Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
23/04/2003 - 09h06

Passado recente não mudou opções políticas na Argentina

MARCIA CARMO
da BBC, em Buenos Aires

As manifestações que levaram à queda do ex-presidente Fernando de la Rúa, há apenas um ano e quatro meses, e os protestos pedindo "fora todos os políticos" não foram suficientes para renovar a política argentina.

As intenções de voto indicam que, neste domingo (27), os argentinos vão escolher para presidente políticos conhecidos e de tendências conservadoras.

Para os institutos de pesquisa de opinião, a disputa, provavelmente no segundo turno, em 18 de maio, deverá ser entre o ex-presidente Carlos Menem e o ex-ministro da Economia na gestão De la Rúa, Ricardo López Murphy.

Os dois defendem programas ortodoxos, no qual o governo tem interferência mínima, com um Banco Central independente, atendimento às exigências dos organismos multilaterais de crédito, a busca da retomada do crescimento e a confiança dos investidores externos.

"Chocado"

A expectativa de vitória de um candidato de "centro" e pró-mercado é a justificativa para a queda da cotação do dólar, mesmo a poucos dias do pleito.

Outra possibilidade é a de que a disputa final seja entre Menem e o candidato oficial Néstor Kirchner, que representa hoje o continuismo da política atual.

No caso da economia, a batuta permaneceria com o atual ministro Roberto Lavagna.

Defensor de uma economia heterodoxa, Lavagna diz estar "chocado" com a série de promessas que estão sendo feitas pelos candidatos e seus assessores econômicos.

Fragmentação

Fato é que tudo indica que os argentinos vão preferir os candidatos mais conhecidos do país, apesar da esperada fragmentação dos votos diante da candidatura de 20 presidenciáveis.

"Era ingênuo pensar que os protestos seriam suficientes para revelar, rapidamente, caras novas na política", diz Sérgio Berensztein, professor de ciências políticas da Universidade Torcuato di Tella.

Ele afirma acreditar que os argentinos deram esta guinada para o voto mais conservador porque querem uma vida normal.

Neste sentido da estabilidade, segundo Berensztein, existem possibilidades ainda para Néstor Kirchner e para López Murphy, definido como racional e dono de um discurso e de características físicas que lhe valeram o apelido de "buldogue" -símbolo da sua campanha.

Panelaços

Na opinião do analista Carlos March, da organização não-governamental Poder Ciudadano, os panelaços não foram em vão. Ele reconhece que a renovação política fracassou, mas somente no curto prazo.

"Eles serviram para plantar sementes de mudanças políticas futuras", declara.

"Muita gente que, em tempos democráticos, limitava-se a votar, hoje participa das ações comunitárias e de debates e ações como a recuperação das fábricas fechadas [durante a era privatista de Carlos Menem e depois da desvalorização de Eduardo Duhalde]."

O historiador José Ignácio García Hamilton diz que, apesar do discurso de esquerda, "a Argentina ainda vive os tempos do clientelismo político".

Peronismo

Contrário às teses do peronismo, que reúnem Menem, Kirchner e Duhalde, Hamilton diz achar que o país viverá um longo período até conquistar a esperada renovação política.

Um exemplo, segundo Hamilton, é o ex-presidente Carlos Menem.

Menem governou a Argentina durante toda a década de 90 e agora está entre os preferidos para comandar a Casa Rosada.

Quando o presidente De la Rúa assumiu o poder, em dezembro de 1999, reclamou que recebia uma "herança pesada" da administração de Menem.

Abismo

"Estamos à beira do abismo", dizia, referindo-se aos números fiscais e sociais que deveria administrar, com desemprego de 13% da população economicamente ativa e quase nada mais para privatizar.

A constatação levou o então presidente a reduzir salários dos servidores e dos aposentados, a manter a conversibilidade (o peso era atrelado ao dólar, adotada na gestão anterior) e a cumprir as exigências do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Para muitos, as medidas de De la Rúa e seu isolamento político, até mesmo do seu partido, a UCR (União Cívica Radical), foram responsáveis por sua própria renúncia.

No início do aprofundamento da crise, ele convocou López Murphy para assumir a pasta da Economia. Os anúncios de corte de gastos do então ministro acabaram rompendo a base política do governo, levando protestos às ruas.

Surpresa

Pouco mais de um ano depois, Menem consolida suas intenções de voto, segundo os analistas políticos Júlio Aurélio e Manuel Mora y Araujo.

Porém, ninguém descarta que Lopez Murphy pode surpreender, chegando ao segundo turno com o ex-presidente.

"Hoje, eu diria que Lopez Murphy sairia primeiro, na frente de Menem, chegando ao segundo turno", afirma Ricardo Rouvier, da consultoria Rouvier e Associados.

"A minha dúvida é se Menem já não bateu no seu teto de votos", diz Eduardo Fidanza.

País normal

Sérgio Berensztein declara acreditar que a explicação para o renascimento político de Menem e o crescimento de López Murphy, e mesmo de Néstor Kirchner, é simples.

"Os argentinos só querem um país normal. Menem já provou que é piloto de crises, ao assumir o país com hiperinflação em 1989 e ao enfrentar a crise do México, nos anos 90. E agora poderá também resolver a situação que vivemos", afirma.

"Lopez Murphy atrai os votos dos antiperonistas", diz.

Esses presidenciáveis, segundo o professor da Universidade Di Tella, representam, de certa forma, a estabilidade tão sonhada pelos argentinos, hoje sem crédito na praça, graças à declaração de moratória da dívida pública externa em dezembro de 2001.

"Voto Conservador"

Um dos principais assessores econômicos de Lopez Murphy, Júlio Piekarz, entende que o chamado "voto conservador" representa, na prática, a possibilidade de volta do financiamento para a casa própria e o carro novo, entre outras coisas.

O economista Diego Estevez, que integra a equipe do presidenciável Carlos Menem, acha que a saída para combater o aumento da pobreza e do desemprego é a retomada do crescimento.

Seja como for, a sorte da Argentina dependerá do resultado das urnas.
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página