A história se repete com frequência: adolescentes indígenas saem de suas comunidades para estudar e acabam em casas de família onde são abusadas sexualmente. Outra ameaça é o avanço desenfreado do garimpo em terras demarcadas, em que crianças acabam expostas à violência, inclusive sexual.
"Somos olhadas com exotismo. O que é nossa identidade acaba se tornando uma cultura de subserviência e inferioridade de nós, mulheres indígenas", diz Sonia Guajajara, liderança indígena eleita uma das pessoas mais influentes do mundo pela revista americana Time.
Guajajara é também embaixadora da campanha #AgoraVcSabe. Promovida pelo Instituto Liberta, a conscientização contra o abuso sexual de crianças e adolescentes é a causa do ano da plataforma Folha Social+.
A líder indígena ressalta que o abuso sexual contra crianças e adolescentes indígenas é extremamente velado.
Casos como o da menina de 12 anos, estuprada e morta em Roraima em maio, e das duas garotas indígenas Guarani Kaiowá, de 12 e 14 anos, que foram encontradas neste mês com sinais de abuso sexual e tortura na região de Amambai (MS).
Em novembro de 2020, uma menina de cinco anos foi estuprada e morta por asfixia: Ana Beatriz Sateré-Mawé foi retirada da rede em que dormia na comunidade de Sateré-Mawé no Amazonas por três homens no meio da noite. Seu corpo foi encontrado no meio da mata.
"Casos como estes são comuns, mas é extremamente difícil de denunciar e apurar", afirma Sonia Guajajara.
Após a denúncia da menina Yanomami, a comunidade Araçá foi vítima de um incêndio criminoso. "A falta de informações sobre o tema é uma das nossas dificuldades: estamos à mercê do Estado brasileiro. Não temos qualquer proteção neste sentido."
A ativista ressalta que as autoridades não têm como chegar nas comunidades e fazer as devidas apurações dos casos. Segundo Guajajara, entrar nas aldeias indígenas para trazer informações e conscientização também é um desafio.
Dados do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil (2020) apontam que crianças e adolescentes indígenas são vítimas de abuso dentro do ambiente familiar: dos cinco casos destacados no documento, duas vítimas são adolescentes e uma criança —esta última, no Acre, era recorrentemente abusada pelo pai, segundo denúncia do Conselho Tutelar.
Para Guajajara, a falta de políticas públicas é um entrave para combater a violência sexual contra crianças e adolescentes indígenas tanto quanto o silêncio.
"Ainda é um assunto velado, cheio de tabus. O que sei é o que chega como denúncias, não há números oficiais."
O próprio relatório é obra do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). "O governo alega que o fato de estarmos em territórios urbanos diminui nossa identidade, mas isso é uma inverdade", explica.
"É preciso que tanto a União quanto os estados tenham políticas adequadas para atender estas especificidades, levando em conta a identidade dos povos indígenas. Nossa realidade parece muito distante do Estado."
PASSEATA VIRTUAL
A segunda passeata virtual do movimento #AgoraVcSabe aconteceu em 14 de junho. Outras duas serão realizadas até o final da campanha, em agosto.
Para participar, basta entrar no site e gravar uma mesma frase que será dita por todos os participantes, um convite para romper o silêncio em torno da questão. "A violência sexual contra a criança e o adolescente é uma realidade. Eu fui vítima e agora você sabe!"
A causa de Combate à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes tem o apoio do Instituto Liberta, parceiro da plataforma Social+.
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