O ato de cuidar faz parte do nosso cotidiano, desde os primórdios da humanidade, trazido pelos significados de atenção, precaução, cautela, dedicação, carinho, bem como de responsabilidade. Saber conhecer o outro, suas limitações (e, em especial, quando falamos dos idosos) significa respeitar o seu passado.
A palavra “cuidado” deriva do latim cura. O entendimento de que o ser humano é essencialmente cuidado e que cuidar é central para as pessoas e suas vidas nos remete à Roma antiga, pela fábula greco-latina de Higino, que conta:
“Certo dia, ao atravessar um rio, Cuidado viu um pedaço de barro e deu-lhe forma. Ao contemplar o que havia feito, apareceu Júpiter. Cuidado pediu-lhe que soprasse espírito à sua escultura. Quando Cuidado quis dar um nome à criatura que havia moldado, Júpiter o proibiu exigindo que desse seu nome.
Enquanto discutiam, surgiu a Terra que também quis dar seu nome à criatura, pois fora feita de barro, material de seu corpo. Então, surgiu a discussão. De comum acordo, pediram a arbitragem de Saturno, que tomou a seguinte decisão: você, Júpiter, deu-lhe o espírito e o receberá de volta à morte da criatura. Você, Terra, deu-lhe o corpo, o receberá de volta após sua morte.
Mas como você, Cuidado, foi quem a moldou, a criatura ficará sob seus cuidados enquanto viver. A ela darei o nome de Homem, isto é, feita de húmus, terra fértil.”
A fábula reitera a premissa da necessidade do cuidado ao homem, com respeito a sua origem com dignidade.
Dados de 2017 mostram um aumento de 547% na profissão de cuidar de idosos em 10 anos. Uma das grandes causas é o envelhecimento populacional. É de grande relevância entender que o cuidado não deve ser somente um sentimento de dever, mas uma resposta de empatia. Porém, há muito o que se fazer para que haja realmente valorização e compreensão da profissão de cuidadores de idosos.
Um estudo, realizado pela Veja Saúde e o Instituto Lado a Lado pela Vida (LAL), entrevistou 2.047 cuidadores familiares (CF) e 487 cuidadores profissionais (CP) Brasil afora.
As conclusões nos provocam preocupação: 73% dos cuidadores familiares e 48% dos cuidadores profissionais relatam sofrer com estresse. Um cuidador a cada cinco sofre de insônia e 56% relatam ser um dos maiores desafios que a pessoa cuidada confie neles.
Além disso, 47% dizem mudar totalmente sua rotina em função do trabalho e 40% creem que a ocupação é totalmente desvalorizada no Brasil, nos alertando para a necessidade de conscientizar mais a sociedade sobre o papel e a responsabilidade de quem cuida.
Seis em cada dez cuidadores familiares do estudo têm mais de 50 anos, e 27% mais de 60 anos. A curto prazo nos depararemos com uma geração de idosos cuidando de idosos, o que impactará no cuidado deles no que tange à saúde e ao lazer. O foco na demanda de acolhimento do cuidador e paciente será cada dia maior.
Assim como na fábula, é preciso discutir a gerência deste cuidado com olhar amplo sobre os envolvidos. Urge políticas públicas dirigidas a esta problemática e a avaliação célere destes desafios. O cuidado exercido com profissionalismo e seriedade, com respeito e protagonismo dos envolvidos trará maior sucesso na saúde e melhor qualidade de vida em um cenário heterogêneo e em rápida expansão.
SEÇÃO DISCUTE QUESTÕES DA LONGEVIDADE
A seção Como Chegar Bem aos 100 é dedicada à longevidade e integra os projetos ligados ao centenário da Folha, celebrado neste ano de 2021. A curadoria da série é do médico gerontólogo Alexandre Kalache, ex-diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da OMS (Organização Mundial da Saúde).
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