Ruy Lopes foi pioneiro em Brasília e contribuiu para furo importante

Editor-chefe em São Paulo e diretor da Sucursal de Brasília, jornalista ajudou a montar equipe de correspondentes internacionais e participou de momentos-chave da história do jornal

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Brasília

"Acho que a maior coisa que eu fiz, eu já tinha saído da Folha", afirmou o jornalista Ruy Lopes, 86, em resposta à pergunta sobre qual principal reportagem o marcou em sua passagem de 25 anos pelo jornal.

A história começou, segundo seu relato à Folha, em um telefonema no início dos anos 1990 para seu Frias, como era conhecido o empresário Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), publisher do jornal. "Um dia eu liguei pro Frias e disse: 'Frias, me arruma um gravador, um litro de uísque e bastante gelo'."

O jornalista Ruy Lopes, que foi editor-chefe da Folha, em São Paulo, e diretor da sucursal de Brasília nos anos 70 e 80, em foto sem data conhecida - Folhapress

Nascido em 1935, Ruy Lopes ingressou na Folha em 1959, aos 23 anos, como repórter policial, ao lado, entre outros, do futuro pai da Turma da Mônica, Maurício de Souza. Quase imediatamente, ele integrou a pioneira equipe do jornal que faria a cobertura da inauguração de Brasília, passando a formar o time de repórteres na nova capital.

Lá foi setorista (jornalista que faz a cobertura jornalística de um órgão ou tema específico) do Palácio do Planalto, acompanhando o dia a dia dos governos de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart. Com o golpe militar, virou setorista do Congresso até o AI-5 fechar provisoriamente as suas portas.

Pouco anos depois, voltou para comandar a Redação do jornal em São Paulo e, de 1975 a 1982, ele se mudou novamente para dirigir a sucursal de Brasília. Ficou ainda cerca de dois anos na Folha, desligou-se do jornal e ocupou alguns cargos públicos até chegar ao episódio do gravador, uísque e gelo, em 1991.

"Cheguei lá [no encontro com Frias] numa sexta-feira à tarde e contei a ele o roubo que a turma do Quércia estava fazendo em São Paulo", relatou Lopes.

Na época, o jornalista era chefe de gabinete do então secretário de Ciência e Tecnologia de São Paulo, Severo Gomes (MDB), ex-senador que morreria no ano seguinte no acidente aéreo que matou Ulysses Guimarães. Gomes integrava a equipe do então empossado governo de Luiz Antonio Fleury (1991-1995), sucessor de Orestes Quércia (1987-1991), ambos do MDB.

O repórter especial da Folha Frederico Vasconcelos confirma o relato. Ele foi o jornalista destacado para cobrir o caso e autor de diversas reportagens que revelaram as suspeitas de superfaturamento e outras irregularidades na importação de equipamentos israelenses pela gestão de Quércia.

"A melhor história que guardei do Ruy foi como ele revelou ao Severo que passara as informações para a Folha. Deixou uma carta na mesa de Severo e avisou a ele que havia 'cometido uma traição'. Severo pensou que ele ia desabafar uma confidência pessoal, que ele traíra a mulher. Tentou amenizar o fato. Ruy falou algo como: 'Não, Severo. Eu traí você'", relata Vasconcelos.

Severo Gomes demitiu-se do cargo em julho de 1991 por avaliar que o governo Fleury não pretendia investigar o caso a fundo. Antes, havia aceito o pedido de exoneração de Ruy Lopes, que permitira à Folha o acesso aos autos.

A série de reportagens se estendeu por cerca de quatro anos e é contada por Vasconcelos no livro "Fraude" (Scritta, 1994).

Na conversa por telefone com a Folha, Ruy Lopes também destacou outros pontos marcantes de sua carreira.

Uma delas foi a reunião em 1974 na casa de praia de Frias de Oliveira, em Ubatuba (SP), onde foram colocadas no papel as ideias da mudança editorial no jornal com o objetivo de se diferenciar de O Estado de S. Paulo e se encaixar nos trilhos da abertura política.

Participaram dessa reunião, além de Frias, seu filho Otavio Frias Filho (1957-2018), Claudio Abramo (1923-1987), então diretor de Redação, Ruy Lopes e Boris Casoy, que comandou a Redação em dois períodos distintos nos anos 70 e 80.

"O Frias [de Oliveira] abriu dizendo que não ia dar palpite para não influir. O Claudio disse que não ia falar porque não acreditava naquela reunião. Ficamos debatendo então Boris, eu e o Otavinho", afirma Ruy Lopes.

Boris Casoy diz que já havia uma convergência de pensamentos sobre o que fazer antes do encontro. "A reunião foi uma consolidação do que já existia. A gente trabalhava um pouco em reação aos fatos e, na medida em que o regime militar ia avançando, mudando, a gente buscava caminhos táticos", diz Casoy.

