Precisamos desenvolver uma cultura de cuidado

Fórum internacional discute cuidado e futuro do envelhecimento em meio à pandemia

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Alexandre Kalache

Médico gerontólogo, presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil (ILC-BR)​

As duas últimas sessões do 9º Fórum Internacional da Longevidade tiveram como temas o futuro do envelhecimento —em evento presencial em Londres, coorganizado pelo Centro Internacional de Longevidade do Reino Unido— e o desenvolvimento de uma cultura de cuidado, abordado no webinário final.

As duas sessões se complementaram, tendo como pano de fundo a pandemia do coronavírus, que não parece ter pressa em nos deixar. Destaco a seguir algumas das reflexões mais importantes apresentadas nos debates.

A corrente pandemia pode ser apenas um ensaio de outras a se seguirem. Uma cultura do cuidado implica também cuidar do meio ambiente onde vivemos. A mãe natureza tem um compromisso com a vida, mas não necessariamente a humana.

A forma como passamos a tratar a Terra coloca todos nós sob risco. Avisos têm sido ignorados, embora o arsenal de agentes biológicos que podem rapidamente nos aniquilar seja potente.

Quando a ameaça é intrinsecamente global, ninguém pode ser abandonado. Vírus desconhecem fronteiras. Enquanto milhões de doses de imunizantes são descartadas em países ricos por não serem mais válidas, em outros a carência por vacinas é quase absoluta. Como consequência, novas variantes surgem e geram ciclos viciosos.

Cuidar dos mais vulneráveis é imprescindível. O que define o nível civilizatório de qualquer sociedade é a forma como ela cuida de si mesma.

duas mulheres brancas estão em um jardim com muitas árvores em um dia ensolarado. elas se abraçam e sorriem
Em meio à crise sanitária, necessidade de amparo leva a maior aproximação de famílias. Noemia Coentro Bastos e Tania Bastos Momesso, mãe e filha, passaram a morar juntas no início da pandemia - Eduardo Knapp - 12.abr.2021

Entre os mais vulneráveis, estão sempre as pessoas idosas dependentes e fragilizadas. Assistimos perplexos como, no contexto da pandemia, sociedades ricas e supostamente sofisticadas deram as costas a seus idosos frágeis, sobretudo, mas não só, os institucionalizados.

Cuidar de quem cuida deveria ser axiomático. No entanto, entre as ocupações menos privilegiadas e valorizadas mundo afora, estão as relacionadas ao cuidado. De um lado, por serem predominantemente femininas e pouco regulamentadas. De outro, por falta de treinamento adequado.

Há uma carência de quase 30.000 médicos geriatras no Brasil, que não supriremos a curto ou médio prazo. Todos os profissionais da saúde, portanto, deveriam ser treinados para cuidar adequadamente de pacientes idosos.

Comunicamos nossas ideias, atitudes e condutas por meio da linguagem, que segue sendo eminentemente idadista. Uma das palestras centrais do fórum foi proferida por Ashton Applewhite, acadêmica e ativista americana, uma das vozes internacionais mais respeitadas quando o assunto é idadismo.

Por que não inverter a ênfase?, ela questiona. Em vez de nos alarmarmos, dizendo que, em breve, teremos mais pessoas idosas do que crianças de até 15 anos, por que não celebrar o fato de que, em breve, teremos uma pessoa idosa para cada jovem, orientando-o, inspirando-o?

Por que empregar paralelos apocalíticos para o envelhecimento populacional, como "tsunami prateado", quando sabemos que um tsunami é uma força incontrolável e destruidora, ou seja, sem nada de positivo?

Ashton citou um estudo recente da Associação Americana de Aposentados (Aarp), a maior organização não governamental e não partidária dos EUA, com 38 milhões de membros e voltada para ajudar as pessoas a envelhecer da maneira que lhes pareça preferível. De acordo com esse estudo, as atitudes idadistas custam ao país US$ 850 bilhões anualmente.

Qual seria o custo equivalente em nosso país, talvez ainda mais preconceituoso em relação ao envelhecimento?

SÉRIE DISCUTE QUESTÕES DA LONGEVIDADE

A seção Como Chegar Bem aos 100 é dedicada à longevidade e integra os projetos ligados ao centenário da Folha, celebrado neste ano de 2021. A curadoria da série é do médico gerontólogo Alexandre Kalache, ex-diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da OMS (Organização Mundial da Saúde).​

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