Continuação do relatório




II. VOTO DO RELATOR

DAS PRELIMINARES

O Senador Representado argüiu em sua defesa quatro preliminares, quais sejam: 1) litispendência, preexistência de processo político em curso; 2) vício na expressão de vontade dos partidos políticos que induz ilegitimidade processual ativa dos denunciantes para oferecimento de representação; 3) renúncia tácita ao direito de representação; 4) extemporaneidade da defesa oferecida antes de iniciada a instrução probatória. Passo, a seguir, à análise de cada uma delas.


1. - Litispendência. Preexistência de processo político em curso


A defesa suscita a litispendência, por entender que o processamento da presente representação não pode ser simultâneo à apuração civil e criminal solicitada ao Ministério Público, concernente às conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito relativas às irregularidades no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.



Assim, argumenta o Representado que, enquanto o Ministério Público não concluir a sua apuração, a presente representação não poderá ser analisada, já que significaria um duplo processamento. Em síntese, assinala a defesa, neste tópico, que:



"Ora, no caso presente, após 9 (nove) meses de atividades farta e abundantemente levadas à opinião pública pela mídia nacional, de inúmeras sessões, diligências, escândalos, depoimentos e debates, foram concluídos os trabalhos investigatórios da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal, instaurada pelo requerimento n.º 118 de 1999, ..."

(fl. 30 da defesa).

"Exaustivos depoimentos foram prestados, documentos requisitados e analisados, sigilo bancário e telefônico de inúmeros investigados foram quebrados até que foram concluídos os trabalhos investigatórios da CPI com a elaboração de relatório final e a recomendação de que todas as informações e conclusões deveriam ‘ser encaminhadas ao Ministério Público para que promova a responsabilidade civil e/ou criminal dos responsáveis pelos atos ilícitos aqui arrolados, conforme determina o artigo 58, parágrafo 3º da Constituição Federal.

O referido relatório foi encaminhado à Mesa do Senado Federal, para conhecimento do Plenário, como determina o Regimento Interno daquela casa legislativa (art. 150, RISF)"

(fls. 33 da defesa).

"A representação contra o senador Luiz Estevão imputando os mesmo fatos objeto do relatório da CPI do Judiciário – que, repita-se à exaustão, foi aceito pela Mesa do Senado e aprovado pelo Plenário – viola seu direito líquido e certo de ser ver processar uma única vez pelos mesmos fatos."

(fl. 37 da defesa).



Ademais, o Representado alega que a Mesa possui o juízo de admissibilidade acerca das representações oferecidas contra Senador por fato sujeito à perda de mandato, para assinalar que não houve deliberação deste Órgão acerca da admissibilidade desta representação, nem, tampouco, houve, pela Mesa, qualquer providência de natureza disciplinar quando do conhecimento das conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito. É o que se depreende dos argumentos da defesa, assim destacados:





"Outra questão ainda é que, seja quem for o autor da representação – entre os legitimados, por óbvio -, ela será sempre submetida ao juízo de admissibilidade da Mesa. É o que impõe o artigo 14 da Resolução n.º 20/93 do Senado Federal, quando dispõe que

‘oferecida a representação (...) será ela inicialmente encaminhada, pela Mesa, ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar (...) - fl. 27 da defesa.’

Ocorre que jamais a Mesa Diretora do Senado se manifestou com relação ao exame de admissibilidade da representação oferecida pelos Partidos de Oposição. A questão é tanto mais grave quando essa mesma Mesa, em decisão colegiada, conhecendo do Relatório da CPI do Judiciário, requisitou o aprofundamento das investigações ao Ministério Público, entendendo prematuro, naquele momento, à vista dos elementos disponíveis, exercer mais que o poder, mas o dever institucional de, ela própria, encaminhar aquele processado ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, conforme atribuição constitucional-regimental."

(fl. 47 da defesa - grifo no original)





Quanto à preliminar de ’litispendência’, cabe registrar, inicialmente, que para que esta reste configurada "é necessário que o mesmo autor, invocando o mesmo fato, formule o mesmo pedido contra o mesmo réu" (decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida nos autos do R.Crim. 1.245, DJU 30.03.79. p. 2410)



A litispendência caracteriza-se, portanto, pela duplicidade de processos com as mesmas partes, a respeito do mesmo fato e com o mesmo pedido.



