Brasileiro leva skates para crianças após bombardeio em centro esportivo na Ucrânia

Alysson Vitali passou 40 dias na guerra e ajudou refugiados a atravessarem fronteira como voluntário

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O gestor esportivo Alysson Vitali, 43, visitou mais de 120 países, mas nunca tinha estado em um lugar em guerra. Viajou para a Ucrânia no começo do conflito com a promessa de ajudar refugiados a partir de sua experiência como voluntário.

Sob frio intenso, transportou mulheres, crianças e idosos para a Polônia e distribuiu dez toneladas de alimentos doados. Mas foi em Butcha, depois da morte de civis por militares russos, que ele uniu sua paixão pelo esporte com o trabalho em campo.

O voluntário Allyson Vitali ajudou 80 pessoas a atravessarem a fronteira da Ucrânia com a Polônia durante a guerra
O voluntário Allyson Vitali ajudou 80 pessoas a atravessarem a fronteira da Ucrânia com a Polônia durante a guerra - Arquivo pessoal

No centro esportivo destruído pelos bombardeios, onde encontrou um calendário dos Jogos Olímpicos do Rio, Alysson doou skates para crianças se ressocializarem.

Ele conversou com a Folha de um hotel em Viena (Áustria), três horas antes de embarcar para São Paulo. O celular estava quase sem bateria e sua mala menos pesada com a chegada da primavera na Europa.

Em terras brasileiras, Alysson vai articular o envio de mais 300 skates e o apoio à reconstrução do centro de esportes de Butcha.

"No primeiro dia, fui para a fronteira da Polônia com a Ucrânia. Os militares disseram que não era uma atitude inteligente, mas para ajudar eu precisava sentir na pele o que era estar ali.

Fui a pé com os refugiados. Fazia -11ºC, não tinha o que comer ou beber, não tinha banheiro. Eu me comunicava por mímica ou com o Google Tradutor.

Cheguei na Ucrânia, dei meia-volta e peguei a estrada de volta. Foram 8h andando. Do outro lado tinha um carro e um hotel me esperando –já quem vinha para a Polônia com seus pertences, fugindo da guerra, iniciava uma nova batalha ao atravessar a fronteira.

Entendi que poderia ajudar levando mantimentos e roupas da Polônia para a Ucrânia e oferecendo carona para pessoas que queriam deixar o país. Fiz isso durante 41 dias. Retirei 80 pessoas da Ucrânia de carro. Crianças, mulheres, jovens, idosos, pessoas acamadas –só homens em idade de combate que não tirei.

Fiquei hospedado onde era possível. Dormi no carro, em hotéis, na casa de voluntários. Carregava uma mochila com o básico de roupas e o celular.

Eu e o Rodolfo Caires, meu parceiro nesse trabalho voluntário, fomos ficando conhecidos pela bandeira do Brasil. Os soldados não nos paravam em várias barreiras e tivemos informação da inteligência ucraniana sobre onde poderíamos atuar com segurança.

A terceira semana de conflito pesou. Não só fisicamente –porque aí você deita, dorme e passa– mas fiquei mentalmente abalado. O dinheiro foi ficando escasso e fizemos uma vaquinha com amigos no Brasil.

Tem aluguel do carro, seguro, combustível, acomodação, alimentação, as compras na Polônia. Foi aí que uma empresa passou a nos apoiar com dinheiro. Não adiantava doar mantimentos no Brasil, a logística ficava mais cara e muitas doações que vinham de avião se perdiam na fronteira.

Entreguei dez toneladas de alimentos para famílias na guerra. Enchia o carro com comida, remédios, fraldas, o que as pessoas pedissem.

Voltei para o Brasil no mês de abril. Em conversa com a empresa que nos ajudou, tivemos a ideia de doar skates para crianças refugiadas em escolas na Polônia. A Layback e o Pedro Barros [medalhista olímpico no skate] entendiam, assim como eu, que o esporte poderia ajudar na ressocialização dos jovens.

Eu voltei para a Polônia com 20 skates, que é o que deu para levar com o limite de carga. Não deu certo. As crianças refugiadas não tinham seguro-saúde que pudesse cobrir acidentes no esporte radical.

Mas eu não desisti. Atravessei a fronteira e levei os skates para três cidades na Ucrânia: Kiev, Lviv e Butcha. Essa última ficou mundialmente conhecida quando civis foram mortos pelos russos.

Eu já tinha estado em Butcha antes, quando os corpos estavam na rua. Vi todo aquele rastro de destruição, o cheiro da morte no ar. Fiz contato com a comunidade de skatistas, que contou que os russos também saquearam casas e levaram tudo, inclusive skates dos jovens.

O centro esportivo da cidade foi completamente destruído. Vi marcas de nove bombas grandes que caíram no lugar que servia crianças da comunidade. Encontrei nos escombros um calendário dos jogos olímpicos do Rio e uma flâmula de futebol do Brasil. Ali se ensinava futebol brasileiro.

Foi simbólico ver, naquela mesma rua onde corpos foram encontrados, quatro crianças andando de skate. Nunca vou esquecer, é até difícil falar. Agora a ideia é doar mais 300 skates e a Layback quer ajudar a reconstruir o centro esportivo.

Uma das pistas de skate da Layback, empresa do medalhista olímpico Pedro Barros, em Belo Horizonte
Uma das pistas de skate da Layback, empresa do medalhista olímpico Pedro Barros, em Belo Horizonte - Divulgação/Layback

Volto para o Brasil nessa semana. A gente sempre acha que tem mais a ser feito. Fiz o máximo que pude, mas não tudo o que eles precisavam.

Deixou-se de falar sobre a guerra aqui, mas ela não acabou. É sangrenta e cruel."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.