Quando a longevidade encontra as questões ambientais

Envelhecimento global exige desenvolvimento sustentável para evitar catástrofe climática

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Alexandre Kalache

Médico gerontólogo, presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil (ILC-BR)​

Dois temas ganharam proeminência nos últimos 30 anos em nível global: longevidade e meio ambiente. Até os anos 1990, ambos não constavam da pauta internacional.

Por casualidade, os dois se encontraram nas últimas duas semanas, que marcaram as três décadas da promulgação dos princípios das Nações Unidas para o envelhecimento —autonomia, dignidade, independência, participação– e a reunião de cúpula do meio ambiente em Glasgow.

homem branco de barba branca veste paletó e segura cartaz e um panda da pelúcia
Manifestante mostra cartaz com a mensagem "consciência climática não tem fronteiras" durante protesto em Glasgow, na Escócia, onde ocorre a COP26 - Ana Estela de Sousa Pinto - 5.nov.2021/Folhapress

A primeira Assembleia Mundial do Envelhecimento (AME) da ONU aconteceu em Viena, em 1982, e descartou sumariamente que países em desenvolvimento devessem se preocupar com a transição demográfica. Eu bem sei porque participei dela e era uma voz quase isolada.

A percepção dominante era de que as taxas de natalidade dos países em desenvolvimento permaneceriam altas e as vidas, curtas. Falava-se, sobretudo, de um mundo superpovoado e a ameaça que isso representaria para os países ricos.

Vinte anos depois, na segunda AME, em Madri, as Nações Unidas perceberam que o envelhecimento global era um processo irreversível, sendo que os países mais pobres passariam a envelhecer muito mais rapidamente que, no passado, os desenvolvidos.

Além do mais, uma diferença clara: estes haviam enriquecido antes de envelhecer enquanto, grosso modo, os menos desenvolvidos estão envelhecendo antes de terem se tornado ricos, em paralelo a crescentes desigualdades.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) teve grande protagonismo na mudança de percepção, demonstrando, por meio de projeções e de advocacy (lobby em várias vertentes positivas, como social, ambiental ou cultural), que o século 21 seria caracterizado pela Revolução da Longevidade.

O outro tema de interesse global que só passou a atrair atenção não só de poucos "excêntricos" relaciona-se com as questões ambientais. Até a década de 1990, no geral, o mantra dominante era progresso a todo custo, e os recursos na natureza eram vistos como inesgotáveis.

Nestes 30 anos, muito mudou. Já não é necessário repetir à exaustão que o mundo envelhece e que a Mãe Terra clama por atenção.

Aqueles que assim não veem —como líderes de governos negacionistas, autoproclamados párias internacionais, analfabetos científicos– permanecerão obcecados por suas ideologias. São casos perdidos. Tampouco têm qualquer compromisso com o legado que deixarão para seus netos.

E eis que os dois temas encontram um denominador comum: a chave para impedir que grandes conquistas sociais se transformem em catástrofes internacionais.

A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico ) publicou recentemente um estudo sobre os fundos de pensão. Somente entre os países membros, em 2019, eles somavam US$ 32,2 trilhões, com crescimentos anuais persistentes, mais da metade concentrada em um único país, os Estados Unidos, equivalente ao seu colossal PIB.

Juntos, EUA, Reino Unido, Austrália, Holanda, Canadá, Japão e Suíça detêm 90% dos trilionários fundos de pensão, essencialmente controlados por pessoas idosas poderosas –e ricas.

Pode até parecer uma proposta simplória. Se elas fossem capazes de investir uma pequena parcela desses recursos em causas sociais, a longevidade com qualidade de vida estaria assegurada a centenas de milhões a mais –e a Mãe Terra agradeceria por ver grande parte das questões ambientais resolvidas.

Seria utópico assim pensar? Na próxima semana, abordaremos o custo anual das metas para o desenvolvimento sustentável até 2030.

SEÇÃO SOBRE LONGEVIDADE TEM CURADORIA DE ALEXANDRE KALACHE

A seção Como Chegar Bem aos 100 é dedicada à longevidade e integra os projetos ligados ao centenário da Folha, a ser celebrado em fevereiro de 2021.

A curadoria da seção é do médico Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade (ILC) no Brasil e ex-diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da OMS (Organização Mundial da Saúde).​

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