Descrição de chapéu Folha, 100 jornalismo

Livros e teses têm a Folha como fonte ou objeto de análises

No centenário do jornal, autores explicam por que escolheram pesquisar projetos e processos que marcaram a história do jornalismo brasileiro

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São Paulo

Registro histórico, palco para análises sobre processos e movimentos, motor da produção de discursos, caixa de ressonância, quarto poder. Veículos de mídia são muitas coisas ao mesmo tempo, e quase todas elas muito bem documentadas, o que os torna de grande interesse para as ciências políticas, sociais e da comunicação.

No caso da Folha, alcance e longevidade aliados a método e influência fizeram do jornal ora fonte ora objeto de muitas monografias, dissertações, teses e livros. Eles se dedicam a diferentes temas, fenômenos e debates que ocuparam as páginas do jornal e seus meios digitais ao longo de 100 anos de história, celebrados neste ano de 2021.

vista aérea do prédio amarelo da folha em dia ensolarado em meio aos outros prédios e construções do centro de são paulo
À direita, o prédio da Folha, na alameda Barão de Limeira, nos Campos Elíseos, centro de São Paulo - Lalo de Almeida - 28.jan.2021/Folhapress

Uma pesquisa na ferramenta de busca acadêmica do Google revela que há mais 120 mil ocorrências de títulos que incluem o nome completo do jornal: Folha de São Paulo.

É grande a variedade de tópicos e abordagens dos trabalhos. Há análises semióticas de peças publicitárias da Folha que marcaram a história da propaganda, como aquela de 1988 sobre Hitler, citada em 1999 entre as 40 mais importantes do século pela revista inglesa Shots.

Surgem ainda pesquisas sobre representações de processos, eventos, instituições e grupos sociais veiculadas pelo jornal: da redemocratização ao mensalão, do SUS às pessoas em situação de rua.

Há investigações sobre a produção de discursos a respeito de pessoas trans, das jornadas de junho de 2013 ou das mudanças climáticas. E estudos de caso sobre coberturas tão variadas quanto a Copa do Mundo realizada no Brasil e o conflito Israel-Palestina. Tem pesquisa sobre inovações no campo da charge e do humor, do jornalismo para crianças e do emprego da infografia, da função de ombudsman e de mecanismos recentes para o aumento da diversidade nas coberturas e na própria Redação.

A tese de livre docência na USP do jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, hoje professor no Insper, tem o jornal como objeto por meio do Projeto Folha. A nova política editorial que marca a chegada de Otavio Frias Filho à Direção de Redação, em 1984, renova o processo jornalístico e lança novos princípios editoriais que fariam da Folha o jornal mais influente do país.

Lins da Silva era secretário de Redação na época e viveu as dores e as delícias de colocar em prática o Projeto Folha, o que incluiu um abaixo-assinado da maioria dos jornalistas da casa, insatisfeitos com mudanças que julgavam restringir sua liberdade e criatividade.

"Eu fiz a pesquisa dentro da Folha durante os primeiros três anos de implantação do projeto. O problema central da tese era como fazer a análise estando envolvido, emocionalmente e criticamente, no processo?", lembra ele, que explica por que o jornal havia se tornado um objeto tão interessante de exame.

"Nesse período, a Folha se tornou o jornal de maior circulação do país, também o jornal mais polêmico e, principalmente, o mais influente."

A tese foi publicada em livro sob o título "Mil Dias - Os Bastidores da Revolução de um Grande Jornal" (Trajetória Cultural), lançado em 1988.

No mesmo ano, foi lançado "A Regra do Jogo" (Companhia das Letras), grande clássico dos cursos de jornalismo que narra parte da história da Folha. Cláudio Abramo entrou na Folha em 1965 sob protestos da Redação —onde ele dizia haver muito chefe, "mas ninguém mandava"— e saiu em definitivo só em 1977, depois de um dos períodos mais duros da história recente do Brasil, os chamados anos de chumbo.

Outros livros de pesquisadores e jornalistas trazem passagens inteiras ambientadas na Redação ou nas páginas do jornal, enquanto há aqueles dedicados a diferentes períodos da trajetória da Folha, seja do ponto de vista histórico, jornalístico ou empresarial.