Encontro em 1978 na sede da Folha, na al. Barão de Limeira, reuniu, em pé, da esq. para dir.,: Samuel Wainer, fundador do jornal Última Hora; Claudio Abramo, que havia sido diretor de Redação do jornal e coordenaria o conselho; Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha; Boris Casoy, editor-responsável do jornal; e Otavio Frias Filho, na época da equipe de editorialistas e que seria o secretário do conselho; (sentados): Alberto Dines, ex-editor-chefe do Jornal do Brasil e chefe da sucursal do Rio da Folha; Newton Rodrigues, articulista do jornal; Maria Christina Caldeira, filha de Carlos Caldeira Filho, que de 1962 a 1992 foi um dos acionistas majoritários da Empresa Folha da Manhã S/A; Luiz Alberto Bahia, que havia sido diretor e editor dos jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil e da revista Visão; e Ruy Lopes, então diretor da sucursal de Brasília do jornal.
Encontro em 1978 na sede da Folha, na al. Barão de Limeira, reuniu, em pé, da esq. para dir., Samuel Wainer, fundador do jornal Última Hora; Claudio Abramo, que havia sido diretor de Redação do jornal e coordenaria o conselho; Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha; Boris Casoy, editor-responsável do jornal; e Otavio Frias Filho, na época da equipe de editorialistas e que seria o secretário do conselho. Sentados, da esq. para dir., Alberto Dines, ex-editor-chefe do Jornal do Brasil e chefe da sucursal do Rio da Folha; Newton Rodrigues, articulista do jornal; Maria Christina Caldeira, filha de Carlos Caldeira Filho, que foi um dos acionistas majoritários da empresa Folha da Manhã S/A de 1962 a 1992; Luiz Alberto Bahia, que havia sido diretor e editor dos jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil e da revista Visão; e Ruy Lopes, então diretor da sucursal de Brasília do jornal - Acervo pessoal de Boris Casoy

Outro episódio destacado por Ruy Lopes foi a criação e a consolidação a partir dos anos 1970 das páginas de opinião do jornal —o que ele afirma ter sido concluído por meio de um projeto gráfico reformulado 27 vezes.

Ressalta ainda a montagem de um time de correspondentes de primeira linha para, com foco em uma cobertura do exterior com o olhar brasileiro, fazer frente à seção internacional do Estadão. O concorrente tinha como um de seus correspondentes em Paris, por exemplo, o jornalista e escritor francês Gilles Lapouge.

Nesse contexto, Ruy Lopes lembra a contratação de João Batista Natali como correspondente da Folha em Paris. Ele conta ter ido à capital francesa tentar contratar Reali Júnior, correspondente da Jovem Pan, entre outros veículos. "O Reali não quis nem conversa, então contratamos o 'braço direito' dele, o Natali."

Natali havia sido redator da Folha em São Paulo e embarcara anos antes para Paris para fazer mestrado em semiologia. Ele disse que Abramo e Lopes gostavam do seu trabalho e fizeram proposta de mantê-lo como free-lancer.

"Em abril de 1974, morreu o presidente [Georges] Pompidou. E como na França não há vice, imediatamente começou uma campanha presidencial. Eu trabalhei muito e estourei a tabela de pagamento que havia combinado. O jornal então me contratou com carteira assinada", conta Natali, segundo quem Ruy Lopes foi um dos maiores jornalistas que ele conheceu.

"Ele dava muita importância ao domínio correto do idioma português. Ruy aconselhava os mais jovens a ler a cada cinco anos todos os romances de Machado de Assis, para desintoxicar nossa relação com a língua. Eu lia periodicamente Machado de Assis por conta disso", diz.

Natali ficou na Folha até 2007, ano em que se aposentou.

Ruy Lopes diz não se lembrar desses conselhos, embora ressalte, claro, achar Machado de Assis essencial. "Todos que trabalhavam comigo escreviam muito bem", diz, em meio a risadas.

Lopes deixou a direção da sucursal no final de 1982 após aceitar convite para assessorar Severo Gomes no Senado, mas continuou na Folha. Apesar de a prática de duplo emprego não ser mais tolerada no jornal naquela época, tanto Lopes quanto Casoy disseram que Frias de Oliveira autorizou essa exceção pelos dois anos seguintes, quando o jornalista se desligou definitivamente.

Ou quase isso, segundo Ruy Lopes. Ele afirma que o publisher da Folha, em nome dos serviços prestados e da relação criada, pediu a Lopes para continuar pagando seu salário pelos quatro anos seguintes, situação que diz ter perdurado até às vésperas da Constituinte de 1988.

Lopes também presidiu a Empresa Brasileira de Notícias e a Radiobras, nos anos 1980 e 1990, antes de se aposentar e se mudar para São José dos Campos, onde mora atualmente.

Ruy Lopes ao lado de uma panela com camarões
Ruy Lopes em 2020, durante festa de aniversário de 80 anos do seu irmão Raul - Arquivo pessoal

​Ruy Lopes

Nasceu em Ribeirão Bonito (SP), cidade próxima a São Carlos, em 17 de julho de 1935. Começou a trabalhar na Folha em maio de 1959, na cobertura de polícia e, pouco tempo depois, integrou a equipe enviada para Brasília, a nova capital. Foi setorista do Palácio do Planalto e do Congresso.

Do final de 1972 a 1974, ele foi editor-chefe do jornal, em São Paulo. De 1975 a 1982, comandou a Sucursal de Brasília, no lugar de Claudio Coletti, o primeiro diretor da sucursal da Folha na capital federal. Lopes integrou a primeira composição do conselho editorial da Folha. Deixou o jornal em 1984.

Assessorou ainda o senador Severo Gomes (MDB-SP) e presidiu a Empresa Brasileira de Notícias e a Radiobras nos governos José Sarney e Itamar Franco. Mora em São José dos Campos.

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