Na hipótese sob exame, o encaminhamento das conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Ministério Público ocorreu, principalmente, em observância ao conteúdo do artigo 58, § 3º da Constituição Federal, que determina:

"As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores."

Com efeito, a Comissão Parlamentar de Inquérito possui poderes de instrução próprios das autoridades judiciais, mas não tem poder para processar e julgar os responsáveis pelas irregularidades, porventura identificadas em suas investigações. Assim, a Comissão Parlamentar criada para apurar irregularidades no Judiciário, ao detectar, de fato, a ocorrência de atos ilícitos, não poderia agir de outra maneira, senão encaminhar suas conclusões ao Ministério Público para responsabilização dos culpados.

Por outro lado, convém destacar que o presente processo, de iniciativa de Partidos Políticos com representação no Congresso Nacional para cassação de mandato parlamentar, refere-se à responsabilização política do Senador e não se confunde com a apuração civil e criminal atribuída ao Ministério Público.

Não há, portanto, a alegada litispendência suscitada pela defesa na medida em que as partes não coincidem (na ação civil/penal temos o Ministério Público, enquanto que na presente representação, temos a iniciativa dos Partidos políticos e da Mesa), o pedido é diverso (de um lado, busca-se a responsabilização criminal e civil, de outro, a apuração política) e os fatos, embora decorrentes das conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito, não são idênticos, principalmente se considerarmos que para a caracterização da quebra de decoro parlamentar não é necessário que a prática atribuída ao Parlamentar seja tipificada como crime ou que tenha causado um dano, basta apenas que, segundo juízo de seus pares, ofenda a imagem e a dignidade da Casa Legislativa da qual faça parte.

Sendo assim, o recebimento da presente representação prescinde da apuração atribuída ao Ministério Público, até porque para que seja deliberada perda de mandato não é preciso remeter-se ao cometimento de um crime e, mesmo que haja crime, isto não resulta necessariamente em punição política. E, ainda, mesmo que a conduta do Parlamentar seja tipificada como crime no Código Penal, não se exclui o ato disciplinar de sua Casa Legislativa, que possui natureza diversa da sanção penal. Neste particular, vale registrar decisão do Supremo Tribunal Federal, cuja ementa do acórdão assinala:



"Cassação de mandato de parlamentar (art. 55, II, da Constituição Federal)

Ato disciplinar da competência privativa da Câmara respectiva, situado em instância distinta da judiciária e dotado de natureza diversa da sanção penal, mesmo quando a conduta imputada ao deputado coincida com tipo estabelecido no Código Penal.

Pedido indeferido."

(STF. MS-21443/DF. Tribunal Pleno. Relator Ministro Octavio Gallotti. Publicado DJ 21/08/92).

Quanto ao fato de a Mesa do Senado Federal não ter tomado qualquer providência disciplinar quando do conhecimento das conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito, vale lembrar que a representação oferecida contra Senador por fato sujeito à pena de perda do mandato pode ser promovida tanto pela Mesa quanto por partido político com representação no Congresso Nacional, nos termos do artigo 55, § 2º da Constituição Federal, que dispõe:

Art. 55 – Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

...............................................................................................

II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

Assim, embora a Mesa não tenha tomado, naquele momento, qualquer medida de natureza disciplinar, não se pode excluir, de modo algum, a competência constitucional dos partidos políticos de proporem a abertura deste processo de cassação, já que, como se observa, o dispositivo constitucional inserido no art. 55, § 2º atribuiu competência para promover a abertura de processo de cassação de mandato parlamentar, igualmente, a Mesa e aos partidos políticos com representação no Congresso.

E, considerando, justamente, esta situação de igualdade, não faz sentido, também, o argumento do Representado de que à Mesa compete o juízo prévio de admissibilidade de toda e qualquer representação. Em verdade, o artigo 14 da Resolução n.º 20/93, no qual o Representado fundamenta esta alegação, dispõe:

Art. 14. Oferecida representação contra Senador por fato sujeito à pena de perda do mandato ou à pena de perda temporária do exercício do mandato, aplicáveis pelo Plenário do Senado, será ele inicialmente encaminhada, pela Mesa, ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, ressalvadas as hipóteses do art. 17, quando do processo tem origem no Conselho.

