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Pioneiro caderno para jovens, Folhateen influenciou gerações e outros jornais

Suplemento que nasceu apresentando a banda do momento terminou tratando de temas mais politizados

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São Paulo

Há 31 anos, o caderno Folhateen nascia com o objetivo desafiador de atrair a atenção dos jovens da época, que andavam abandonando a leitura de jornal. Pioneiro e com um jeito inovador de falar com este público, sem subestimá-los, o suplemento acabou influenciando outros jornais a se aventurar em pautas mais descoladas.

reprodução de página de jornal traz menina jovem com cartaz feminista
Folhateen publicado no Dia Internacional da Mulher, em 8 de março de 2004, conta histórias de adolescentes feministas - Acervo Folha - 8.mar.2004

O pontapé inicial foi dado pela jornalista Suzana Singer, que criou o projeto. "No contexto geral, os jornais estavam perdendo leitores jovens e se tentava fazer alguma coisa para segurá-los".

Ela se recorda de que, anteriormente, outros suplementos tentaram fisgar esse público, mas não fizeram muito sucesso. "Tudo que se fazia não era considerado bom ou eficiente".

A fórmula "mágica", que emplacou logo de cara, foi a de um caderno com um cardápio de pautas sobre vestibular, cultura (com ênfase em música) e comportamento (especialmente sexo). Com isso, o Folhateen procurava abraçar aquele leitor que cresceu e deixou de ler a Folhinha, mas que, ao mesmo tempo, não tinha idade suficiente para acompanhar a Ilustrada.

Sugerido pelo jornalista Álvaro Pereira Júnior, o nome Folhateen foi uma brincadeira com o Folhetim, antigo suplemento cultural da Folha. A escolha caiu na graça dos leitores e, segundo Singer, foi o que ajudou o caderno a decolar.

Entregue o projeto, a primeira edição ficou nas mãos do editor André Forastieri. "Foi um projeto doidão que nunca ninguém tinha feito e que influenciou outros veículos. Depois, todo jornal tinha um espaço para o jovem".

Publicado em 18 de fevereiro de 1991, o suplemento aproveitou a onda do momento. Segundo Forastieri, as revistas jovens segmentadas ganhavam visibilidade na época, com informações frescas sobre novas bandas, astros de cinema e sexualidade.

"Havia essa movimentação do mercado editorial para o jovem no mundo das revistas. A Folha foi uma das primeiras a trazer esse conteúdo para um jornal", diz Forastieri.

Além do mais, no começo dos anos 1990 ainda não existia internet e nem MTV, logo, eram nos jornais que se encontravam informações sobre as novidades. "Se o jovem quisesse saber o que estava rolando de cinema e música no exterior ou ele comprava revistas importadas, que eram caras, ou lia os jornais que informavam sobre isso", diz Singer.

Apesar de o caderno ter em seu projeto inicial o objetivo de atrair a faixa etária de 15 a 18 anos, o público de 30, 35 anos também lia. Segundo Forastieri, isso se deu porque o Folhateen trazia uma leveza de pautas e um ar mais descontraído, que fazia com que leitores mais velhos o apreciassem também.

Para Sylvia Colombo, que foi editora no começo dos anos 2000, vivemos em uma época em que a adolescência é mais longa. "As pessoas gostam de se sentir adolescentes até muito mais velhas. E os colunistas conseguiam chegar nos jovens, mas também no público mais velho".

Nas últimas edições do Folhateen, esse tipo de leitor foi o que segurou o caderno, segundo Ricardo Mioto, último editor do suplemento. "A internet em 2010 e 2011 já existia há muito tempo, mas esse público um pouquinho mais velho ainda lia o Folhateen, mais do que aquele jovem de 13 e 14 anos que já havíamos perdido a essa altura".

Ao longo dos 20 anos de existência do caderno, muitos editores passaram por ele e cada um, a seu modo, procurou imprimir o seu estilo.

Bell Kranz, por exemplo, que editou de 1996 a 1999, procurou trazer matérias de impacto em que conteúdo e forma tinham a mesma importância, nas palavras dela. "Fizemos uma matéria forte sobre doença venérea em que colocamos fotos de pereba [na edição]. Não dava só para ficar falando que HPV existia,
tinha que mostrar", diz.

Um dos grandes trunfos do Folhateen na época, segundo Kranz, foi ter criado o grupo de apoio, que consistia em uma equipe de quatro a cinco jovens leitores que se reuniam semanalmente, durante um mês, para discutir a última edição e o que gostariam de ver nas próximas.

"Foi tão importante que diversos leitores que fizeram parte da equipe de apoio viraram jornalistas depois", diz Kranz.

Nessas reuniões, os adolescentes ajudavam a pensar em pautas. Por um período, o grupo deixou de existir, mas foi revivido anos depois quando Sylvia Colombo assumiu a edição.

