das 11h, ele fazia a crítica do jornal, contestando erros de contextualização histórica e apontando falhas de concordância. Mas fazia isso de maneira extremamente cordata. Era para o jornal uma grife de densidade ética, política e democrática.”

retrato em preto e branco de homem sentado em uma mesa escrevendo em um papel
O jornalista e escritor Osvaldo Peralva nos anos 1960 em sua sala de trabalho no Correio da Manhã, diário que dirigiu entre 1963 e 1969 - Jorge Gafner/Arquivo pessoal


O cartunista e jornalista Cláudio de Oliveira, do jornal Agora, conheceu Peralva em Praga, na Tchecoslováquia, em 1991. Nessa época, Peralva colaborava com a Folha. “Eu era militante do PCB, e ele já havia se desligado do partido, fazendo uma revisão crítica do modelo soviético. Por isso, era acusado por seus ex-companheiros de ‘liquidacionista’”, lembra Oliveira.

“Nos anos 1980, curiosamente, o partido acabou dando razão a ele, considerando-o importante para a renovação de uma parte da esquerda brasileira.”

Sobre os escritos de Peralva, Oliveira comenta: “Tinha uma capacidade única de análise, estritamente objetiva. Deixava a ideologia de lado para focar sempre no fato.”

Entretanto, segundo o cartunista, em meio a tantos atributos, Peralva deixava a filha impaciente vez ou outra. “Quando falava japonês perto da Maria, a filha que ele dizia ser ‘nipo-baiana’, ela tapava os ouvidos, pedindo para ele ficar em silêncio.”

Peralva deixou a Folha em 1987 para ocupar o cargo de secretário de Cultura do Distrito Federal. Depois, foi incumbido dirigir o Instituto Nacional do Livro.

No início dos anos 1990, desiludido com o governo Collor, decidiu voltar para a Europa para passar uma temporada em Praga. Retornou em 1992 ao Rio, onde morreu em decorrência de um câncer.

OSVALDO DE RIBEIRO PERALVA (1918-1992)

O jornalista e escritor Osvaldo Peralva nasceu em Saúde, cidade da Bahia. Foi militante do Partido Comunista. Trabalhou em jornais como Última Hora, Correio da Manhã e Folha. É autor, entre outros livros, de “O Retrato” (Três Estrelas, 2015); “Pequena História do Mundo Comunista” (Editora do Autor, 1964); e “O Espião de Colônia (Paz e Terra,1985).

Erramos: o texto foi alterado

O nome completo do jornalista é Osvaldo de Ribeiro Peralva, e não Oswaldo Pereira Peralva, como foi grafado no último parágrafo da versão anterior deste texto.  

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