Como se vê, este dispositivo determina apenas o encaminhamento pela Mesa ao Conselho de Ética de representação porventura oferecida contra Senador por perda de mandato e, expressamente, excepciona as hipóteses disciplinadas pelo art. 17, quando o processo tem origem no próprio Conselho. Dispõe o mencionado art. 17:

Art. 17. Perante o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, poderão ser diretamente oferecidas, por qualquer parlamentar, cidadão ou pessoa jurídica, denúncias relativas ao descumprimento, por Senador, de preceitos contidos no regimento Interno e neste Código.

............................................................................................

§ 3º Considerada procedente denúncia por fato sujeito a medidas previstas nos art. 8º e 9º, o Conselho promoverá sua aplicação, nos termos ali estabelecidos. Verificando tratar-se de infrações incluídas entre as hipóteses dos arts. 10 e 11, procederá na forma do art. 15.

Caso a Mesa possuísse, como alegado pelo Representado, o juízo prévio de admissibilidade sobre toda representação, o processo iniciado no Conselho, decorrente da procedência de denúncia, deveria retornar à Mesa para exercício deste juízo preliminar. Entretanto, pelo disposto no art. 17, no caso de representação para perda de mandato originada no Conselho, observar-se-á o procedimento disciplinado pelo art. 15 da Resolução n 20/93, não sendo, em momento algum, submetido à análise da Mesa para sua admissibilidade.

Além da exceção constante do art. 14 da Resolução n.º 20/93, entendo que a Mesa não detém este juízo prévio de admissibilidade, também, pelo fato de, como já se disse, encontrar-se, no que tange à legitimidade para promover este processo político, em situação de igualdade com os Partidos Políticos com representação no Congresso Nacional. Assim, nos parece que a Mesa não poderia obstaculizar o processamento de representação promovida pelos partidos políticos.

Demais disso, interpretar o referido art. 14 da Resolução 20/93 nos termos pretendidos pelo Senador Representado, significaria submeter à Mesa a admissibilidade, inclusive, das representações de sua iniciativa, o que seria um contra-senso.

Desta forma, conclui-se que o juízo de admissibilidade de representação oferecida contra Senador, por fato sujeito à pena de perda de mandato, proposta pela Mesa do Senado ou por partido político com representação no Congresso Nacional, será efetuado por este Conselho de Ética e de Decoro Parlamentar.

Em face destas considerações, entendo que o processamento da presente representação prescinde das apurações atribuídas ao Ministério Público, razão pela qual opino pela rejeição desta preliminar.

2. - Vício na expressão de vontade dos Partidos Políticos que induz ilegitimidade processual ativa dos denunciantes para oferecimento de representação

O Senador Representado, nesta preliminar, argüi vício na expressão de vontade dos partidos políticos, sob o fundamento de que esta representação, uma vez desacompanhada de ato de vontade partidária, deveria ter sido recebida como denúncia e processada em conformidade com o disposto no art. 17 da Resolução n.º 20/93. Para tanto, apresenta os seguintes argumentos:

"A Representação subscrita pelo PT, PDT, PSB, PPS, PC do B, PV e PL, em desfavor do Senador Luiz Estevão, desacompanhada do ato de vontade partidária, nos termos de cada estatuto, encontra-se destituída de substrato formal para poder, nos termos do § 2º do art. 55 da Constituição, dar início ao procedimento de que trata o art. 15 da Resolução n.º 20, de 1993, devendo, antes, ser recebida como a denúncia de que trata o art. 17 da mencionada Resolução, a ser encaminhada ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar com vistas a adoção de medidas preliminares, bem como providenciar as diligências que entender necessárias." (fls. 52/53 da defesa)