É o caso de dois volumes encomendados por Otavio Frias Filho ao jornalista Oscar Pilagallo: "O Brasil em Sobressalto" (Publifolha) e "A História da Imprensa Paulista" (Três Estrelas).

"O primeiro foi na ocasião dos 80 anos do jornal, quando a ideia não era fazer algo comemorativo, que não é a cara da Folha, mas que relacionasse o jornal com a política", explica Pilagallo. "E tive a ideia de contar a história do Brasil pela Folha: matérias, colunas e editoriais", diz.

Utilizado, portanto, como fonte, a Folha se torna personagem do livro em episódios como o da invasão da Redação pela polícia federal durante o governo de Fernando Collor.

"Já ‘A História da Imprensa Paulista’ foi uma ideia do Otavio para cobrir o jornalismo do estado de ponta a ponta, desde que São Paulo era uma vila, onde existiam só panfletos, enquanto o Rio já tinha jornal diário", afirma o autor. A Folha passa a ter parte importante nessa história a partir dos anos 1970 e da campanha Diretas Já.

Mas o jornal já havia deixado marcas importantes na história do jornalismo e do humor desde o início de sua história, em 1921, com a publicação de charges na capa desde suas primeiras edições.

O grande ícone do jornal era Benedito Carneiro Bastos Barreto, ou Belmonte, que criou personagens tão populares nas páginas do jornal que eles saltaram para fora delas, como no caso de Juca Pato.

"As charges de Belmonte fizeram a mediação entre o público e a política do país, ao criar personagens num processo de identificação com o leitor", explica a historiadora Andréa de Araújo Nogueira, cuja pesquisa de mestrado, doutorado e pós-doutorado gira em torno da função social da charge na imprensa brasileira e de seus representantes.

Para ela, que é gerente do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, "desde o início a Folha usou muito essa interlocução do noticiário com o leitor por meio da charge" em eventos tão diversos quanto a queda da República Velha, em 1930, e as transformações urbanas da São Paulo daquele tempo. "Foi um grande trunfo do jornal", avalia.

Andréa destaca outra criação de Belmonte, a personagem Giloca, uma "melindrosa, igualzinha à Betty Boop, que escrevia, andava de carro e tentava votar, quando as mulheres ainda não tinham direitos políticos". Na mesma linha dessa vanguarda, a historiadora cita a tirinha Os Patos, da cartunista Ciça, a primeira mulher a desenhar no jornal, de 1967 a 1985.

"A Folha foi muito coerente, neste sentido, ela manteve a centralidade da linguagem humorística da charge, que é essencialmente crítica, mas também funciona como um respiro analítico", explica ela, citando de Belmonte a Laerte. "Com isso, a Folha nos ensinou a ler a charge e sua crítica, a compreender a ironia, a metáfora e a verossimilhança do humor gráfico."

Outro pioneirismo do jornal foi o uso do desenho tipográfico e da infografia. "O projeto gráfico de 1996 da Folha foi o primeiro a ter uma tipografia própria e customizada no Brasil", conta o designer Diego Maldonado, que estuda essa mudança nas páginas do jornal em um mestrado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Para Maldonado, a tipografia com serifas —"aqueles pezinhos mais largos das letras" —escolhida para o jornal tem tanta personalidade que "é possível reconhecer uma matéria da Folha só lendo o título recortado".

À importância da representação gráfica do jornal somou-se, nos anos recentes, a questão da representatividade na Redação e nas coberturas da Folha. Em seu mestrado, o jornalista Wellington Geraldo Silva pesquisou a criação da editoria de Diversidade, transversal na Redação, e a presença da primeira mulher negra na função de ombudsman, Flávia Lima —hoje editora de Diversidade.

"Vi que esse era um movimento inédito na imprensa brasileira, e isso se tornou um gatilho para investigar a presença dos negros na imprensa brasileira", conta o pesquisador e jornalista.

A dissertação, orientada pelo professor e colunista da Folha Muniz Sodré e intitulada "A Cor do Jornal - Exclusão e Inclusão do Negro na Imprensa Brasileira", avalia os possíveis impactos dessas iniciativas a partir da presença e do silenciamento do negro na imprensa desde o movimento abolicionista.

