Dimenstein se voltou para ações sociais após fase como repórter investigativo

Jornalista revelou escândalo do governo Sarney e cobriu exploração sexual infantil na Amazônia

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São Paulo

Na virada dos anos 1980 para os 1990, quase todos os dias, lá pelas 17h, tocava o telefone do jornalista responsável por editar a Primeira Página da Folha.

"Oi, tudo bem? Aqui é o Gilberto", dizia Gilberto Dimenstein, direto da sucursal de Brasília. "Está precisando de uma manchete? Tenho uma sugestão."

retrato colorido de homem branco vestindo terno e gravata, sentado e segurando o queixo com uma das mãos. ele usa óculos de aros de acrílico transparente e olha para frente
Gilberto Dimenstein, jornalista e presidente da ONG Cidade Escola Aprendiz - Ailton de Freitas - 8.mar.1993/Folhapress

Em geral, a resposta era sim. E dessa forma Dimenstein —que, mais tarde, se dedicaria ao jornalismo de causas sociais— emplacava manchetes dia após dia, com suas reportagens que integravam séries, a maioria sobre corrupção nos corredores da capital, e que lhe renderam dois prêmios Esso, dois prêmios Líbero Badaró de Imprensa e um Jabuti de não ficção, com "O Cidadão de Papel" (1993).

Entre 1988 e 1992, Leão Serva era esse jornalista da Primeira Página. "Ele ganhava muitas chamadas na capa do jornal por ligar na hora certa. E, quando eu achava que a notícia dele não era tão boa, ele oferecia outra", conta Serva.

Entre as grandes investigações políticas de Dimenstein que abalaram o país, está uma série de 1987 revelando que José Sarney havia liberado recursos para as bases eleitorais de deputados dispostos a apoiar o mandato de cinco anos para o presidente da República.

Dois anos depois, o repórter iluminou os bastidores da diplomacia brasileira e do Ministério das Relações Exteriores, o que lhe rendeu o livro "Conexão Cabo Frio - Escândalo no Itamaraty", uma das muitas obras que lançou.

Outro livro importante de Dimenstein foi "Meninas da Noite - A Prostituição de Meninas Escravas no Brasil", escrito em 1991 e 1992, quando ele recebeu uma bolsa de estudos da MacArthur Foundation para apurar informações sobre prostituição infantil na Amazônia.

Dimenstein trabalhou na Folha por 28 anos, de 1985 a 2013. Além de diretor da sucursal de Brasília, foi correspondente em Nova York, colunista e membro do conselho editorial de 1992 a 2013.

Passou ainda por CBN, Jornal do Brasil, O Globo, Correio Braziliense, Última Hora, Veja e Revista Visão.
No Jornal do Brasil, antes de chegar à Folha, foi contratado por Ricardo Noblat para ser repórter em Brasília.

"Ele tinha um texto muito bom, esse foi um dos pontos em que se destacou. Com poucas informações, tinha a capacidade de contextualizar os fatos muito bem e transformar aquela matéria no número de linhas que quisesse", conta Noblat, que chefiava a sucursal do Jornal do Brasil no início dos anos 1980.

A carreira de Dimenstein sofreu uma guinada entre os anos de 1995 e 1998, quando ele foi acadêmico visitante do programa de direitos humanos da Universidade Columbia (EUA).

"Dimenstein foi um jornalista de duas dentições", avalia Leão Serva. "O repórter que volta dos Estados Unidos vê o jornalismo como indutor de políticas públicas que possam melhorar o país."

Começava aí uma carreira voltada para ações sociais, que, na Folha, Dimenstein exerceria principalmente por meio de sua coluna no jornal.

Fora dele, o jornalista criaria o site Catraca Livre, que agrupava eventos culturais gratuitos da cidade, e o projeto educacional Aprendiz.

Deste último, nasceu o programa bairro-escola, replicado pelo mundo com ajuda do Unicef e da Unesco. O projeto foi considerado referência mundial e "um exemplo de inovação comunitária" pela Universidade Harvard.

"A forma como ele operava o trabalho social foi muito mais conhecida no mundo do que aqui no Brasil", afirma Serva, lembrando, por exemplo, que Dimenstein foi convidado por George W. Bush a falar na Casa Branca e, depois, o presidente americano visitou o projeto Aprendiz em São Paulo.

O jornalista também foi presidente do conselho da Orquestra Sinfônica de Heliópolis, em São Paulo.
Pouco antes de morrer no ano passado, aos 63, devido a um câncer de pâncreas, Dimenstein escreveu: "A música que ajuda a combater meu câncer é tocada pela Orquestra Sinfônica Heliópolis. Não só pela sua excelência, mas especialmente porque sou voluntário do projeto. E vejo o milagre da educação —o que me faz mais conectado à vida".

Com sua mulher, Anna Penido, escreveu o relato autobiográfico "Os Últimos Melhores Dias de Minha Vida" (Record, R$ 44,90, 140 págs.)

Gilberto Dimenstein (1956-2020)

Nascido em família de origem judaica, em São Paulo, era filho de um pernambucano e de uma paraense. Formou-se em jornalismo na faculdade Cásper Líbero e começou a trabalhar na Folha em 1985. Foi repórter de política, diretor da sucursal de Brasília, correspondente em Nova York e colunista, além de membro do conselho editorial. Saiu do jornal em 2013 para se dedicar a ações sociais e a projetos como o site Catraca Livre e o programa educativo Aprendiz.

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