Mônica Rodrigues da Costa aprendeu a ser jornalista para editar a Folhinha

Formada em letras, editora fez do caderno infantil espaço para crianças se informarem sobre o mundo

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São Paulo

Não era raro que, nas entrevistas de emprego na juventude em São Paulo, Mônica Rodrigues da Costa escutasse do diretor do outro lado da mesa que seu currículo era excelente para atuar naquela escola, mas uma informação atrapalhava: o RG baiano.

Os pais dos alunos, diziam os diretores, não iam querer suas crianças sob orientação de uma professora com o sotaque de Salvador.

mulher branca veste blusa marrom com bolinhas brancas. ela está sentada e olhando para o lado
A jornalista Mônica Rodrigues participa de debate sobre os 40 anos da Folhinha, em 2003 - João Wainer - 8.set.2003/Folhapress

Fazia poucos meses que Mônica, formada havia mais de década em letras pela USP, tinha prestado um concurso para atuar na rede pública de ensino paulista —ela lembra que, ainda que fosse “complicado isso de ser baiana”, gostava de ser professora e insistia na profissão. O ano era 1987.

Foi quando o telefone tocou e Leão Serva, hoje diretor de jornalismo da TV Cultura e então editor de suplementos semanais da Folha, fez o convite para que ela assumisse a função de editora da Folhinha, caderno dedicado ao público infantil.

“Passei por todos os testes, mas não fui muito bem, não. Sempre fui medíocre em testes, passei raspando”, lembra, rindo. À época, além da área educacional, Mônica também atuava como poeta e tradutora —hoje, aos 65 anos, já publicou mais de 15 livros.

“Leão apontou onde estava minha cadeira e a minha escrivaninha, onde havia uma máquina de escrever. Disse que tudo que eu precisasse ele ia me ensinar”, conta.

“Me sentei e imediatamente me levantei e disse: ‘Leão, quero minha demissão’. Eu achava que não sabia fazer aquilo. E foi quando ele me falou da Caspa, que era só eu fazer a mesma coisa”, completa, lembrando a revista de nome curioso que Mônica editava com amigos nos tempos de USP.

Quando chegou a São Paulo, em setembro de 1976, ela já cursava o segundo ano de letras na Bahia. “Vim por ideia de Caetano Veloso, éramos um grupo de amigos intelectuais”, diz.

Embarcaram ela e Antonio Risério, antropólogo com quem Mônica foi casada, rumo à cidade onde, acreditava Caetano, ela conseguiria “um emprego sério”.

O casal foi recebido pelo poeta Augusto de Campos. “Ele era nosso fiador e ajudava a gente com tudo, emprestava a enceradeira. Ficamos bem amigos, falávamos muito de poesia. Foi um grande mestre para mim.”​

Ela se emociona quando lembra um nome que lhe serviu de farol na carreira de jornalista. “Otavio Frias Filho é um pioneiro do jornalismo inteligente no Brasil”, conta. “O editor de suplementos era meu chefe [oficialmente], mas, às vezes, meu chefe era mais o Otavio que o editor porque a gente estava construindo uma ideia, a ideia de uma Folhinha que conquistasse o pequeno leitor para leitura de jornal. E acho que fizemos isso.”

Mônica lembra que, como prega o Manual da Redação, na Folhinha também era fundamental ouvir “o outro lado” nas reportagens e seguir o princípio da pluralidade.

“Eu quis transformar a Folhinha em um jornal o menos randômico possível. As crianças tinham direito de saber como estava o mundo”, avalia.

Estímulo ao consumo, por exemplo, era algo que a editora combatia. “Fiz uma reportagem com Xuxa e Mara Maravilha, e muitas crianças reclamaram. Elas eram consideradas pelas classes A, B e C vendedoras de produto, colavam as marcas em seus corpos. E a Folhinha era um jornalismo feito para crianças muito inteligentes”, conta.

Nos 17 anos em que atuou na edição da Folhinha, de 1987 a 2004, a interação com os leitores era grande. “As crianças escreviam cartas e comentavam as reportagens”, diz.

“Otavio e eu estudávamos a Folhinha como se estuda ciência, como se mede a temperatura de um lago. A gente via o que o leitor gostava, o que estava faltando, o que seria bom dar. Se dávamos uma matéria sobre doces, tinha que sair uma matéria de peso igual sobre escovar os dentes.”

Mônica lembra ter defendido o espaço da arte no suplemento, publicando desenhos e textos que as crianças enviavam espontaneamente ao jornal. “Eu adorava a poesia delas. Mas Otavio dizia que a conta eram três contos para cada poema”, brinca.

Mestre e doutora em comunicação e semiótica pela PUC-SP, Mônica hoje dá aulas na Faap (Fundação Armando Alvares Penteado). Mantém a escrita ativa e publica críticas de teatro infantil esporadicamente. ​

Mônica Rodrigues da Costa, 65

Nascida em Salvador em 1956, é poeta, professora, tradutora e jornalista. Foi editora da Folhinha de 1987 a 2003. É autora de mais de 15 livros, como “Arco-íris de Letras”, “As Melhores Histórias de Todos os Tempos” e “A Turma do Ponto”.

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