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ONG foi 'MEC da sociedade civil' para retomada na pandemia

Priscila Cruz, fundadora do Todos Pela Educação, venceu o Prêmio Empreendedor Social 2022 na categoria Destaques na Pandemia

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Estudantes e professores em sala de aula de escola municipal em Santana de Parnaíba Renato Stockler/Folhapress

São Paulo

Enquanto médicos e enfermeiros lutavam para salvar vidas em hospitais lotados, Priscila Cruz e colegas do Todos Pela Educação encaravam sua própria batalha diante de outro drama da pandemia: o das escolas vazias.

Desde que foi criada, em 2006, a ONG encampa diversas causas em prol da educação básica. Mas nesse momento de crise profunda assumiu seu maior protagonismo.

Diante da inércia do governo federal, o Todos Pela Educação tornou-se espécie de "MEC da sociedade civil", criando diretrizes para orientar as escolas no ensino remoto e no retorno às aulas presenciais.

Priscila Cruz, presidente-executiva e cofundadora da ONG Todos Pela Educação, articulou reabertura das escolas e a aprovação do Fundeb durante a crise sanitária - Renato Stockler/Folhapress

A grande exposição da organização levou aos holofotes também sua presidente e cofundadora. Priscila, 47, entrou em embates ferrenhos com o governo, recebeu ameaças online e foi atacada nas redes sociais por um ministro.

Abraham Weintraub, um dos cinco titulares a assumirem o Ministério da Educação na atual gestão, não só fez críticas como zombou de uma suspeita de que ela estaria com Covid.

"Não somos amigos do gestor público de plantão e tivemos altos e baixos com todos os governos", diz. "Mas mesmo os debates mais quentes eram relacionados à angulação da política educacional. Nunca tínhamos vivido uma situação de um governo que dá as costas para a educação, de um MEC que nega a escola e se omite no momento mais difícil da educação brasileira."

Diante dessa "tempestade perfeita", o Todos foi atrás de pesquisas e boas práticas sobre ensino remoto e reabertura segura de escolas. Com ajuda de dezenas de especialistas, produziu documentos que orientaram governos estaduais e municipais e embasaram resoluções do Conselho Nacional de Educação.

A entidade também ajudou a formular e aprovar o novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) e defendeu a antecipação da vacinação de professores.

Essa última é considerada por Priscila "uma das articulações mais bonitas" da história do Todos. "Conseguimos antecipar em uns seis meses a reabertura das escolas, um impacto enorme na aprendizagem."

Apesar de considerar que a atuação do Todos minimizou prejuízos na pandemia, Priscila faz a ressalva de que nenhuma ONG consegue substituir, de fato, o MEC –até porque não controla recursos públicos.

"Em nenhuma hipótese queremos substituir um ente da Federação. Não é saudável para a democracia brasileira."

As crianças brasileiras estão passando fome. Como não brigar por merenda? A alimentação escolar é tão importante quanto aprender

Priscila Cruz

sobre o período de ensino remoto na pandemia

A oratória firme e clara, fundamental para seu trabalho de advocacy –"uma palavra que não tem tradução", desculpa-se ela–, contrasta com a timidez na infância. A participação em um grupo de teatro a ajudou a se soltar e a desenvolver a capacidade de empreender. "A gente tinha que ir atrás de recurso para iluminação, figurino, de público."

A veia empreendedora vem do pai, "um empreendedor serial" que teve negócios de construção civil a biodiesel. "Ele tem esse DNA de começar do zero, identificar oportunidades, juntar forças e levantar recursos."

Já o interesse pelo social brotou no colégio católico onde estudou, que mantinha um projeto no Jardim Varginha, zona sul de SP.

Por nove anos, Priscila deu aulas de reforço para crianças da periferia. Percebeu "o que acontece quando o professor falta e o aluno acumula defasagens e perde a confiança na capacidade de aprender".

Chocou-se como a loteria familiar distribui as oportunidades. "O sentimento de injustiça fica tatuado na pele. Sou inconformada."

Bagagem que a levou a fugir do script da paulistana formada em escolas de elite que faz carreira na iniciativa privada. Graduada em administração pela FGV e em direito pela USP, Priscila abandonou o emprego em uma consultoria, onde era "absolutamente infeliz", para assumir uma vaga no Ano Internacional do Voluntário da ONU, em 2001.

Em 2002, ela fundou o Instituto Faça Parte. A inspiração para o Todos veio de um pôster da Unesco com a mensagem "educação para todos".

"Eu via aquele pôster atrás de mim e um dia falei: ‘Mas para ter educação para todos, tem que ter todos para educação’."

Sua missão, resume, é "juntar um grupo de brasileiros para lutar pela educação das crianças que a gente não conhece". Para isso, a ONG percorre o ciclo do advocacy, do diagnóstico do problema à articulação que gera políticas concretas —um processo de quebrar resistências.

"Quando propomos reforma na educação, a reação é: ‘Não mexe. Vai criar problema’. É um trabalho de convencimento."

Neste ano, a ONG realizou "caravanas" de imersão em 14 estados e rodas de conversas com estudantes, professores, políticos e empresários. Desses "mergulhos" surgiram novas pautas, como a garantia de duas refeições quentes por dia para todos os estudantes.

"Você vê uma criança catatônica, quase desmaiando. É muito triste", descreve Priscila, com olhos marejados. "As crianças brasileiras estão passando fome. Como não brigar por merenda? A alimentação escolar é tão importante quanto aprender."

Em busca de independência, a ONG não recebe verbas públicas. Priscila tenta convencer o setor privado de que educação pública de qualidade é do interesse mesmo de quem tem filho em boas escolas particulares.

"É condição necessária para um país inserido na economia do século 21, que preserva, inova. O superempresário que vai esquiar em Aspen também tem que batalhar pela educação. Nada justifica uma elite que não batalha pela educação."

Priscila diz que recebe convite para entrar na política "toda semana". Não descarta, mas "teria que acreditar em um projeto para aceitar".

Além disso, não se sente pronta para deixar o Todos —o "filho mais velho", como brincam suas filhas, Maria Fernanda, 14, e Mariana, 12. "Tenho o privilégio de ter paixão pelo meu trabalho. Se ganhasse na loteria continuaria trabalhando dez horas por dia pela educação pública sem preocupação de pagar boletos."

Projeto em números

- 46 milhões de alunos e R$ 2,2 milhões de professores impactados
- 4.000 gestores municipais e 1.400 municípios alcançados por ações durante a pandemia
- 80 especialistas mobilizados para nortear notas técnicas sobre ensino remoto e reabertura das escolas
- 30 notas técnicas e posicionamentos com dados de impacto da pandemia na educação
- 10 mil acessos ao Anuário da Educação Brasileira publicado pela ONG

Conheça os demais finalistas e vencedores do Prêmio Empreendedor Social 2022 na plataforma Social+.

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