"Só então, encerrada a apuração preliminar, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, por deliberação de seus membros, na forma do parágrafo 3º do artigo 17 da Resolução n.º 20/93, verificará a procedência da denúncia, decidindo por seu arquivamento ou, do contrário, aplicando, no limite de sua atribuição, a penalidade de censura ou advertência (arts. 8º e 9º), ou, tratando-se de hipótese de perda temporária ou definitiva do mandato (arts. 10 e 11), convolando-a em Representação do próprio Conselho (art. 13) e encaminhando-a à Mesa do Senado para que exerça o juízo prévio de admissibilidade de instauração do processo político judicialiforme (art. 15). Somente a partir da decisão da Mesa encaminhando a representação ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar ou determinando investigações na forma do art. 19 RISF é que terá início o processo de cassação propriamente dito." (fls. 54/55 da defesa).

Além disso, sustenta, a defesa, às fl. 56:



"...não se pode admitir, por mais que se sustente a natureza política do processo de cassação, que participem do julgamento da representação para perda do mandato membros de Partido Político especialmente empenhado na obtenção do resultado pretendido, colecionando documentos e pareceres para fabricar a acusação e empenhando-se em obter a adesão de outras agremiações à iniciativa francamente promovida pelo Partido dos Trabalhadores."

Quanto à representação dos partidos políticos pelo seu presidente, cabe destacar posição do Supremo Tribunal Federal no que tange à representação partidária na ação direta de inconstitucionalidade. Em verdade, o Excelso Pretório considera que nas ações diretas de inconstitucionalidade propostas com fundamento no art. 103, VIII da CF, os partidos políticos com representação no Congresso Nacional são representados pelos respectivos Presidentes, independentemente de prévia audiência de qualquer órgão partidário. É o que se observa pelo trecho da ementa do acórdão proferido no julgamento da ADIMC-1096/RS, cujo relator Ministro Celso de Melo, considerou:



"(...)

REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL DO PARTIDO POLÍTICO NA AÇÃO DIRETA.

O Partido Político, nas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas perante o Supremo Tribunal Federal, e representado pelo Presidente de seu Diretório Nacional, independentemente de prévia audiência de qualquer outra instância partidária, exceto na hipótese de existir prescrição de ordem legal ou de caráter estatutário dispondo em sentido diverso."

(Ação Direta de Inconstitucionalidade - Medida Cautelar. Relator Ministro Celso de Mello. Julgado em 16/03/95. Tribunal Pleno. DJ 22/09/95.

Ora, se na propositura das ações diretas de inconstitucionalidade, nas quais se pretende, perante o Supremo Tribunal Federal, a nulidade de texto legal votado e aprovado pelo Congresso Nacional, prescinde-se da anuência de qualquer órgão partidário, com mais razão, esta anuência torna-se dispensável no presente caso, principalmente se considerarmos que os próprios representantes do Partido na Casa Legislativa participarão do processo de perda de mandato, votando, em Plenário, pela procedência da cassação ou pelo seu arquivamento, nos termos do art. 55, § 2º da Constituição Federal.



Ainda que assim não fosse, cabe registrar que a Mesa do Senado Federal, na qualidade de órgão igualmente competente para promover o processo de cassação de mandato (art. 55, § 2º da CF), ao encaminhar a representação dos Partidos Políticos ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, por manifestação favorável de 4 (quatro) dos 7 (sete) Senadores que a compõem, teria suprido o suposto vício na representação dos partidos políticos.



Neste particular, como já se disse, a Mesa e os Partidos Políticos estão, no que se refere à propositura de processo de cassação contra Senador por quebra de decoro parlamentar, em situação de igualdade, por determinação do próprio texto constitucional, no dispositivo inserido no artigo 55, § 2º.



Não compete à Mesa, pelos motivos já explicitados no item anterior, o juízo de admissibilidade sobre as representações oferecidas para cassação de mandato por quebra de decoro parlamentar. Sendo assim, por igual razão, não poderia este Órgão deixar de receber a representação sob exame e de encaminhá-la a este Conselho de Ética.



Desta forma, tendo a Mesa do Senado Federal, após deliberação favorável da maioria de seus membros, concluído no sentido de processar a representação oferecida contra o Senador Luiz Estevão, e possuindo este órgão competência para também dar início a este processo disciplinar, o suposto vício na representação dos Partidos, se de fato existisse, estaria sanado.