"Foi muito bacana porque fazíamos reuniões semanais no jornal, e eles davam ideias só de falarem de suas vidas", diz ela. "Nós descobrimos com o 'conselhinho', por exemplo, a moda dos cosplays e fizemos uma matéria de capa".

Para Colombo, era um trabalho de muita responsabilidade falar com aquele público que estava se iniciando na leitura de jornal, mas ao mesmo tempo muito prazeroso. "Nós sempre buscávamos abarcar várias questões do universo adolescente, como emprego, saúde, dúvidas sobre política, relações
familiares e efeito das drogas."

O caderno também ficou bastante conhecido pelas colunas. Algumas tiveram vida longa, como a Escuta Aqui, sobre música, do Álvaro Pereira Júnior. "Ele era provocador e, se não me engano, bem crítico à MPB e isso dava polêmica", diz Singer.

Houve também a 02 Neurônios escrita por Jô Hallack, Nina Lemos e Raq Affonso que abordava, de forma bem-humorada, questões femininas. Além de Jairo Bouer, que escrevia sobre saúde.

Com o passar dos anos, o caderno foi perdendo o caráter exclusivo que carregava no início dos anos 1990. Com a chegada da internet, alguns poucos cliques davam acesso a informações sobre um astro do cinema ou uma banda nova. Assim, os tipos de pauta foram mudando, assim como outros suplementos culturais do jornal.

Apostas inovadoras e visualmente atraentes foram ganhando espaço. E uma das edições, inclusive, ganhou um Prêmio Esso (categoria Criação Gráfica por "Cigarro e álcool na adolescência"). "Fizemos um infográfico na página central do corpo de uma garota e os maus que o cigarro causava", diz Ivan Finotti, que editou o caderno por cerca de dois anos.

O suplemento teve uma longa vida e, recém-saído da adolescência, terminou em novembro de 2011. O último a editá-lo foi Ricardo Mioto, que se lembra com carinho do período em que esteve à frente do caderno. "Acho que foi uma das épocas mais felizes da minha vida".

Segundo Mioto, o Folhateen começou com cara de revista, apresentando a banda do momento, e foi se encaminhando para um lado de comportamento mais politizado. "Terminou mais com cara de Folha falando de sexualidade, de minorias, cotas raciais".

Em uma edição, por exemplo, o caderno fez uma matéria de capa sobre bissexualidade; em outra, levou uma crítica de gastronomia para provar a comida do bandejão da USP. "Ela escreveu que as bandejas de metal eram horríveis, e a comida mais ou menos, mas que com fome ninguém saia", lembra Mioto.

Depoimento

Por Priscila Camazano

Minha primeira reportagem foi publicada no Folhateen

Sabe o grupo de apoio de adolescentes que participavam da reunião de pauta para dar os seus "pitacos" sobre a edição? Pois bem, eu tenho o orgulho de dizer que fiz parte de um. Lá em 2004, quando tinha 18 anos e o grupo voltou a existir na gestão da editora Sylvia Colombo.

Foi um dos meus primeiros contatos com a Redação. O caderno me deu também a oportunidade de escrever e ter o primeiro texto publicado com o meu nome, em caixa alta. E sabe o que isso significa? Muito! Para uma menina negra, tímida, que mal encarava as pessoas e que tinha o sonho de ser jornalista
um dia, essa primeira oportunidade que o Folhateen me deu foi importantíssima.

E sabe o que foi mais legal? (sim, tem uma coisinha a mais). O Folhateen me ouviu e para quem é preta ser ouvida é muito precioso. E ainda me deu a oportunidade de falar sobre os meus. Generosamente, a equipe do caderno quis saber o que aquela menina estava fazendo nas horas vagas, o que ela ouvia, como ela se divertia.

E eu respondi que ouvia muita black music. Na época, estavam bombando Usher, Destiny’s Child, Nelly e tantos outros artistas negros.

página de jornal tem foto enorme de beyoncé e destaca capa de seu CD
A cantora Beyoncé, ex-Destiny's Child, lançou o álbum B'day em 2006 - Acervo Folha

Lembro que cheguei falando que todo jovem preto consumia os videoclipes daquelas músicas tanto para aprender os passos de charme quanto para copiar o estilo dos artistas. A equipe do Folhateen achou aquilo muito legal e tomou nota. No fim, a minha sugestão rendeu uma matéria de capa.

Outra contribuição que eu guardo com muito carinho foi a cobertura do show do rapper americano 50 Cent, que se apresentou pela primeira vez no Brasil no Chimera Festival. A equipe do Folhateen, sabendo do meu interesse por black music, sugeriu que eu fosse ao show e escrevesse sobre a minha experiência.

Topei na hora mesmo sentindo aquele friozinho na barriga da responsabilidade de escrever para um jornal. Assisti, escrevi, enviei e foi publicada a minha primeira reportagem da vida.

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