Mário Magalhães colecionou prêmios como repórter

Oitavo ombudsman da Folha, ele é autor de "Marighella" e trabalha em biografia de Carlos Lacerda

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Brasília

O jornalista e escritor Mário Magalhães, 57, afirma que o melhor trabalho de seus 36 anos de profissão ocorreu no período em que, nos anos 1990, ele fez na Folha a cobertura jornalística do São Paulo de Telê Santana (1931-2006), o mítico técnico da seleção brasileira da Copa de 1982.

"Chegava aos treinos no inverno, um frio desgraçado, ficava à beira do campo e pensava: 'Pobre dos jornalistas que hoje vão ter que ir para a Bolsa de Valores cobrir o pregão'."

Tendo se destacado inicialmente na cobertura esportiva, Mário seria o responsável nos anos seguintes por uma sequência de premiadas reportagens e livros, além de ser o oitavo ombudsman da Folha, de abril de 2007 a abril de 2008.

O jornalista Mário Magalhães em canavial na cidade de Serrana (SP), durante apuração da reportagem que fez em parceria com o repórter-fotográfico Joel Silva, em 2008, e que ganhou sete prêmios - Joel Silva - 11.jul.2008/Folhapress

Nascido no Rio de Janeiro, ele trabalhou na Tribuna da Imprensa, em O Estado de S. Paulo e O Globo, além de auxiliar Fernando Morais na biografia do barão da imprensa Assis Chateaubriand (1892-1968), antes de ingressar na Folha, em 1991.

Em 1994, transferiu-se para a sucursal do Rio, onde conheceu a jornalista Fernanda da Escóssia. "Ela tinha 21 anos, e eu 29. Começamos a namorar, nos casamos em maio de 1996 e estamos juntos até hoje."

É mais ou menos nessa época que trabalhou com três colegas que o marcaram. "O melhor editor, o mais talentoso e ousado que eu tive na vida, se chama Melchiades Filho [então editor de Esporte]. O melhor chefe, Josias de Souza [então secretário de Redação]. E o jornalista mais criativo, Matinas Suzuki Jr. [então editor-executivo]".

Melchiades e Josias teriam papel fundamental em duas grandes reportagens que marcariam sua carreira.

Em 1998, foi publicado "Era Havelange", um especial de cerca de 100 mil caracteres e 12 páginas com o perfil biográfico e histórias secretas do maior cartola do século 20.

Primeira página do caderno especial da Folha com a foto do então presidente da Fifa, João Havelange
Primeira página do caderno especial de 12 páginas que a Folha publicou com a história de João Havelange, em 1988. O perfil, ideia do então editor de Esporte, Melchiades Filho, renderia a Mário Magalhães o convite para integrar o quadro de repórteres especiais do jornal - Reprodução

Melchiades Filho foi o autor da ideia da pauta, que destoava do Projeto Folha no sentido da esquematização objetiva dos textos.

"Quando o conheci, Magal [apelido de Mário] estava insatisfeito com a Folha, com o que faziam os concorrentes e com o próprio trabalho. Ele queria fazer muito mais e fazer diferente", afirma Melchiades.

O então editor ressalta que "Era Havelange" foi um desafio ao status quo do futebol e da crônica esportiva "porque à época Havelange ainda era incensado no Brasil como o arquiteto da expansão global do futebol, e não percebido como o 'frontman' do esquema controverso e, sob vários aspectos, criminoso que a reportagem revelou".

De acordo com Josias, a reportagem foi decisiva para que o então diretor de Redação Otavio Frias Filho (1957-2018) promovesse Mário Magalhães à equipe de repórteres especiais.

Meses depois, Josias direcionaria a Mário uma pauta que, ao final, renderia à Folha o prêmio Esso, então a maior honraria do mundo jornalístico.

Tratava-se de revisitar o caso das mortes de PC Farias, ex-tesoureiro de Fernando Collor, e de sua namorada, Suzana Marcolino, ocorridas havia três anos.

A primeira reportagem feita por Mário, publicada em março de 1999, derrubou o laudo que sustentava a tese de que Suzana havia matado PC e tirado a própria vida em seguida. Depois disso, juntaram-se nas apurações os repórteres Paulo Peixoto e Ari Cipola (que morreu em 2004, aos 42 anos, vítima de um ataque cardíaco).

Mário diz que estabeleceu uma espécie de disfarce no início, dando a entender que estava em Maceió apurando crise financeira dos estados, para evitar pressões ou retaliações. Ideia de Janio de Freitas, colunista da Folha, com quem trabalhava na Sucursal do Rio.

A citação não é fortuita. "O Janio é um dos maiores jornalistas brasileiros de todos os tempos", diz, lembrando que em 2018 fez, ao lado de Fernanda da Escóssia, 20 sessões de entrevistas com o colunista, totalizando 60 horas de depoimento gravado.