Portanto, não configurado qualquer vício na expressão de vontade dos partidos políticos, a presente representação deve ser recebida como tal e processada em conformidade com o art. 15 da Resolução n.º 20/93.



No que concerne à participação, neste processo disciplinar, dos membros dos Partidos Políticos que propuseram a Representação, convém destacar que o processo de perda de mandato por quebra de decoro é um processo de natureza política, considerando-se a imagem e a honra da própria instituição independentemente de posição político-partidária.



E, ainda, se considerássemos o alegado impedimento dos membros dos Partidos representantes, poder-se-ia questionar, também, a participação, neste processo, dos parlamentares integrantes do mesmo partido do Representado.

Ademais, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, em observância ao disposto no art. 23 da Resolução n.º 20/93, deve observar em sua composição o princípio da proporcionalidade partidária.

Sendo assim, entendo pela rejeição desta preliminar.



3. - Renúncia tácita ao direito de representação



Neste tópico, a defesa considera que o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito foi submetido à votação do Plenário do Senado Federal, nos termos do art. 150 do Regimento Interno desta Casa, sendo que, naquela oportunidade, os partidos de oposição concordaram com o seu encaminhamento ao Ministério Público, sem qualquer recomendação ao Conselho de Ética. Nesse particular, a defesa argumenta que:



"... caso houvesse divergência quanto à sugestão de encaminhamento do Relatório da CPI do Judiciário ao Ministério Público Federal para aprofundamento das investigações, na forma do artigo 151 do Regimento Interno – sugestão essa encampada pela Mesa na forma do artigo 19 da Resolução n.º 20/93 -, deveriam os Partidos de Oposição apresentar declaração de voto recomendando adicionalmente à Mesa do Senado o encaminhamento imediato daqueles papéis como representação para a perda do mandato do Senador Luiz Estevão, na forma do artigo 13 do Código de Ética e Decoro Parlamentar.

Todavia, como não o fizeram naquele momento, aderiram integralmente àquele relatório e ao encaminhamento de providências nele sugeridas, renunciando ao oferecimento de posterior nova representação contra o Senador Luiz Estevão por fatos que já eram conhecidos à época da aprovação do Relatório e a eles relacionados, antes de concluídas as investigações requisitadas ao Ministério Público e, portanto, antes de finalizar o processo que não fora arquivado ou extinto."

(fls. 58/59 da defesa)

Quanto a esta argüição, cabe, antes de tudo, ressaltar que o art. 150, do Regimento Interno do Senado Federal, determina que a Comissão Parlamentar de Inquérito, ao término de seus trabalhos, enviará seu relatório e conclusões à Mesa, para conhecimento do Plenário. As conclusões da Comissão Parlamentar não foram submetidas à aprovação do Plenário, como pretendeu sustentar o Representado.

Entretanto, ainda que o Plenário tivesse aprovado as conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito, também nesse aspecto, sem razão o Representado, na medida em que, como já se disse, as providências solicitadas ao Ministério Público referem-se à responsabilização civil e/ou criminal pelos atos ilícitos identificados pela Comissão Parlamentar, enquanto que, a presente representação diz respeito à responsabilização política do Senador.

Neste sentido, a apuração desenvolvida pelo Ministério Público, para responsabilização civil e criminal pelos atos ilícitos identificados nas investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito, não impossibilita o processamento da presente representação, cuja competência é privativa desta Casa Legislativa. Por este motivo, rejeito, também, esta preliminar.



4. - Extemporaneidade da defesa oferecida antes de iniciada a instrução probatória



A defesa considera que, no caso da Resolução n.º 20/93 restar lacunosa, há que se buscar a aplicação supletiva das normas constantes do Regimento Interno desta Casa (art. 33) e do Código de Processo Penal, assegurando-se ao Senador a ampla defesa.



