Samuel Wainer encerrou sua carreira como colunista da Folha

Fundador do jornal Última Hora foi um dos nomes mais importantes da imprensa brasileira no século 20

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João Wainer

Cineasta e fotógrafo, é neto do jornalista Samuel Wainer (1910-1980)

São Paulo

No dia 2 de setembro de 1980, as rotativas da Barão de Limeira imprimiram pela última vez as iniciais SW ao pé de um artigo, que falava sobre as conquistas dos trabalhadores liderados pelo sindicalista Lech Walesa na Polônia.

Naquela manhã, enquanto as Kombis e as motos da Folha ainda cruzavam a cidade entregando os exemplares daquela edição, às 8h05, meu avô Samuel Wainer, que assinava diariamente uma coluna de opinião na página 2 do jornal, morreu por complicações respiratórias no hospital Albert Einstein, em São Paulo.

retrato em preto e branco de homem branco idoso, com cabelo e bigodes brancos, vestindo terno e sentado diante de uma máquina de escrever
O jornalista Samuel Wainer na Redação da Folha, em 1980 - Folhapress

Eu tinha 4 anos e não sei se as lembranças que guardo daquela figura de sobrancelhas grossas, olhos azuis e cabelos brancos são reais ou projetadas.

Sei apenas que, 16 anos depois, comecei a trabalhar como fotógrafo nesse mesmo jornal. Foi nos corredores da Redação em que meu avô terminou sua carreira que eu comecei a minha e descobri com a ajuda de meus colegas mais velhos quem foi ele, o que representou para o jornalismo, para o país e para esse jornal.

A Folha comprou a Última Hora de São Paulo em 1965 e o do Rio em 1971. A cadeia de jornais fundada por meu avô havia sido esmagada pela ditadura militar por ter sido o único entre os grandes veículos que não apoiou o golpe de 1964.

Nove anos depois, em 1973, voltando do exílio e ainda se recuperando do golpe, Samuel aceitou o convite de Octavio Frias de Oliveira (1912-2007) para assumir a direção de Redação do jornal do qual já tinha sido dono.

carteirinha antiga de trabalho está amarelada e tem foto 3x4 em preto e branco de homem idoso, vestindo terno e com rosto sério
Crachá de Samuel Wainer quando era diretor de Redação da Última Hora na fase em que o jornal pertencia ao grupo Folha - João Wainer/Folhapress

Como já havia feito em muitos outros momentos de sua trajetória, montou um time com nomes que se tornaram conhecidos algum tempo depois, como Mário Prata, Marta Góes, Plínio Marcos, Eduardo Suplicy, Antonio Bivar e José Miguel Wisnik.

Em pouco tempo, a Última Hora, agora parte do Grupo Folha, recuperou o prestígio perdido. Depois de um ano, Samuel deixou o cargo e começou o projeto de um novo jornal, o Aqui São Paulo, criado para ser uma espécie de Time Out brasileira, mas que durou muito pouco tempo, novamente boicotado pela ditadura que ainda vigorava.

Em 2003, durante uma reportagem, embarquei em um submarino da Marinha brasileira ao lado do ex-diretor de Redação da Folha Otavio Frias Filho (1957-2018). Em um cilindro sem janelas no fundo do mar, me lembro de ouvir outras histórias, dessa vez sobre a volta do meu avô para a Folha em 1977, no período em que Otavio estava começando sua trajetória no jornal.

Samuel e Cláudio Abramo, então diretor de Redação da Folha, estavam brigados desde 1963, o que não foi empecilho para Abramo entrar de surpresa na Redação do Aqui São Paulo, como conta a colunista da Folha Karla Monteiro na excelente biografia "O Homem que Estava Lá" (ed. Companhia das Letras).

Em vez de uma discussão, o que houve foi um convite para que Samuel fizesse parte do novo projeto que Abramo vinha desenhando para a Folha, assumindo uma das colunas diárias de opinião que preenchiam a recém-criada página 2 e posteriormente uma vaga no conselho editorial.

A Folha foi a última casa de um dos homens mais poderosos do país, que morreu levando uma vida simples, vivendo do salário de repórter, que ele nunca deixou de ser.

Como herança, ficou algo muito maior do que bens. O legado de um homem que veio de baixo, viveu intensamente e, em meio a controvérsias, caminhou sempre para o lado certo.

RAIO-X
Samuel Wainer (1912-1980)

Nascido na Bessarábia (atual Moldávia), era garoto quando sua família veio para São Paulo. Começou a carreira no Diário de Notícias e, em 1938, lançou a revista Diretrizes. Depois de alguns anos nos Diários Associados, fundou seu próprio jornal, Última Hora, em 1951.

Em 1977, tornou-se colunista da Folha, colaborando com o jornal até sua morte, em 1980.

Este texto faz parte do projeto Humanos da Folha, que apresenta perfis de profissionais que fizeram história no jornal.

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