Descrição de chapéu sustentabilidade

Festival ODS discutiu desigualdade social em uma economia de baixo carbono

Líderes empresariais e do setor público apresentaram ações para adaptar a economia ao modelo sustentável com responsabilidade

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Maria Carolina Trevisan
São Paulo

​Um dos principais desafios de implementar um modelo econômico mais sustentável e que proteja o meio ambiente é enfrentar o abismo da desigualdade social, premissa para alcançar a transformação justa.

Esse objetivo não seria possível sem a participação responsável das empresas e investimentos do setor público, além do respeito aos diversos atores.

Esse foi um dos temas centrais tratados no segundo dia do Festival ODS, que aconteceu na quarta (25) e na quinta-feira (26), e reuniu mais de 70 palestrantes, entre especialistas da área ambiental econômica e social, líderes do setor privado, gestores públicos e políticos. Foram mais de 1.900 inscritos nos dois dias de jornada.

Sergio Andrade, diretor executivo da Agenda Pública, discute retomada econômica inclusiva
Sergio Andrade, diretor executivo da Agenda Pública, discute retomada econômica inclusiva - Keiny Andrade/Folhapress

Empresas apresentaram suas práticas ESG (princípios de sustentabilidade empresarial cada vez mais valorizados), gestores públicos mostraram suas políticas e iniciativas, e especialistas apontaram caminhos de inovação e as fragilidades do processo.

"O problema fundamental do Brasil é a desigualdade social e a pobreza", afirmou o economista Felipe Salto, secretário da Fazenda e Planejamento do estado de São Paulo, em entrevista durante o festival.

"Todos nós, governos estaduais, municipais e federal, setor empresarial, setor privado, organismos multilaterais, temos que pensar em como combater isso e como melhorar a situação das pessoas."

Para Salto, não é possível avançar no crescimento econômico e no desenvolvimento social sem investimentos do Estado e do setor privado, que diminuíram nas últimas décadas.

"A participação do setor público precisa ser enaltecida, mas ao mesmo tempo a gente tem que ter a incorporação de novas tecnologias, métricas e metodologias."

Ele alerta que a incorporação da agenda de sustentabilidade é inevitável e ficou estagnada durante a gestão atual do país. Essa adaptação seria necessária para reconstruir o que foi desfeito nestes três anos e meio, inclusive para contemplar demandas dos mercados externos.

"Aos poucos, trazendo a academia para junto, organismos multilaterais, organizações que orbitam em torno dos governos, a gente vai conseguindo avançar em uma nova direção. Mas sem perder de vista que a precariedade social e a desigualdade que ainda remanescem têm de ser os principais obstáculos a serem superados no curto e médio prazos."

Recuperação econômica pós-pandemia

O período mais agudo da pandemia no Brasil aprofundou as desigualdades do país. Os municípios e estados que sofreram menos foram aqueles que tiveram maior atenção do setor público: os que implementaram políticas emergenciais e de curto prazo minimizaram esses efeitos.

Caso de Niterói (RJ), apresentado no evento. O prefeito Axel Grael (PDT), que também é engenheiro florestal, mostrou iniciativas que fizeram diferença para a população local.

"Niterói teve um dos primeiros registros de óbito pelo coronavírus. Isso nos forçou a ter uma atitude pioneira nas ações de enfrentamento da pandemia. Também antecipamos o momento pós-Covid com uma estratégia de retomada na cidade."

As iniciativas da prefeitura tiveram diferentes características: abertura de um hospital público exclusivo para o tratamento da Covid-19, sanitização de ruas e comunidades, distribuição de máscaras e kits de limpeza e criação de um "centro de quarentena" para isolamento e acompanhamento médico de quem não podia ficar isolado em casa.

Também houve parceria com a Fiocruz para monitorar a presença do coronavírus no esgoto da cidade, programa de transferência de renda, apoio às micro e pequenas empresas, implementação de uma moeda social, criação de um fundo com royalties do petróleo, entre outras ações.

Foram medidas que ajudaram a proteger a população local e resguardaram economicamente o município.

Urgência em descarbonizar e incluir: o desafio das empresas

No painel sobre descarbonizar e incluir, duas grandes empresas apresentaram suas práticas e perspectivas para um modelo sustentável e inclusivo: a PepsiCo, que opera na indústria de alimentos, e a Yara, empresa química de origem norueguesa que produz fertilizantes.