Pretende, ainda, o Representado, às fls. 62/63 da defesa, a aplicação do mesmo procedimento adotado pelo Tribunal do Júri:



"Portanto, aqui no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, tal qual perante o juiz da pronúncia, deve ser assegurado ao Senador Luiz Estevão o direito de ser ouvido (art. 394 do CPP), apresentar alegações escritas, arrolar testemunhas (art. 395 do CPP) e requerer diligências (art. 399), podendo intervir na produção da prova e oferecer documentos. Encerrada a instrução, após parecer do Relator, poderá o Senador Luiz Estevão oferecer novas alegações escritas (art. 406 do CPP), anteriores ao exame da procedência da representação pelo Conselho.

Ainda, apenas dando prosseguimento à argumentação, na hipótese – que se reputa remota e absurda – de o conselho concluir pela procedência da representação, caberia ainda ao senador Luiz Estevão o direito de ser ouvido (art. 465 do CPP) pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, por ocasião do exame da matéria, e pelo Plenário, antes da votação do projeto de resolução para a declaração da perda temporária ou definitiva do mandato, invocar testemunhos relevantes à matéria (art. 468) e – afinal – apresentar defesa oral (art. 472)."

Quanto à aplicação do art. 33 do Regimento Interno do Senado Federal (aprovado pela Resolução nº 93, de 1970), cabe registrar que, sendo a Resolução 20/93 posterior à Resolução que aprovou o Regimento Interno, e regulando o processo disciplinar de maneira diversa daquela constante do Regimento, concluímos pela revogação tácita dos dispositivos que tratam do processamento de Representação contra Senador constantes da Resolução 93/70. Assim, o presente processo disciplinar deve ser regido pelo art. 15 da Resolução 20/93, que dispõe:



Art. 15. Recebida a representação, o Conselho observará os seguintes procedimentos:

I – o Presidente do Conselho, sempre que considerar necessário, designará três membros titulares do mesmo para compor Comissão de Inquérito, destinada a promover as devidas apurações dos fatos e das responsabilidades;

II – constituída ou não, a Comissão referida no inciso anterior, será oferecida cópia da representação ao Senador, que terá o prazo de cinco sessões para apresentar defesa escrita e provas;

III – esgotado o prazo sem apresentação de defesa, o Presidente do Conselho nomeará defensor dativo para oferecê-la, reabrindo-lhe igual prazo;

IV – apresentada a defesa, o Conselho ou, quando for o caso, a Comissão de Inquérito, procederá as diligências e a instrução probatória que entender necessárias, findas as quais proferirá parecer no prazo de cinco sessões ordinárias do Senado, salvo na hipótese do art., 19, concluindo pela procedência da representação ou pelo arquivamento da mesma, oferecendo-se, na primeira hipótese, o projeto de resolução apropriado para a declaração da perda do mandato ou da suspensão temporária do exercício do mandato;

V – em caso de pena de perda do mandato, o parecer do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar será encaminhado à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para exame dos aspectos constitucional, legal e jurídico, o que deverá ser feito no prazo de cinco sessões ordinárias;

VI – concluída a tramitação no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar e na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, será o processo encaminhado à Mesa do Senado e, uma vez lido no Expediente, será publicado no Diário do Senado Federal e distribuído em avulsos para inclusão em Ordem do Dia.



O processo de perda de mandato parlamentar não é administrativo, nem judicial, mas político e encontra-se regido pelas normas internas desta Casa Legislativa, sendo que as normas de direito processual penal devem ser aplicadas subsidiariamente. Neste particular, inclusive, convém destacar decisão do Supremo Tribunal Federal no que tange ao processo de perda de mandato parlamentar:



"Ampla defesa - Parlamentar – Perda de mandato – Representação por advogado no âmbito da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal – Sustentação da tribuna. A expressão ‘ampla defesa’ contida no par. 2º do artigo 55 da Constituição Federal não encerra, necessariamente, a representação do parlamentar por profissional da advocacia, a ponto de impor, a qualquer das Casas do Legislativo, a admissão deste na tribuna. O processo de perda de mandato não é administrativo, nem judicial, mas político, sendo regido por norma ‘interna corporis’. Mesmo no campo jurisdicional, em que se tem o advogado como indispensável à administração da justiça – artigo 133, Capítulo III – ‘Do Poder Judiciário’ – da Constituição Federal, é possível encontrar recursos que não ensejam a sustentação da tribuna, sem que, com isto, a norma restritiva possa ser tida como merecedora da pecha de inconstitucional. Tanto quanto possível, deve ser preservada a disciplina do funcionamento dos órgãos dos Poderes da União, buscando-se, dessa forma, a eficácia da cláusula constitucional que lhe é inerente – da harmonia e independência. A solução emprestada ao processo político de perda de mandato não obstaculiza o acesso ao Judiciário, cuja atuação se faz, sob o ângulo da legalidade, com a inestimável colaboração do profissional da advocacia.