Em 2003, Mário deixou a Folha para se dedicar à biografia de Carlos Marighella (1911-1969) —lançado pela Companhia das Letras em 2012, o livro venceu o prêmio Jabuti e foi adaptado para o cinema por Wagner Moura.

De volta anos depois, foi convidado por Otavio para ser ombudsman. "Ao saber da notícia, minha filha Maria, que tinha 17 anos na época, falou: 'Não acredito, você vai ganhar para ler e comentar jornal, que é o que você faz o dia inteiro?'."

Mário diz que esse talvez tenha sido o ano em que mais teve lições de jornalismo. Por discordar da decisão do jornal de não mais publicar a crítica diária fora do âmbito interno, não renovou o mandato.

"Acho que a coluna de despedida explica tudo [segundo ele, o jornal argumentava que a concorrência estaria se aproveitando de suas ideias e sugestões]. Reitero, como então escrevi: 'A não renovação do mandato é legítima, respeita a Constituição do jornal'." afirmou Mário.

Mário Magalhães às vésperas de assumir o cargo de ombudsman da Folha, em 2007 - Ana Carolina Fernandes - 30.mar.2007/Folhapress

De volta ao dia a dia da Redação, em 2008, ele diz se recordar da angústia comum a repórteres que ficam por um tempo afastados, o de provar a si mesmos que não ficaram enferrujados.

Como analogia, lembrou a história —narrada em "O Reino e o Poder", de Gay Talese— do ex-correspondente do New York Times em Moscou Harrison Salisbury. De volta à Redação nos EUA, ele recebeu uma pauta vista como desimportante e direcionada a "baixar a crista" de medalhões recém-chegados, uma reportagem sobre lixo e entulho na cidade.

"Sua reação foi imediata: ele faria daquilo a maior matéria sobre lixo da história do New York Times. E fez", relata Talese no livro.

A partir de uma ideia inicial da então secretária de Redação Eleonora de Lucena, Mário produziu "Os Anti-Heróis, o Submundo da Cana", em parceria com o repórter-fotográfico Joel Silva, que assinou não só os créditos das fotos, mas também o texto.

A reportagem ganhou sete prêmios, entre eles o Every Human Has Rights, concedido por ocasião do 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

"Vou tentar traduzir Mário com uma pequena história. Ele reservou um dia para contar quantos golpes de facão um cortador dá por hora para saber quantos são necessários para cortar 11 toneladas de cana por dia. Ele é uma referência de texto, de como apurar", diz Joel.

Mário continuou na Folha até janeiro de 2010. Ele afirma que, por duas vezes, foi convidado por Otavio para ser editor de política, mas recusou, alegando ser difícil deixar o Rio. "Havia um motivo suplementar: não tenho vocação para executivo, para comandar equipes. Sou repórter."

Atualmente, o jornalista escreve três newsletters semanais de crítica de conteúdo aos jornalistas do UOL —"parte de um projeto conduzido pelo Murilo Garavello [diretor de conteúdo do portal] de tornar cada vez mais qualificado e influente o jornalismo do UOL". Também trabalha na biografia do jornalista Carlos Lacerda, um dos principais políticos brasileiros do século 20.

retrato em preto e branco de Carlos Mariguella
Carlos Mariguella, fundador e dirigente nacional da Ação Libertadora Nacional (ALN), organização que optou pela luta armada para combater da ditadura militar, em São Paulo (SP) - Acervo UH/Folhapress

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MÁRIO MAGALHÃES, 57

Nasceu no Rio de Janeiro em abril de 1964. Morou dos 9 aos 19 anos em Pelotas (RS), onde se formou técnico em edificações e cursou um semestre de pedagogia. De volta ao Rio, estudou jornalismo na UFRJ. Em 1986, aos 22 anos, começou a colaborar com o jornal Tribuna da Imprensa.

Trabalhou em O Estado de S. Paulo e O Globo, antes de ingressar na Folha, no extinto caderno Folhateen, em 1991. Logo migraria para a editoria de Esporte, onde foi setorista do São Paulo e da seleção brasileira. Transferiu-se em 1994 para a Sucursal do Rio, e em 1998 passou a repórter especial. Em 2003, deixou a Folha para se dedicar à biografia de Carlos Marighella. Manteve nos anos seguintes uma coluna de futebol no jornal.

Voltou ao dia a dia da Redação, na sucursal do Rio, em 2006. De abril de 2007 a abril de 2008 foi o oitavo ombudsman da Folha. Deixou o jornal em 2010. Atualmente se dedica à biografia de Carlos Lacerda, seu quinto livro. O primeiro dos dois volumes está previsto para 2023. Trabalha também como crítico de conteúdo do UOL, com a elaboração semanal de três newsletters internas de análise da produção jornalística do portal.

É casado há 25 anos com a também jornalista Fernanda da Escóssia (com passagens pela Folha e o Globo, ela é, atualmente, editora na revista Piauí e professora de jornalismo na UFRJ). Mário Magalhães tem três filhos, Maria, Ana e Daniel.

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