Bahia queria jornal conservador na economia e revolucionário na cultura

Jornalista carioca foi membro do conselho editorial da Folha durante 3 décadas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

"Mais uma campanha que se perde, nada nela se fazendo para melhorar a democracia. [...] O eleitor está completamente ofuscado, tal a multiplicidade de nomes e legendas. Como pretender que ele escolha bem?", escreveu Luiz Alberto Bahia em artigo publicado na Folha durante a eleição presidencial de 1994.

O jornalista Luiz Alberto Bahia em 1978, quando fazia parte do conselho editorial da Folha - Reprodução

O lamento, perfeitamente aplicável aos dias de hoje, era característico de um jornalista que se preocupava com a qualidade do debate público para além dos fatos imediatos do noticiário.

Colunista e integrante do conselho editorial da Folha, Bahia, morto em 2005 aos 82 anos, tinha interesse múltiplos, que iam da política à diplomacia, passando pela cultura e pela religião. Em cada um desses temas, foi autor prolífico, publicando artigos e livros.

"Ele era um humanista, um homem de esquerda, mas sem ter perfil ideológico marxista-leninista. Era um grande admirador da obra de Albert Camus [filósofo francês que escreveu contra o totalitarismo soviético]", diz Marcelo Beraba, que dirigiu a sucursal da Folha no Rio de Janeiro.

Em 2001, Beraba fez uma série de entrevistas com Bahia para um projeto de história oral, e ambos se aproximaram. "Ele foi muito importante na imprensa do Rio, parte de uma geração que mudou a maneira de fazer jornal nas décadas de 1950, 1960 e 1970", afirma.

O carioca Bahia iniciou sua carreira como repórter no Correio da Manhã, passando depois pela revista Visão e pelos jornais O Globo e Jornal do Brasil. Em todos estes veículos, exerceu funções de comando nas editorias de opinião.

Chegou à Folha em 1975, onde manteve coluna na página 2 e escrevia artigos para diversas áreas do jornal.

"Quando passei a integrar o conselho editorial da Folha, ele era composto por um conjunto de grandes jornalistas, alguns dos quais tinham inclusive dirigido alguns dos mais importantes periódicos do Brasil", diz o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, que foi contemporâneo de Bahia no órgão. "Era brilhante como escritor e perspicaz nas suas observações", diz.

Bahia também exerceu diversas funções públicas fora do jornalismo. Foi conselheiro do então BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) nos anos 1960,e depois chefe de gabinete do governador Negrão de Lima, da Guanabara. Nos anos 1980, tornou-se conselheiro do Tribunal de Contas do Município do Rio.

Culto, destacava-se em reuniões da Folha pela capacidade analítica. "Havia alguns almoços do conselho editorial, e ele tinha um grande talento para a análise da conjuntura política", lembra Marcelo Coelho, atualmente colunista do jornal e que também fez parte do conselho editorial.

Entre os livros que escreveu, um dos mais conhecidos é "Soberania, Guerra e Paz" (ed. Zahar), de 1978, em que Bahia analisa conceitos de política externa como imperialismo e nacionalismo. Por essa obra, foi agraciado pelo governo federal com a Ordem de Rio Branco.

Escreveu também sobre espiritismo e catolicismo. Um de seus livros foi resenhado por Coelho. "A resenha foi delicada de fazer. Lembro-me de assinalar que o autor manifestava simpatias por ‘uma versão refinada do kardecismo’. Ele gostou, me disse que o texto havia sido uma ‘obra de relojoaria’", conta.

Nos anos 1980, já sexagenário, Bahia acompanhou a reformulação da Folha promovida por jovens liderados por Otavio Frias Filho (1957-2018), que transformaram o jornal no maior e mais influente do país.

Às novas gerações, pregava que a linha editorial de um jornal deveria reunir três características, que havia aprendido décadas atrás, ainda no Correio da Manhã: conservador em matéria econômica, aberto em matéria política e revolucionário na área cultural.

Ao morrer, foi homenageado numa coluna na Folha pelo amigo Carlos Heitor Cony (1926-2018), da mesma geração que marcou o jornalismo fluminense.