"Tenho acompanhado outras medidas, como a criação da turma de trainees negros e a nova composição do Conselho Editorial. Por outro lado, vejo o jornal abrigar texto de natureza racista. A meu ver, essa é uma baita contradição que dá um bom objeto do ponto de vista acadêmico, que pretendo continuar a pesquisar no doutorado."

BIBLIOTECA FOLHA

​Conheça alguns livros que contam a história do jornal, de seus jornalistas e de coberturas históricas

Pilha de livros que falam sobre a Folha. Só se vê a lombada dos livros
Alguns livros sobre a Folha e seus jornalistas - Thea Severino/Folhapress

MIL DIAS - OS BASTIDORES DA REVOLUÇÃO DE UM GRANDE JORNAL
Carlos Eduardo Lins da Silva
Trajetória Cultural, 1988 (218 págs.)

Relato da implantação do Projeto Folha, política editorial elaborada por Otavio Frias Filho que renovou o jornal, entre 1984 e 1987, e lançou os princípios editoriais que guiaram o jornalismo da Folha e depois foram adotados por outros veículos da imprensa brasileira.

MIL DIAS - SEIS MIL DIAS DEPOIS
Carlos Eduardo Lins da Silva
Publifolha, 2005 (243 págs.)

Reedição, com novo prefácio, do livro que é uma adaptação da tese de livre docência sobre as transformações ocorridas a partir do Projeto Folha, defendida em 1987 na USP pelo autor, que havia deixado Secretaria de Redação do jornal, para o qual depois voltaria como ombudsman.

HISTÓRIA DA FOLHA DE S.PAULO (1921-1981)
Carlos Guilherme Mota e Maria Helena Capelato
Impress, 1981 (416 págs.)

Estudo exploratório sobre a trajetória do jornal, a pesquisa dos dois professores foi feita por ocasião do aniversário de 60 anos da Folha. O livro tem linguagem acadêmica e é farto em registros, documentos e reproduções de editoriais importantes do período.

A HISTÓRIA DA IMPRENSA PAULISTA
Oscar Pilagallo
Três Estrelas, 2012 (368 págs.)

Uma "biografia" do jornalismo em São Paulo, desde o primeiro periódico, feito à mão, até a comunicação digital. Descreve e contextualiza a trajetória dos jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e Última Hora, entre outras iniciativas editoriais.

O BRASIL EM SOBRESSALTO - 80 ANOS DE HISTÓRIAS CONTADAS PELA FOLHA
Oscar Pilagallo
Publifolha, 2002 (240 págs.)

O volume remonta às primeiras faíscas de modernidade, com a então octogenária Semana de Arte Moderna de 22, e chega até as hoje familiares ameaças de apagão ocorridas no governo FHC a partir de textos, fotos e charges da Folha.

FOLHAS AO VENTO: ANÁLISE DE UM CONGLOMERADO JORNALÍSTICO NO BRASIL
Gisela Taschner
Paz e Terra, 1992 (230 págs.)

Livro da socióloga e professora da FGV-SP sobre as origens da Folha aborda mudanças ocorridas na estrutura empresarial e na diversificação de produtos a partir das transformações do processo produtivo da informação e de sua organização

PÓS-TUDO - 50 ANOS DE CULTURA NA ILUSTRADA
Marcos Augusto Gonçalves
Publifolha, 2008 (368 págs.)

O livro entrelaça a história do caderno de cultura da Folha e a dos eventos culturais mais importantes dos últimos 50 anos no Brasil por meio de reportagens, fotos, cartuns, reproduções de páginas do jornal e entrevistas históricas e inéditas.

FOLHA EXPLICA: FOLHA
Ana Estela Sousa Pinto
Publifolha, 2012 (232 págs.)

Volume da coleção Folha Explica dedicado a desvendar a própria Folha ao abordar a história do jornal, criado a partir da fusão, em 1960, de Folha da Noite (de 1921), Folha da Manhã (de 1925) e Folha da Tarde (de 1949) para se tornar o maior jornal do país.

CÃES DE GUARDA: JORNALISTAS E CENSORES, DO AI-5 À CONSTITUIÇÃO DE 1989
Beatriz Kuchnir.
Boitempo Editorial, 2004 (408 págs.)

