Descrição de chapéu Dias Melhores desmatamento

Ambientalista cria rede para mapear uso da terra, da água e do fogo

Tasso Azevedo, fundador do MapBiomas, foi um dos finalistas do Prêmio Empreendedor Social 2022 na categoria Inovação em Meio Ambiente

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Amazônia é um dos biomas que tem o uso de recursos naturais e cobertura florestal mapeados em série histórica pelo Mapbiomas, rede formada por ONGs, startups de tecnologia e universidades Lalo de Almeida

São Paulo

A vida do engenheiro florestal Tasso Azevedo se resume a conversar. Muito. Não pense o interlocutor, porém, que mesmo após 1h30 de reunião com esse jovem de 50 anos poderá jogar conversa fora.

Novas ideias e números surgirão de sua boca. Nunca uma fonte forneceu tantos e tão precisos dados ao jornalista quanto ele, em suas várias encarnações como provedor de informações de interesse público.

Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas, rede que mapeia o uso da terra no Brasil
Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas, rede que mapeia o uso da terra no Brasil - Renato Stockler/Folhapress

A rede MapBiomas tornou-se, a partir de 2015, ferramenta indispensável para repórteres, pesquisadores, procuradores, banqueiros, empresários e servidores públicos. Foi o ápice de uma carreira que começou no terceiro ano da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP).

No ano da cúpula do clima Eco-92, no Rio, ele e colegas de faculdade se meteram a organizar no Brasil conferência mundial de estudantes de engenharia florestal, com gente de 80 países. "Não tínhamos um tostão para fazer", diz hoje.

A reunião foi um sucesso, mas não para Azevedo, pois ela não se sustentou nos anos seguintes. Ficou o aprendizado sobre levantar recursos, acerca do qual escreveu um livro, e a convicção da necessidade de gerar iniciativas que prosperem sem os fundadores.

Semanas após se formar, em 1995, foi um dos criadores do Imaflora. Até então só havia certificadoras em EUA e Europa, e nascia ali, na garagem de sua casa, a maior instituição do gênero no hemisfério Sul.

"Tudo o que eu faço, desde então, tem essa ideia de consultar, tirar a oposição entre os atores interessados", diz. A contribuição brasileira, aliás, foi incluir consultas públicas no processo de certificação.

Em 2001, Azevedo foi abrir escritório do Imaflora em Manaus. Estava com viagem marcada para passar as festas em SP quando recebeu da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, pedido para ir a Brasília.
Saiu das conversas com a ministra, aos 30 anos, como coordenador do Programa Nacional de Florestas. O Réveillon foi lá mesmo, no Planalto.

Para aprovar planos de manejo, a área a ser explorada tem de ser privada, mas três quartos da Amazônia são de terras públicas. Criou-se então a Comissão Nacional de Florestas com governos, empresas, academia, ONGs e comunidades —bem no estilo Azevedo.

Daí nasceu a Lei de Gestão de Florestas Públicas, de 2006 e, junto, o instrumento das concessões privadas para manejo sustentável em florestas públicas. "A ideia era que elas tinham de continuar a ser florestas e públicas", diz.

Aí ele criou o Serviço Florestal Brasileiro para implementar as concessões, defendendo que o sistema participativo acelera o processo, pois divergências se resolvem na origem.

No Brasil, muita coisa está ligada ao uso da terra. As decisões sobre isso têm impacto enorme na segurança hídrica, energética, alimentar

Tasso Azevedo

sobre as análises de dados sobre desmatamento

Azevedo seguiu criando. Como quando, no governo, voltou de viagem ao Canadá "aterrorizado" com a devastação de florestas pelo besouro Dendroctonus ponderosae, cuja superpopulação surgiu de invernos menos rigorosos.

Convenceu-se de que a questão florestal é indissociável da crise climática. "Vou lá cuidar de clima e depois volto para a floresta."

Foi então apoiar o então ministro Carlos Minc nas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa levadas pelo Brasil a Copenhague, em 2009, que Azevedo viu como ano de esperança. Em especial pelo nascimento de Clara.