(STF. MS-21360/DF. Tribunal Pleno. Relator do Acórdão Ministro Marco Aurélio. Publicado no DJ de 23/04/93)

Assim, a tese sustentada pela defesa de que o procedimento a ser adotado por este Conselho deva ser semelhante àquele utilizado pelo Tribunal do Júri (fls. 62/63 da defesa), não possui suporte legal e contraria os dispositivos constitucionais e regimentais que conferem independência e exclusividade, a esta Casa, no processamento disciplinar de seus membros. Este processo possui natureza política e rege-se por normas "interna corporis".

Quanto ao requerimento do Senador para que lhe seja concedido o direito de manifestar-se perante a Comissão de Constituição e Justiça, cabe esclarecer que, além de esta intervenção não se encontrar prevista na Resolução n.º 20/93, o exame a ser procedido pela referida Comissão de Constituição e Justiça resume-se à análise dos aspectos constitucional, legal e jurídico deste parecer. Considero, ainda, que a não manifestação do Representado perante a Comissão de Constituição e Justiça não ofende o seu direito de ampla defesa.

Portanto, no que concerne a este pleito (solicitação de oportunidade de defesa oral), entendo, de igual modo, que esta Casa não prevê este tipo de intervenção, o que, também, não significa desrespeito ao seu direito de defesa. Nesse sentido, inclusive, trilhou o Supremo Tribunal Federal na decisão antes mencionada.

Quanto às diligências determinadas por este Conselho e a instrução probatória procedida, vale registrar que a defesa teve conhecimento de sua realização, interveio na sua produção, além de ter tido oportunidade de manifestar-se acerca de suas conclusões.

No que respeita ao processo disciplinar para cassação de mandato, de natureza política, deve reger-se pelas normas internas desta Casa, aplicando-se subsidiariamente as normas de direito processual, de modo a assegurar-se ao Senador Representado o direito à ampla defesa.

Assim sendo, não obstante se reconhecer a validade do fundamento aduzido, este não enseja a interpretação e a aplicação desejadas pela defesa, de sorte que opino, também, pela rejeição desta preliminar.



DO MÉRITO



Antes de tudo, parece-me necessário, com o objetivo de aclarar o papel deste Conselho, tecer considerações breves, a respeito da normatização dos procedimentos a serem obedecidos na hipótese de violação mais grave do decoro parlamentar, punível com a perda do mandato, tal como previsto na Resolução nº 20, incorporada ao Regimento desta casa.

O referido diploma legal criou este colegiado, como instância obrigatória, juntamente com a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, nos processos de cassação de mandato, antes do pronunciamento final do plenário.

Como nada é gratuito ou inútil, num texto legal, conclui-se que as duas instâncias, sem subordinação hierárquica e, portanto, não recursais, foram instituídas com funções diferentes, vale dizer, com esferas de competência que não se confundem.

A este Conselho, como primeiro estágio, cabe fazer a triagem inicial, de avaliação da consistência das denúncias, incumbindo-lhe propor a punição que entender cabível, num julgamento mais de natureza moral do que legal.

Na etapa seguinte, caberá à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aprofundar o exame dos aspectos legais, doutrinários e jurisprudenciais da matéria, numa apreciação, portanto, predominantemente, senão exclusivamente, de caráter jurídico.

Por fim, na última fase, o processo, instruído pelas manifestações do Conselho de Ética e da Comissão de Justiça, será submetido ao Plenário, que o examinará ao influxo das conveniências partidárias e do interesse maior da instituição, num julgamento, este sim, de natureza eminentemente política.


anterior
sobe
próxima