ONGs locais e grandes atuam na emergência em zona de guerra e na reconstrução do Sahy

Instituto Verdescola ganha protagonismo, ao lado de entidades de referência para levar comida, abrigo e estrutura para vítimas do temporal no litoral norte de SP

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Às 3h30 da manhã do último domingo (19), a advogada Fernanda Carbonelli recebeu um alerta da defesa civil no celular. A chuva torrencial descia o morro como avalanche de lama e sedimentos em direção às casas da Vila Sahy, em São Sebastião.

Na mesma hora, começaram trocas de mensagens com funcionários do Instituto Verdescola, ONG no coração da comunidade.

"A ordem foi abrir as portas e acolher todo mundo", diz Fernanda, ao relembrar das primeiras horas de uma catástrofe que deixou saldo de 65 mortos e mais de 2.000 desalojados e desabrigados no litoral norte de São Paulo.

Sede do Instituto Verdescola tem 3.500 metros quadrados, em terreno doado pela Prefeitura de São Sebastião
Sede do Instituto Verdescola tem 3.500 metros quadrados, em terreno doado pela Prefeitura de São Sebastião - Divulgação/Instituto Verdescola

"Abraçamos crianças que vinham da lama, com fratura exposta, de quadril, toda sorte de desgraças."

Era a primeira onda de solidariedade no epicentro da tragédia, ainda sem nenhum apoio externo ou de autoridades.

De imediato, moradores e turistas se voluntariaram ao ver a zona de guerra que se transformou a vila que abriga trabalhadores domésticos, ambulantes, pequenos comerciantes e pescadores que dão suporte à Barra do Sahy, uma das praias mais charmosas dessa faixa litorânea do país.

Durante 12 horas, a força tarefa atuava em meio ao caos com se fosse as três esferas governamentais. "Fomos União, Estado e Município."

A advogada que passou a coordenar operações emergenciais da ONG, fundada em 2008 com foco em meio ambiente e educação, acionou médicos, psicólogos, líderes comunitários e veranistas.

Excesso de chuvas e lama trazem dificuldades no trabalho de busca por vítimas na Vila Sahy
Bombeiros e homens da defesa civil enfrentam lama no trabalho de busca por vítimas na Vila Sahy - Divulgação/Instituto Verdescola

"E fizemos de tudo, desde dar notícia ruim a carregar maca, dar ponto, chamar helicóptero", diz a advogada, que se emociona com os contornos trágicos do socorro emergencial. "Foi uma solidariedade jamais vista, mas perdemos muitas crianças."

Nas primeiras 24 horas, a sede do instituto, onde costumavam ser atendidos 1.000 jovens e crianças diariamente, virou centro de inteligência, base para resgate de vítimas dos deslizamentos, hospital de campanha, abrigo, base de bombeiros e centro de doações e de pets abandonados.

"Sabíamos educar crianças, não abrigar famílias", diz Antonia Brandão Teixeira, presidente do conselho do Instituto Verdescola. A executiva é filha de Maria Antonia Civita, fundadora do instituto e viúva do empresário Roberto Civita, dono da extinta Editora Abril.

"Minha mãe comprou uma pequena casa na comunidade e a primeira ação foi interditar um lixão que contaminava rios", relembra Antonia. "Mas ver famílias desassistidas, de trabalhadores das casas de veraneio, nos tocou."

Em um terreno de 3.500 metros quadrados, cedido pela Prefeitura de São Sebastião, foi construído o Verdescola, que na última semana recebeu pelo menos 400 desabrigados de zonas de risco, entre elas a Vila Sahy, antiga Vila Baiana.

"O Sahy continua sendo uma aldeia de pescador. Temos um carinho pela região e pela comunidade, o que no momento da catástrofe se realça ainda mais na capacidade de agrupamento, solidariedade e organização no meio do caos", afirma o advogado Fernando Castello Branco, diretor da Sociedade Amigos da Barra do Sahy.

Além do protagonismo da Verdescola e sua equipe, ele destaca tantos outros voluntários desde a primeira hora.

"Muita gente foi ajudar a resgatar sobreviventes e corpos, colocou a mão na lama. As vítimas eram pessoas conhecidas, o dono da barraca de praia, o sorveteiro."

Ajuda que foi se materializando por terra, ar e mar. Grandes empresários, com casas de veraneio na Baleia, a praia ao lado, se sensibilizaram com a catástrofe. ONGs foram ponte para que doações generosas da porção mais rica do país.

Entre eles, o empresário Abílio Diniz, presidente do conselho da Península Participações, e sua esposa, Geyze Diniz, conselheira do Instituto Verdescola.

"Chegavam helicópteros com doações como se fosse Uber. Havia grupos de motoqueiros, jet ski, off road, barcos, todos prestando serviço solidário."

A esse exército de voluntários se somou o esforço de grandes ONGs, de alcance nacional, engajadas em outras crises humanitárias e que se destacaram na resposta aos desafios da pandemia.

Gerando Falcões, Cufa - Central Única das Favelas, Ação da Cidadania e Movimento União BR foram algumas delas.

Edu Lyra, CEO da Gerando Falcões, chegou no Sahy no domingo (19). "Fiquei tocado com as cenas de zona de guerra que vimos. Volta e meia caíamos no choro."

