Valentina Schulz escreveu um livro, tem 2,1 milhões de seguidores no Instagram e um canal no YouTube com 1,3 milhão de inscritos. Palestrou em eventos como Path, Wired, apresentou Meus Prêmios Nick 2017 e venceu o Prêmio Capricho 2017.
Apesar de tudo, ficou conhecida como a "menina assediada do Masterchef".
Aos 12 anos, participou da versão mirim do programa da TV Bandeirantes quando chamou a atenção não pelo seu ravioli com gema mole, e sim pela aparência.
Os comentários machistas e de cunho sexual nas redes sociais à época foram levados à Delegacia da Mulher. "Ali me falaram que o que eu tinha sofrido não era nada e que tinham mais o que fazer", lembra Valentina, que ao se confrontar com nova violência não denunciou.
Ela revela que, aos 15, foi vítima de um estupro, fato que levou dois anos para ter coragem de contar aos pais.
Aos 19 e prestes a embarcar para Londres para fazer faculdade de moda, ela lembra que a reação mais estrondosa do caso de assédio virtual veio do público: ao lerem os comentários pedófilos dos internautas, as mulheres usaram as redes sociais para dizer que haviam vivido o mesmo com tão pouca idade.
Surgia a #primeiroassédio, que se tornou uma campanha em 2015 para reforçar que as vítimas são crianças que têm entre 7 e 9 anos. Um tipo de crime praticado por conhecidos, em 65% dos casos.
Nessa entrevista à Folha, Valentina conta algumas das lições que tirou do episódio. "Falar é uma delas. Confio que a campanha #AgoraVoceSabe pode mudar o destino das meninas e dos meninos no nosso país", diz ela ao se engajar no movimento puxado pelo Instituto Liberta.
Qual a importância de uma campanha como #AgoraVoceSabe? Eu encontrei um padrão no meu entorno: conversei com a minha mãe, minhas avós, amigas e descobri que todas elas tinham sofrido algum tipo de assédio sexual durante a infância ou a adolescência.
Eu não fui um caso isolado. Não existia exceção: toda pessoa que eu conversava descrevia coisa semelhante.
Você disse que pesquisou, investigou, foi a campo. O que te motivou? Achava que eu era a azarada. É difícil não olhar para trás, fingir que não aconteceu. Se reconstruir após um abuso é muito mais difícil.
O que me choca é que converso com minhas amigas o dia inteiro. Elas sabem o que estou vestindo e onde almocei. Mas não falamos sobre um assunto tão sério como esse.
Você tem consciência de que esse é um problema de todos então? Não apenas das mulheres? Cheguei à conclusão que tudo é político. Mas a questão do assédio acaba entrando em uma disputa política e não uma política pública. E o assédio sexual também tem que ser enfrentado politicamente.
Você pretende usar a moda de uma maneira para conscientizar sobre isso? O que mais me interessa é a moda política. Fui em uma exposição e vi as peças de mulheres que tinham sido estupradas: eram roupas de crianças. Eram roupas decotadas? Não. Tinham estampa de bichinho, calça comprida.
Há uma ideia ultrapassada que a roupa é convite para o assédio. Roupa não é convite para nada. Na época [do Masterchef], falaram que a culpa era minha por usar uma camiseta regata. A moda tem o papel de criar essa expressão de justiça e acredito que consigo contar a minha história pela moda.
Você hoje é uma influenciadora digital com outros conteúdos. E, nas redes sociais, o diálogo é uma constante. Você recebe com frequência mensagens pedindo ajuda? Muita. Meu primeiro impulso é abraçar, acolher. Ouvir, sobretudo. Sempre indico que procure um adulto para conversar, pois sei o quão difícil é denunciar. Embora seja importante, é uma escolha difícil.
Quando fui pela primeira vez na Delegacia da Mulher, levei todos os prints, nomes e endereços, tudo comprovado. Estava com meus pais e minha advogada. Ainda assim, ouvi que eles não iriam abrir o inquérito policial porque a polícia tinha coisa mais importante para fazer.
Aquilo foi muito traumático para mim. Foi tanto que, aos 15 anos, eu fui estuprada e não denunciei. O motivo do meu silêncio foi o linchamento. Quem tem a coragem e denuncia como a Mari Ferrer, é humilhada publicamente.
Eu sou uma figura pública e mulher: pela lógica, aconteceria o mesmo comigo. Hoje é a primeira vez que falo sobre isso em público porque tenho consciência da campanha.
É constrangedor falar isso. Hoje me arrependo de não ter denunciado, quando tinha provas. Esperei dois anos para conversar com meus pais e dizer: eu sofri um estupro, estou sofrendo, preciso de ajuda. Demora sabe? Eu, pelo menos, demorei muito tempo para digerir o que tinha acontecido.
Volta a ideia da culpa e do se: se eu tivesse dado um soco mais forte, empurrado com mais força, talvez não teria acontecido.
E como você se sentiu com o fato de não conseguir denunciar quando quis e não ter denunciado quando precisou? Eu me senti traída pelo meu país. Me senti traída pelas autoridades, por todo mundo. Estava fazendo tudo certo.
A parte da Justiça é prender os homens maus e não falar para uma vítima que o caso dela não é grave o suficiente. As pessoas que, em tese, estão lá para te ajudar na verdade não estão. É frustrante.
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