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Superproteção com filha reaviva trauma de abuso na infância, diz mãe

Administradora adere ao movimento #AgoraVcSabe, ao reconhecer ter sido vítima de violência sexual dentro de casa quando tinha 5 anos

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A administradora Lyvia Montezano relata abuso sofrido na infância dentro de casa: realidade em todas as classes sociais Gabriela Biló/Folhapress

Giovanna Balogh
São Paulo

Desde que deixou o mundo corporativo, a administradora Lyvia Montezano, 33, dedica-se como voluntária e conselheira a organizações e projetos sociais.

Virou ativista da causa de combate à violência sexual contra crianças e adolescentes, ao reviver o trauma de um abuso sofrido na infância, quando tinha 5 anos, a mesma idade da filha, Nina.

Casada com o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, ela encontrou no marido o apoio para falar do assunto.

Ele foi a primeira pessoa a saber do fato de um primo de Lyvia, dez anos mais velho do que ela, cometer abusos sexuais que chegaram a um estupro, enquanto os respectivos pais confraternizavam na sala após os almoços de domingo.

Episódios que se repetiram por quase dois anos e são memórias vivas que a fizeram se engajar no movimento #agoravcsabe, puxado pelo Instituto Liberta.

Lyvia mora atualmente em Brasília e conta que optou por se afastar dos familiares, que são do Rio de Janeiro. Nunca mais teve contato com o abusador, que não chegou a ser denunciado formalmente por ela.

"As pessoas acham que os abusos sexuais só acontecem em lares desestruturados, em famílias periféricas, mas eu sou o retrato de que crianças em famílias amorosas e estruturadas e com educação de primeira também são vítimas.

Tudo começou de forma mais leve, um beijo aqui, um carinho ali. Tudo ao lado dos outros primos que estavam no mesmo quarto brincando.

Lyvia Montezano só foi se dar conta de todo o abuso sexual sofrido na infância após ser mãe
Lyvia Montezano só foi se dar conta de todo o abuso sexual sofrido na infância após ser mãe - Gabriela Biló/Folhapress

Eu era abusada no quarto enquanto minha família estava reunida durante o almoço de domingo. Os abusos começaram quando eu tinha a idade da minha filha, que hoje está com 5 anos.

O abusador era o meu primo, que é 10 anos mais velho do que eu. Ele tinha um irmão da mesma idade que eu e estávamos sempre brincando juntos enquanto os adultos conversavam na sala.

Até que ele começou a me levar para um outro ambiente da casa e chegou até os últimos graus de abuso e de estupro. Não foi nem uma nem duas vezes, foram várias.

Ele nunca me ameaçava, mas eu não sabia que aquilo era errado. Ninguém nunca havia dito que era errado.

Lembro-me de um dia que ele me machucou e eu fiquei com muita dor e chorei. Foi aí que percebi que aquilo não era certo e ele pediu para não contar para ninguém. Nunca vou esquecer esse dia, gostaria de ter esquecido, mas não consigo.

Nunca falei para ninguém e isso afetou demais a relação com a minha família. Sempre fomos uma família muito unida. Afinal, nossos pais se conheciam desde a infância e as duas famílias tinham uma ótima relação.

Eu era abusada no quarto enquanto minha família estava reunida durante o almoço de domingo

Lyvia Montezano

administradora

Com a separação dos meus pais, fui morar com meu pai e me distanciei da minha mãe e da família dela. Inconscientemente eu colocava a culpa na minha mãe e até hoje nunca consegui ter uma conversa franca e honesta com ela sobre isso.

Passei a não frequentar os aniversários, os Natais e sempre achavam estranho por eu ser a desgarrada da família, que é extremamente unida. Até eu mesma não entendia o motivo de ser mais independente deles.

Minha ficha só caiu quando fui mãe. De que essa foi uma forma que encontrei para me proteger.

Eu fui notando, conforme minha filha ia crescendo, que eu tinha uma proteção exagerada com ela. Não queria nunca deixar ela sem minha supervisão, tinha medo de deixar ela com os outros.

O estopim foi quando soube que ela teria na escolinha um professor homem. Eu surtei enquanto os outros pais estavam tranquilos com isso. Foi então que fui buscar entender o motivo dessa superproteção.

Acessei as minhas memórias, meus traumas e tudo o que havia acontecido comigo e decidi falar. Fiz constelação familiar, terapia.

Meu marido foi a primeira pessoa a saber. Gustavo foi e é meu guardião, amigo, terapeuta e segurou toda a barra com muita gentileza. Teve toda a paciência do mundo!

Ele foi a minha base para conseguir lidar com tudo. Ter o suporte de alguém muito próximo e que você confia é fundamental.

A primeira vez que falei sobre isso em público foi em novembro do ano passado em uma entrevista para o Instituto Liberta. As pessoas mais velhas da família ficaram em silêncio absoluto, enquanto outros primos me ligaram, se solidarizaram.

Sempre falo com a minha filha sobre consentimento e a importância de entender o que são as partes íntimas e que ninguém pode tocá-las.

Existem muitas ferramentas, como livrinhos infantis e formas lúdicas para orientar as crianças a entenderem sobre o abuso infantil. Eles precisam saber o que é, para recorrerem a um adulto de sua confiança caso sejam vítimas.

Acessei minhas memórias, meus traumas e decidi falar.

Lyvia Montezano

administradora

Sempre falo com minhas amigas sobre a importância de conscientizar e informar as nossas crianças.

Não é para gerar pânico, mas a informação é nossa única forma de quebrar o ciclo, pois os abusadores, em sua imensa maioria, foram abusados também. Precisamos quebrar esse silêncio.

​A causa de Combate à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes tem o apoio do Instituto Liberta, parceiro da plataforma Social+.

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