Chiquinho distribui pipoca e bom humor há quase 40 anos

Querido por todos, ele ganhou viagem a Paris após vaquinha feita pela Redação

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São Paulo

"Eu era o e-mail", diz Chiquinho, para explicar um pouco de seu trabalho na Folha, trabalho esse que logo completará quatro décadas.

Os comunicados, protocolos, avisos e atas de reunião, que hoje são enviados via correio eletrônico, no século passado eram carregados pelas mãos de Chiquinho através da Redação. "Aquela Redação antiga, cheia de fumaça e cinzeiros", lembra ele, com um misto de saudosismo e alívio.

Carregando a papelada da chefia para os repórteres, dos editores para a chefia, Chiquinho foi por décadas o auxiliar de Otavio Frias Filho (1957-2018). Mas não só.

retrato de Chiquinho. homem negro, ele veste camisa azul com as mangas dobradas no braço, está posando para foto apoiado em um corrimão laranja e sorri olhando para o horizonte
Chiquinho Damasceno, auxiliar de Redação, trabalha há 38 anos na Folha - Bruno Santos - 11.fev.2022/ Folhapress

Nenhum jornalista que tenha passado pela Folha desde 1984 deixará de lembrar o bom humor, a delicadeza, a pipoca e o quentão, marcas de Chiquinho.

A pipoca, ele fazia em casa pela manhã, esquentava no micro-ondas do jornal e distribuía pelas mesas de trabalho, sempre às sextas-feiras. O quentão acontecia em junho, para lembrar as festas de São João. Já o bom humor e a delicadeza estavam lá —e ainda estão— 365 dias por ano.

Baiano de Irará, terra de Tom Zé ("minha mãe foi colega dele na escola"), Francisco Pereira Damasceno havia chegado a São Paulo novinho, com 16 anos.

"Trabalhei em padaria, supermercado, confeitaria etc. Mas sempre morei em Higienópolis, Santa Cecília, nessa região. Sempre pertinho da Folha."

Treze anos depois de sair de Irará, uma amiga que trabalhava na diagramação do jornal contou a ele sobre uma vaga na equipe de manutenção. Foi indicado e aceito. Passou, então, a fazer parte da turma de limpeza.

"Um dia, o Otavio passou no corredor e me viu limpando uma janela. Depois, disse para a secretária dele: ‘Por que não convidamos aquele menino para trabalhar com a gente na Secretaria de Redação?’. E assim foi, sem mais explicações."

Otavio, que sempre recebia a pipoca, mas jamais o quentão, gostava de conversar com Chiquinho. Especialmente nos finais de semana, quando a Redação estava mais tranquila.

"O Otavio era fechado, mas não comigo. Aos sábados, ele me chamava na sala dele e dizia, para puxar assunto: ‘Você não sabe todas as fofocas daqui? Conta aí para mim’."

retrato de Chiquinho sorrindo
Chiquinho Damasceno na Redação da Folha, em São Paulo (SP) - Bruno Santos - 11.fev.2022/Folhapress

Querido por todos, Chiquinho acumulava funções na Redação. No início da TV paga, por exemplo, quando os televisores do jornal ainda funcionavam com parabólicas, ele ia para a cobertura do prédio ajustar as antenas para que os jornalistas pudessem acompanhar sem chuvisco os programas que precisavam cobrir.

Em 1999, uma surpresa mudou a vida de Francisco Damasceno. Os jornalistas todos ouviam sempre dele que seu sonho era conhecer a capital francesa. "Eu amava ver as fotos de Paris, dizia sempre comigo mesmo que um dia eu iria."

Pois foi. A Redação fez uma vaquinha para que Chiquinho realizasse seu sonho, sua primeira e até hoje única viagem internacional. "Até gente que já havia saído do jornal participou, de tão conhecido eu era na Redação", lembra ele, sem disfarçar o orgulho.

A entrega do presente reuniu centenas de jornalistas, o que fez Otavio comentar com ele: "Essa Redação nunca parou para ninguém, Chiquinho. E ela parou para você. Parabéns".

"Foi muita emoção", resume Chiquinho. E a viagem foi tudo o que ele esperava. "Fui e voltei de executiva na Air France", ele rememora.

O então correspondente da Folha na França, Haroldo Ceravolo Sereza, foi buscá-lo no aeroporto.
"Depois jantamos e ele me mostrou muitos lugares da cidade. Também encontrei alguns amigos que conhecia daqui de São Paulo. Foram 12 dias em hotel, vi a Mona Lisa, passeei pelos palácios. E ainda sobrou dinheiro."

Em Paris, ele aprofundou sua alma europeia. Pois poucos sabem que Chiquinho é fã de música clássica —Paganini, Mozart e Beethoven são seus favoritos—, bate ponto nos concertos gratuitos da Sala São Paulo e do Theatro Municipal e adora pintar. Quanto a essa última arte, ele se especializou em copiar quadros dos grandes mestres das tintas.

Refazer as telas de Tarsila do Amaral e de Pablo Picasso é um de seus hobbies preferidos. "Já copiei muito Van Gogh também", revela ele, que usa basicamente dois suportes: telas ou panos de prato com as obras, tudo para presentear os amigos. E não é essa sua única ocupação aos fins de semana.

"Costuro bolsas de retalhos, tipo patchwork, e adoro fazer bonecas. Faço o cabelo, a carinha, as roupas, uso enchimento de travesseiro. Minhas preferidas são as de bailarina."

Aposentado há quatro anos, mas sem ter deixado o emprego, ele pensa que, em breve, pode montar um pequeno ateliê, quando parar mesmo de trabalhar.

Só teve uma coisa que Chiquinho não quis contar nesta entrevista: as fofocas da Redação. "Deus me livre", se escandaliza. "Se eu falar tudo o que sei, tenho que sair do Brasil... Mas até que pode ser bom porque aí vou morar em Paris."

raio-x

Francisco Pereira Damasceno, 65 anos

O baiano Chiquinho entrou na Folha em meados dos anos 1980, na equipe de limpeza. Logo, porém, foi convidado para ser auxiliar da Secretaria de Redação. Levando e trazendo documentos para jornalistas, tornou-se uma das figuras mais queridas da empresa, na qual trabalha até hoje, mesmo depois de aposentado.

103 Humanos da Folha

O texto sobre Chiquinho encerra o projeto Humanos da Folha, que integrou as celebrações do centenário do jornal. Ao longo de dois anos, foram publicados 103 perfis de profissionais que tiveram atuação marcante na história da empresa. Um dos critérios para a escolha dos homenageados era que já não estivessem trabalhando no jornal —para Chiquinho, ainda na ativa na Folha, abriu-se uma exceção. Leia outros textos clicando aqui.

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