'Ilustrada foi o meu Vietnã', diz Maria Ercilia

Jornalista chefiou caderno de cultura da Folha por pouco mais de um ano e teve coluna dedicada à internet no início dos anos 1990

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São Paulo

Em um almoço organizado alguns meses antes da pandemia para reunir ex-editores da Ilustrada, o caderno de cultura da Folha, ao qual compareceram Marcos Augusto Gonçalves (hoje editor da Ilustríssima), Sérgio Dávila (diretor de Redação da Folha), Caio Túlio Costa (sócio-diretor da Torabit, empresa de monitoramento de dados), Matinas Suzuki Jr. (diretor de operações da Companhia das Letras), entre outros, Maria Ercilia se reconheceu no discurso de vários colegas.

mulher branca sentada numa cadeira azul. Ela chama Maria Ercília e usa uma camiseta de manga comprida preta e calça jeans. Ela está com o braço esquerdo apoiado numa mesa cheia de folhas e com a mão direita segura o telefone no ouvido
A jornalista Maria Ercilia na Redação da Folha na década de 1990 - Folhapress

"O Caio Túlio começou a contar como ele chegou à Ilustrada. Disse que não entendeu o que Otavio Frias Filho (ex-diretor de Redação da Folha, morto em 2018) tinha visto nele e teve a sensação de ter caído de paraquedas", lembrou Maria Ercilia.

"Depois o Matinas contou a história dele, era assim também, ele estava fazendo outra coisa, e o Otavio o convocou para editar a Ilustrada. Comigo foi exatamente dessa maneira, eu nunca entendi o que o Otavio viu em mim", confessa.

Maria Ercilia entrou na Folha aos 23 anos, em 1989. Foi o seu primeiro emprego de carteira assinada. Formada em letras na USP, era amiga do então secretário de Redação Matinas Suzuki, que a indicou para o colega Marcos Augusto Gonçalves, na época editor do caderno Folha d', que saía aos domingos. Ele a entrevistou e ofereceu uma vaga de redatora.

"A equipe só tinha gente boa e experiente, nomes como Bernardo Carvalho, Wagner Carelli e Nelson Blecher. E eu, que não tinha passado por nenhum treino, não era formada em jornalismo, muita coisa eu simplesmente não sabia fazer", lembra. Mas foi metendo a cara, sugerindo pautas, fazendo entrevistas. "O meu primeiro ano na Folha foi um sonho".

E, então, eis que acontece um dos episódios mais folclóricos da história do jornal. Em 1990, o editor da Ilustrada saiu de férias e... Nunca mais voltou.

Era Jorge Caldeira, conhecido pelos colegas como Cafu, hoje um renomado autor de livros, como "Mauá, Empresário do Império" e "História da Riqueza no Brasil". O caderno, diário, ficou sem comando de uma hora para outra. Foi aí que Otavio convidou Maria Ercilia para assumir o cargo.

"Fiz poucas coisas inovadoras, eu era muito verde ainda, mas sempre fui boa para reconhecer o zeitgeist e achava que tinha uma revolução de costumes acontecendo e queria trazer para a Ilustrada", conta.

"Minha equipe era toda mais velha do que eu, sofri muita rejeição", lembra. "Mas tinha uma menina ótima, que escrevia sobre dança e frequentava a noite gay de São Paulo, ia para a Redação com as mesmas roupas com que saía à noite, toda montada. Achei que ela era a pessoa que podia trazer essa mudança de comportamento para o caderno", conta.

Essa menina era a jornalista Erika Palomino, hoje diretora de comunicação do Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro, autora da coluna Noite Ilustrada, que existiu de 1992 a 2005 e transformou completamente a cobertura da noite paulistana.

Com um texto informal e cheio de gírias, passou a falar de pessoas que não eram nem ricas, nem artistas, nem famosas. O underground chegava à Ilustrada. Aos poucos, Erika foi abraçando também o mundo da moda, até que a Ilustrada virou o principal veículo da grande mídia com uma cobertura consistente das temporadas internacionais de desfiles.

Mas não foi sem oposição, de dentro e de fora da Redação, que Maria Ercilia e Erika conquistaram esse espaço. "O ombudsman escreveu uma coluna detonando a 'Noite Ilustrada', depois que um jornalista do Notícias Populares escreveu um texto supermachista contra a coluna. No começo, ninguém entendia direito o que era aquilo", diz.

A pressão de editar um caderno diário acabou sendo demais para Maria Ercilia, que começava a se interessar por um assunto incipiente, para o qual quase ninguém ainda dava atenção, a internet. "Tive uma conversa com o Otavio e decidimos, em comum acordo, que estava na hora de eu tentar outra coisa no jornal", lembra.

"Todo mundo que tem uma carreira interessante tem um momento que é o seu Vietnã. A Ilustrada foi o meu Vietnã", afirma.

Na equipe de outro caderno dominical, o Mais!, Maria Ercilia se viu com mais tempo livre para pesquisar sobre a internet, o que mudou sua carreira e sua vida para sempre. Como editora-assistente, pautou e editou uma das primeiras grandes reportagens do Brasil sobre a rede mundial de computadores, escrita pelo repórter Fernando Canzian. Depois, teve uma coluna semanal sobre o tema.

Em 1995, foi convidada para fazer parte da equipe que lançaria o UOL no ano seguinte. E, 19 anos atrás, decidiu fundar sua própria empresa, a Try, que teve justamente o UOL como primeiro cliente, para o qual testava os novos produtos. "Eu não sabia direito o que ia fazer da vida, quanto tempo essa aventura ia durar, mas fui me apaixonando pelo processo enquanto ele acontecia", afirma.

Em 2014, 60% da Try foi comprada pela agência de publicidade J. Walter Thompson (atualmente ​Wunderman Thompson). Hoje, Maria Ercilia emprega 92 pessoas. E ampliou seu portfólio. Faz também pesquisa de produtos, arquitetura da informação, monta protótipos, faz design gráfico e branding. "É um tipo de empresa que tem muito no mercado hoje em dia, tem multinacionais enormes, mas quando eu abri, só tinha a minha", diz ela.

"Sempre fui mais nerd do que jornalista."

raio-x

Maria Ercilia Galvão Bueno, 55

Formada em letras, começou a trabalhar no jornal como redatora em 1989 e, um ano depois, assumiu o cargo de editora da Ilustrada. Depois de atuar como editora de internet na Folha, ela trabalhou no UOL e no BOL. Fundou a Try Consultoria em 2003.

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