E a filha motiva o pai, que a viu perguntar em 2019: "Por que você viaja tanto, trabalha tanto e, em vez de cair, o desmatamento está subindo?".

ESCOLHA DO LEITOR

E ele já buscava as respostas. Uma delas foi quando a então ministra Izabella Teixeira o incumbiu de atualizar as emissões do Brasil. Fez a tarefa e gerou série histórica anual de 1990 a 2011. Em 2013, quis colocar esses cálculos em ferramenta perene e foi, de novo, conversar. No caso, com a rede de ONGs Observatório do Clima.

Assim nasceu o Sistema de Estimativa de Emissões de Gases do Efeito Estufa (Seeg), até hoje a melhor fonte sobre a poluição do país. São centenas de dados do Brasil, 5º maior emissor de gases estufa.

Ele sabia que a maioria das emissões vinha de agropecuária e mudanças de uso da terra. Como aferir isso? "Vamos fazer mapa do uso da terra no Brasil para todos os anos." "Impossível", diziam. Com o que se tinha e 90 pessoas em tempo integral, levaria 18 meses para mapear o Brasil todo num só ano. Série histórica atualizada ano a ano, então, nem pensar.

Conversa vai, conversa vem, ouviu de Carlos Souza Jr., do Imazon, que impossível não era. Mas seria preciso técnicas de mapeamento com aprendizado de máquina em escala nunca feita, além de infraestrutura de computação descomunal —como a do Google.

Organizou em março de 2015 reunião com pesquisadores para conceber a ideia. Em abril, Azevedo conversou com Rebecca Moore, da Google Earth, que topou o projeto. Depois, explicou num corredor a ideia para financiadores noruegueses, que embarcaram.

Em julho nasceu o MapBiomas, a rede de especialistas em biomas, satélites e computação de universidades, órgãos públicos, ONGs e empresas. "O que a gente fez foi inventar um jeito novo de fazer mapa, pixel por pixel, 9,6 bilhões deles, cada um com uma história."

"No Brasil, muita coisa está ligada ao uso da terra. As decisões sobre isso têm impacto enorme na segurança hídrica, energética, alimentar. A gente quer que todos usem a melhor informação disponível, mesmo que seja para fins comerciais."

E decisões foram tomadas. Só o Ministério Público abriu mais de 10 mil processos sobre desmatamento com base no MapBiomas. No setor financeiro, o Banco do Brasil só libera crédito agrícola a propriedades em que verifica a ausência de fogo ou perda de mata.

Nas pesquisas, ajudou trabalhos como o da analista ambiental do ICMBio Mariella Butti. "Os dados mostram a mudança de habitat dos animais, com perda de floresta, água, e a gente calcula o risco de extinção das espécies."

A geógrafa Lívia Abdalla, da Fiocruz, detectou focos de surto de febre amarela com apoio do Mapbiomas
A geógrafa Lívia Abdalla, da Fiocruz, detectou focos de surto de febre amarela com apoio do Mapbiomas - Renato Stockler/Folhapress

E o da geógrafa Lívia Abdalla, da Fiocruz, que detectou possíveis focos de surto de febre amarela, o que direcionou a vacinação.

"O mais legal é fazer isso de forma colaborativa, na nuvem, e com código aberto", diz Azevedo, que hoje já vê o MapBiomas em toda a América do Sul e Indonésia. "Eu não sei fazer mapa, não entendo nada de satélite ou de computação", diz ele.

"Meu trabalho é facilitar o trabalho de toda essa gente." Numa palavra, conversar.

Projeto em números

- R$ 15 milhões em recursos mobilizados
- 99,8% do desmatamento no Brasil é fruto de ação ilegal
- 15% da superfície de água no país foi perdida nos últimos 30 anos
- 205 mil eventos de desmatamento no país constatados pelo MapBiomas desde 2019
- 240 papers publicados em revistas especializadas a partir de dados da rede

Conheça os demais finalistas e vencedores do Prêmio Empreendedor Social 2022 na plataforma Social+.

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