Edu Lyra, CEO da Gerando Falcões, visita epicentro da tragédia no litoral norte de SP
Edu Lyra, CEO da Gerando Falcões, visita epicentro da tragédia no litoral norte de SP - Malu Monteiro

A Gerando Falcões criou a campanha #TamoJunto, que bateu a primeira meta em nove horas e alcançou R$ 9 milhões na última sexta-feira (24) —R$ 8 milhões doados e R$ 1 milhão via matchfunding feito pela ONG.

O recurso está sendo usado para compra de alimentos, itens de higiene e roupas. Para além do emergencial, a proposta de Lyra é criar um fundo para reconstrução da vila destruída pelo temporal.

Uma das ideias é construir um bairro transitório, com tecnologia social do Favela 3D, projeto que interrompe o ciclo de miséria em comunidades brasileiras.

Gerando Falcões cria campanha para apoiar afetados pelas chuvas em São Sebastião e leva ajuda imediata
Gerando Falcões cria campanha para apoiar afetados pelas chuvas em São Sebastião e leva ajuda imediata - Malu Monteiro

"A tragédia é uma oportunidade para construir um símbolo nesse território para ganhar o país", diz Lyra.

A equipe da Cufa chegou no meio da semana. "Vim da tragédia da favela de mata para a tragédia da favela urbana", afirma Preto Zezé, presidente da entidade, que articulou ações emergenciais junto aos yanomamis em Roraima.

Com a campanha SOS São Paulo e parceria com a Frente Nacional Antirracista, a Cufa arrecadou R$ 14 milhões em doações até sábado (25).

Um centro de distribuição foi montado nesta semana no Sahy. "Estamos dando respostas imediatas que o Estado não dá conta: água, remédio, comida, cama, cobertor, roupa, absorvente."

A expertise da ONG, que lida com 5.000 favelas, como logística, foi colocada a serviço da emergência no litoral norte de SP, mas também com olhar de longo prazo.

"Precisamos debater plano diretor, gestão do espaço público e políticas públicas para enfrentar mudanças climáticas", diz Preto Zezé. "Não queremos substituir o estado, nosso papel é não deixar Petrópolis, os yanomamis ou o Sahy saírem do radar."

A Ação da Cidadania, ONG que combate a fome há 30 anos, chegou a São Sebastião neste sábado (25) para doar alimentos e kits de higiene e avaliar a ajuda humanitária a longo prazo.

"Estamos acostumados com isso: no começo, todo mundo doa. Três semanas depois, doações caem e famílias vulneráveis ficam abandonadas", diz Rodrigo ‘Kiko’ Afonso, diretor da entidade.

O Movimento União BR, que reúne voluntários em todos os estados brasileiros, destinou 50 mil refeições desidratadas nutritivas, 10 mil kits de higiene e limpeza e dez filtros com capacidade para abastecer 500 pessoas.

A Associação dos Moradores da Vila Sahy (Amovila) foi elo de ligação entre a comunidade e as ONGs.

"Ajudamos na organização das doações e descentralizamos os pontos de arrecadação para chegar mais próximo do morador, que estava com sede lá fora", afirma Ivanildes Alves, presidente da Amovila. "Tem muita doação estocada, coisas de mais e outras de menos."

Só a Prefeitura de São Sebastião recebeu 300 toneladas de donativos. O convite agora é para que voluntários ajudem na distribuição.

Cozinha do Instituto Verdescola produz 10 mil refeições em uma semana para abrigados na ONG
Cozinha do Instituto Verdescola produz 10 mil refeições em uma semana para abrigados na ONG - Divulgação/Instituto Verdescola

Postos de atendimento da CDHU, Polícia Civil e Poupatempo foram montados em caráter emergencial no Verdescola.

"As ONGs mostraram força expressiva e um trabalho bonito de engajamento", afirma Frederico Mazzucca, secretário de Desenvolvimento Social e Econômico de São Sebastião. "Esforço somado ao das forças de segurança e governos, foi muita gente unida trazendo apoio aos mais afetados."

Em conversas com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), o instituto quer protagonismo na reconstrução da Vila Sahy, como porta-voz da comunidade.

"Já tínhamos projeto de moradia digna e a ideia é que isso se acelere com o comprometimento do poder público", diz Fernanda. "Passado o caos, estaremos em uma coalização com plano de habitação de moradias populares."

Um olhar para o futuro que ajuda a encarar a dureza emergencial. "Se não fôssemos todos nós, não sei o que teria acontecido", diz Fernanda. "Estamos destroçados, engolindo o choro para servir ao próximo."

Como ajudar

Instituto Verdescola
Pix verdescola@verdescola.org.br

Banco Itaú
Agência 8499
Conta 28366-4
CNPJ 07.707.869/0001-10

Banco Santander
Agência 3832
Conta 130005355

Gerando Falcões
Pix pix@gerandofalcoes.com
gerandofalcoes.com/tamojunto

Central Única das Favelas (Cufa) e Frente Nacional Antirracista
Pix doacoes@cufa.com.br

Banco Bradesco
Agência 0087
Conta 3582-3

Banco Itaú
Agência 0402
Conta 17369-4

Ação da Cidadania
Pix sos@acaodacidadania.org.br

Banco do Brasil
Agência 1211-4
Conta 500.537-X

Banco Itaú
Agência 0417
Conta 65638-6

Movimento União BR
Pix 41358903000126 (Instituto Conexão Solidária, parceiro do movimento)

Caixa Econômica Federal
Agência 3018
Conta 2417-2
CNPJ 41.358.903/0001-26

Veja como apoiar outras organizações que combatem os efeitos da tragédia no litoral norte.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.