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Folha, 100 Como chegar bem aos 100

Brasil não valoriza cuidadores de idosos

Profissionais relatam sofrer com estresse, insônia e falta de conscientização sobre responsabilidade de quem cuida

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Maisa Kairalla

Médica geriatra, coordenadora da Comissão Especial Covid-19 da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e presidente da Comissão de Imunização da SBGG.

O ato de cuidar faz parte do nosso cotidiano, desde os primórdios da humanidade, trazido pelos significados de atenção, precaução, cautela, dedicação, carinho, bem como de responsabilidade. Saber conhecer o outro, suas limitações (e, em especial, quando falamos dos idosos) significa respeitar o seu passado.​

uma mão jovem, de pele clara, segura uma mão de mulher idosa
Tábata Contri passeia de mãos dadas com sua mãe, Eliane Ribeiro Santos, no Espaço Vida, casa de convivência para idosos em São Paulo (SP) - Eduardo Knapp - 10.mai.2018/Folhapress

A palavra “cuidado” deriva do latim cura. O entendimento de que o ser humano é essencialmente cuidado e que cuidar é central para as pessoas e suas vidas nos remete à Roma antiga, pela fábula greco-latina de Higino, que conta:

“Certo dia, ao atravessar um rio, Cuidado viu um pedaço de barro e deu-lhe forma. Ao contemplar o que havia feito, apareceu Júpiter. Cuidado pediu-lhe que soprasse espírito à sua escultura. Quando Cuidado quis dar um nome à criatura que havia moldado, Júpiter o proibiu exigindo que desse seu nome.

Enquanto discutiam, surgiu a Terra que também quis dar seu nome à criatura, pois fora feita de barro, material de seu corpo. Então, surgiu a discussão. De comum acordo, pediram a arbitragem de Saturno, que tomou a seguinte decisão: você, Júpiter, deu-lhe o espírito e o receberá de volta à morte da criatura. Você, Terra, deu-lhe o corpo, o receberá de volta após sua morte.

Mas como você, Cuidado, foi quem a moldou, a criatura ficará sob seus cuidados enquanto viver. A ela darei o nome de Homem, isto é, feita de húmus, terra fértil.”

A fábula reitera a premissa da necessidade do cuidado ao homem, com respeito a sua origem com dignidade.

Dados de 2017 mostram um aumento de 547% na profissão de cuidar de idosos em 10 anos. Uma das grandes causas é o envelhecimento populacional. É de grande relevância entender que o cuidado não deve ser somente um sentimento de dever, mas uma resposta de empatia. Porém, há muito o que se fazer para que haja realmente valorização e compreensão da profissão de cuidadores de idosos.

Um estudo, realizado pela Veja Saúde e o Instituto Lado a Lado pela Vida (LAL), entrevistou 2.047 cuidadores familiares (CF) e 487 cuidadores profissionais (CP) Brasil afora.

As conclusões nos provocam preocupação: 73% dos cuidadores familiares e 48% dos cuidadores profissionais relatam sofrer com estresse. Um cuidador a cada cinco sofre de insônia e 56% relatam ser um dos maiores desafios que a pessoa cuidada confie neles.

Além disso, 47% dizem mudar totalmente sua rotina em função do trabalho e 40% creem que a ocupação é totalmente desvalorizada no Brasil, nos alertando para a necessidade de conscientizar mais a sociedade sobre o papel e a responsabilidade de quem cuida.

Seis em cada dez cuidadores familiares do estudo têm mais de 50 anos, e 27% mais de 60 anos. A curto prazo nos depararemos com uma geração de idosos cuidando de idosos, o que impactará no cuidado deles no que tange à saúde e ao lazer. O foco na demanda de acolhimento do cuidador e paciente será cada dia maior.

Assim como na fábula, é preciso discutir a gerência deste cuidado com olhar amplo sobre os envolvidos. Urge políticas públicas dirigidas a esta problemática e a avaliação célere destes desafios. O cuidado exercido com profissionalismo e seriedade, com respeito e protagonismo dos envolvidos trará maior sucesso na saúde e melhor qualidade de vida em um cenário heterogêneo e em rápida expansão.

SEÇÃO DISCUTE QUESTÕES DA LONGEVIDADE

A seção Como Chegar Bem aos 100 é dedicada à longevidade e integra os projetos ligados ao centenário da Folha, celebrado neste ano de 2021. A curadoria da série é do médico gerontólogo Alexandre Kalache, ex-diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da OMS (Organização Mundial da Saúde).

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