"Com sua vasta cabeleira revolta, que os anos tornaram maravilhosamente branca, Bahia foi um profissional que honrou o jornalismo e encantou aqueles que trabalharam e conviveram com ele", disse.

RAIO-X

Luiz Alberto Bahia (1923-2005)

Nascido no Rio de Janeiro, formou-se em direito e trabalhou como arquivista no Itamaraty; no jornalismo, começou no Correio da Manhã, e depois passou por Visão, O Globo e Jornal do Brasil, até chegar à Folha em 1975; no jornal, foi membro do conselho editorial e colunista

Este texto faz parte do projeto Humanos da Folha, que apresenta perfis de profissionais que fizeram história no jornal.

Humanos da Folha

Conheça a história de profissionais que trabalharam no jornal

  1. Com 50 anos de carreira, Passarelli ganhou Prêmio Esso de Fotografia inédito para a Folha

  2. Fotógrafo se consagrou com imagem das Diretas-Já que foi capa da Folha

  3. 'Era elogiada por fotografar igual a homem', lembra Renata Falzoni

  4. Entre patos e formigas, obra de Ciça compõe fábula política do Brasil

  5. Fotógrafo da Folha se consagrou com imagem histórica do general Costa e Silva

  6. Morre o jornalista Celso Pinto, criador do jornal Valor Econômico, aos 67 anos

  7. Fotógrafo da Folha escondeu filme para retratar sessão de eletrochoque em manicômio

  8. Morto há uma década, Glauco unia humor ácido e carinho por personagens

  9. Editora da Ilustrada fez caderno 'da cultura e da frescura' nos anos 70

  10. História de êxito de Mauricio de Sousa começou como repórter policial na Folha

  11. Clóvis Rossi estaria indignado com a realidade brasileira, diz filha

  12. Me viam como 'patricinha', diz Joyce Pascowitch, que inovou o jeito de fazer coluna social nos anos 80

  13. Elvira Lobato revelou poço para teste de bomba atômica e império da Igreja Universal

  14. Fortuna se consagrou como 'o cartunista dos cartunistas'

  15. Com estrela de xerife, Caversan ocupou diversos cargos de edição na Folha

  16. Erika Palomino inovou na cobertura da noite paulistana

  17. Niels Andreas fotografou massacre do Carandiru e 50 anos de Israel

  18. Natali foi correspondente em Paris e uniu música e trabalho

  19. Dona Vicentina trabalhou como secretária na Folha durante mais de 5 décadas

  20. Fotógrafo se destacou nas coberturas do massacre de ianomâmis e da prisão de PC Farias

  21. Cláudio Abramo ajudou a renovar Folha nos anos turbulentos da ditadura

  22. Ilustrações de Mariza levaram o horror do cotidiano para as páginas do jornal

  23. Irreverente, Tarso de Castro criou o histórico Folhetim nos anos 1970

  24. Veemência das charges de Belmonte irritou até o regime nazista

  25. Boris assumiu Folha na fase mais tensa e conduziu travessia do jornal para o pós-ditadura

  26. Engenheiro ajudou Folha a se modernizar e atravessar transições tecnológicas

  27. Lenora de Barros promoveu renovação gráfica na Folha nos anos 1980

  28. Antônio Gaudério colecionou prêmios com fotos voltadas às questões sociais

  29. Bell Kranz levou temas considerados tabus para a Folhinha e o Folhateen

  30. Com poucos recursos, Olival Costa fundou Folha da Noite em 1921

  31. Sarcástico e culto, Bonalume cobriu ciência e conflitos pelo mundo por mais de 30 anos

  32. Coletti foi 'carrapato' de Jânio e teve prova de fogo na cobertura da visita de De Gaulle

  33. Apaixonado por cinema, seu Issa foi um precursor dos anúncios de filme no jornal

  34. João Bittar foi o editor que ajudou a levar fotógrafos da Folha para o mundo digital

  35. Pacato, Lourenço Diaféria publicou crônica que gerou crise com militares

  36. Moacyr Scliar fantasiava realidade em crônicas inspiradas em notícias da Folha

  37. Pioneiro na divulgação científica, José Reis incentivou presença de pesquisadores na mídia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.