"Mais uma campanha que se perde, nada nela se fazendo para melhorar a democracia. [...] O eleitor está completamente ofuscado, tal a multiplicidade de nomes e legendas. Como pretender que ele escolha bem?", escreveu Luiz Alberto Bahia em artigo publicado na Folha durante a eleição presidencial de 1994.
O lamento, perfeitamente aplicável aos dias de hoje, era característico de um jornalista que se preocupava com a qualidade do debate público para além dos fatos imediatos do noticiário.
Colunista e integrante do conselho editorial da Folha, Bahia, morto em 2005 aos 82 anos, tinha interesse múltiplos, que iam da política à diplomacia, passando pela cultura e pela religião. Em cada um desses temas, foi autor prolífico, publicando artigos e livros.
"Ele era um humanista, um homem de esquerda, mas sem ter perfil ideológico marxista-leninista. Era um grande admirador da obra de Albert Camus [filósofo francês que escreveu contra o totalitarismo soviético]", diz Marcelo Beraba, que dirigiu a sucursal da Folha no Rio de Janeiro.
Em 2001, Beraba fez uma série de entrevistas com Bahia para um projeto de história oral, e ambos se aproximaram. "Ele foi muito importante na imprensa do Rio, parte de uma geração que mudou a maneira de fazer jornal nas décadas de 1950, 1960 e 1970", afirma.
O carioca Bahia iniciou sua carreira como repórter no Correio da Manhã, passando depois pela revista Visão e pelos jornais O Globo e Jornal do Brasil. Em todos estes veículos, exerceu funções de comando nas editorias de opinião.
Chegou à Folha em 1975, onde manteve coluna na página 2 e escrevia artigos para diversas áreas do jornal.
"Quando passei a integrar o conselho editorial da Folha, ele era composto por um conjunto de grandes jornalistas, alguns dos quais tinham inclusive dirigido alguns dos mais importantes periódicos do Brasil", diz o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, que foi contemporâneo de Bahia no órgão. "Era brilhante como escritor e perspicaz nas suas observações", diz.
Bahia também exerceu diversas funções públicas fora do jornalismo. Foi conselheiro do então BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) nos anos 1960,e depois chefe de gabinete do governador Negrão de Lima, da Guanabara. Nos anos 1980, tornou-se conselheiro do Tribunal de Contas do Município do Rio.
Culto, destacava-se em reuniões da Folha pela capacidade analítica. "Havia alguns almoços do conselho editorial, e ele tinha um grande talento para a análise da conjuntura política", lembra Marcelo Coelho, atualmente colunista do jornal e que também fez parte do conselho editorial.
Entre os livros que escreveu, um dos mais conhecidos é "Soberania, Guerra e Paz" (ed. Zahar), de 1978, em que Bahia analisa conceitos de política externa como imperialismo e nacionalismo. Por essa obra, foi agraciado pelo governo federal com a Ordem de Rio Branco.
Escreveu também sobre espiritismo e catolicismo. Um de seus livros foi resenhado por Coelho. "A resenha foi delicada de fazer. Lembro-me de assinalar que o autor manifestava simpatias por ‘uma versão refinada do kardecismo’. Ele gostou, me disse que o texto havia sido uma ‘obra de relojoaria’", conta.
Nos anos 1980, já sexagenário, Bahia acompanhou a reformulação da Folha promovida por jovens liderados por Otavio Frias Filho (1957-2018), que transformaram o jornal no maior e mais influente do país.
Às novas gerações, pregava que a linha editorial de um jornal deveria reunir três características, que havia aprendido décadas atrás, ainda no Correio da Manhã: conservador em matéria econômica, aberto em matéria política e revolucionário na área cultural.
Ao morrer, foi homenageado numa coluna na Folha pelo amigo Carlos Heitor Cony (1926-2018), da mesma geração que marcou o jornalismo fluminense.
"Com sua vasta cabeleira revolta, que os anos tornaram maravilhosamente branca, Bahia foi um profissional que honrou o jornalismo e encantou aqueles que trabalharam e conviveram com ele", disse.
RAIO-X
Luiz Alberto Bahia (1923-2005)
Nascido no Rio de Janeiro, formou-se em direito e trabalhou como arquivista no Itamaraty; no jornalismo, começou no Correio da Manhã, e depois passou por Visão, O Globo e Jornal do Brasil, até chegar à Folha em 1975; no jornal, foi membro do conselho editorial e colunista
Este texto faz parte do projeto Humanos da Folha, que apresenta perfis de profissionais que fizeram história no jornal.
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