Para ambas, o Brasil é um mercado de oportunidades com complexidades importantes e onde os parâmetros de sustentabilidade empresarial para a transição justa precisam ser alcançados.

Ações coletivas, mudanças de comportamento para o consumo consciente e de indicadores de responsabilidade socioambiental por parte das empresas são necessidades imediatas.

"Colaboração é a palavra de ordem", afirmou Deise DallaNora, diretora de food solution innovation, área estratégica da Yara.

"Os empregos verdes devem ser vetores de inclusão. Quando a gente olha para isso, o Brasil tem uma grande oportunidade de protagonismo. Não há resiliência climática sem uma Amazônia em pé."

Ela cita exemplos de atividades junto ao pequeno produtor, na agricultura familiar, na recuperação de áreas degradadas para conter o desmatamento e gerar créditos de carbono, e diz que a descarbonização precisa entrar na ótica da urgência.

"O mundo está se redesenhando sob todos os aspectos. É importante lembrar, ainda, que em todo esse processo a gente precisa de investimento. Para atrair investimento, é preciso ética, responsabilidade e transparência como condições básicas para gerar credibilidade ao Brasil nesse âmbito global", concluiu Deise.

A PepsiCo desenhou metas para a redução da emissão de gás, para implementar embalagens recicláveis, biodegradáveis e compostáveis e na ação sobre as desigualdades sociais do país, com capacitação de agricultores na irrigação, acesso a pequenos fornecedores, diminuição da evasão escolar, entre outros.

"São metas robustas para seguirmos sustentáveis. Diversidade e sustentabilidade também são rentabilidade", afirmou Livia Favaro, coordenadora sênior de ESG na PepsiCo.

Uma das maiores delicadezas nesse processo de transição justa é incluir os povos indígenas no novo modelo econômico.

"Nossa ideia de ser rico é ter o que comer todos os dias, ter água para beber, nossa floresta em pé. É ela que vai nos dar todos os dias o que comer, o que beber e onde morar", afirmou a jovem indígena Sâmela Mawé, ativista ambiental do povo Sateré Mawé e estudante de biologia na Universidade do Estado do Amazonas.

"Quando as pessoas forem construir seus modelos bioeconômicos, precisam levar em consideração os povos indígenas não só como produtores de matérias-primas. Mas também como parte de todo o processo de produção, venda, arrecadação, escoamento. Muitos de nós estamos nesses papeis completamente capacitados."

A desigualdade é tema central. É preciso distribuir renda, criar um mercado interno popular e gerar empregos

Paulo Teixeira

deputado

BR22+8

O evento paralelo BR22+8, que discutiu diretamente desafios e oportunidades para o Brasil, mostrou os caminhos para uma reforma tributária, exemplos de ações do poder público para mitigar os efeitos da pandemia e reflexões sobre como enfrentar a desigualdade social no contexto da transformação justa no Brasil.

Teve a participação do ex-deputado federal e economista Luis Hauly (PSDB-PR), da secretária municipal do trabalho e empreendedorismo de São Paulo, Aline Cardoso (PSDB), e do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP). A persistência da desigualdade foi abordada pelos convidados.

"A desigualdade é tema central. É preciso distribuir renda, criar um mercado interno popular e gerar empregos. Para isso, o Brasil precisa se reindustrializar nessa nova fase, em uma economia verde", afirmou o deputado Paulo Teixeira.

Ele também falou sobre a necessidade de desoneração do consumo, tributando melhor a renda e o patrimônio.

"É preciso adotar uma tributação progressiva, valorizar o salário mínimo e programas de transferência de renda, como é o Bolsa Família e como pode ser o Renda Básica de Cidadania. Nesse processo é importante melhorar o serviço público, que é uma forma indireta de transferir renda e diminuir a desigualdade social no país."

Festival ODS 2022

O Festival ODS, realizado pela Agenda Pública e Estratégia ODS, coalizão que reúne agentes sociais para ampliar e qualificar o debate sobre as metas da ONU, com apoio da União Europeia, tem o objetivo de conectar atores relevantes e experiências atuais com foco na transição justa e acontece anualmente.

É possível assistir aos debates dos dois dias de evento por meio do canal da Agenda Pública no YouTube.

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