Livro lançado aos 40 anos do golpe de 1964 trata de censura aos jornais, de autocensura dos jornalistas e da complicada convivência entre governo e imprensa durante a ditadura militar, com estudo de caso do jornal Folha da Tarde. Tem, no entanto, erros factuais, como ao dizer que a Folha da Tarde foi o primeiro jornal a registrar a morte do militante Joaquim de Alencar Seixas, conhecido como Roque. Na verdade, todos os jornais paulistas tinham reproduzido no mesmo dia a versão oficial.

A REGRA DO JOGO
Claudio Abramo
Companhia das Letras, 1988 (272 págs.)

Livro póstumo, reúne depoimentos deixados por um dos maiores jornalistas do Brasil, morto em 1987, e responsável pela modernização de O Estado de S. Paulo antes de se tornar diretor de Redação da Folha, em 1972, e reformular o jornal.

BELMONTE - VIDA E OBRA DE UM DOS MAIORES CARTUNISTAS DE TODOS OS TEMPOS
Gonçalo Júnior
Três Estrelas, 2017 (160 págs.)

Pai do personagem Juca Pato, Belmonte foi um dos chargistas mais populares e implacáveis da imprensa entre os anos 1920 e 1940, período em que trabalhou na Folha. O livro reúne desenhos e ilustrações que fizeram dele um nome central do humor gráfico

ENVIADO ESPECIAL - 25 ANOS AO REDOR DO MUNDO
Clóvis Rossi
Senac, 1999 (296 págs.)

O livro recupera reportagens de Clóvis Rossi sobre episódios marcantes das décadas finais do século 20, que permitem ao leitor acompanhar aspectos técnicos relevantes do ato de fazer reportagem e da necessária ética que deve orientar a atividade do repórter.

INSTINTO DE REPÓRTER
Elvira Lobato
Publifolha, 2005 (288 págs.)

A jornalista, que foi repórter na Folha por 25 dos seus 39 anos de carreira, relata os bastidores de reportagens que marcaram a história do jornalismo investigativo no Brasil, como o caso das instalações para testes atômicos criadas por militares na Amazônia.

OMBUDSMAN - O RELÓGIO DE PASCAL
Caio Túlio Costa
Geração Editorial, 2006 (288 págs.)

Primeiro ombudsman da Folha, entre 1989 e 1991, o autor relata o cotidiano da função e reflete sobre uma posição que precisa ser, a um só tempo, útil ao leitor e aos jornalistas. Esta segunda edição traz entrevistas com ombudsmans que o sucederam.

ELES MUDARAM A IMPRENSA: DEPOIMENTOS AO CPDOC
Alzira Alves de Abreu, Fernando Lattman-Weltman, Dora Rocha (orgs.)
FGV, 2003 (400 págs.)

Reúne depoimentos de seis jornalistas que, na qualidade de diretores de redação, tiveram uma participação fundamental na reformulação ou na criação de órgãos de imprensa brasileiros dos últimos 50 anos, entre eles, Mino Carta, Alberto Dines e Otavio Frias Filho.

A TRAJETÓRIA DE OCTAVIO FRIAS DE OLIVEIRA
Engel Pascoal
Publifolha, 2007 (328 págs.)

Biografia do publisher da Folha, um dos mais importantes personagens da imprensa brasileira da segunda metade do século 20, que reinventou sua carreira aos 50 anos ao ingressar, quase que por acaso, no setor da comunicação, quando adquiriu o jornal em 1962.

NOTÍCIAS DO PLANALTO
Mario Sergio Conti
Companhia das Letras, 1999 (752 págs.)

O jornalista apresenta os bastidores da grande imprensa na cobertura da ascensão e queda de Fernando Collor, da construção da imagem do "caçador de marajás" ao impeachment, numa reportagem vencedora do Jabuti de 2000 e da qual a Folha é também personagem.

DO GOLPE AO PLANALTO - UMA VIDA DE REPÓRTER
Ricardo Kotscho
Companhia das Letras, 2006 (368 págs.)

Livro de memórias do repórter que teve quatro passagens pela Folha, a primeira delas marcada pela cobertura das Diretas-Já, recheado de boas histórias colhidas por diversos cantos do Brasil e do mundo, numa ode à profissão de repórter, que o consagrou.

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