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19/11/2000 - 11h06

Comitê de FHC omitiu doações em 1994

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ANDRÉA MICHAEL e WLADIMIR GRAMACHO
da Folha de S.Paulo

A campanha eleitoral que elegeu o presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1994, também movimentou recursos por meio de um caixa-dois.

Uma planilha eletrônica da sua primeira eleição à Presidência mostra que pelo menos R$ 8 milhões deixaram de ser declarados ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na ocasião, o que é ilegal.

Há uma semana, a Folha revelou, com base em documentos sigilosos do comitê financeiro de Fernando Henrique Cardoso, que a campanha da reeleição, em 1998, recebeu no mínimo R$ 10,120 milhões em doações carreadas para uma contabilidade paralela. Os recursos não declarados à Justiça Eleitoral estão descritos em 34 registros existentes na principal planilha. Eles indicam que o comitê de FHC recebeu pelo menos R$ 53,120 milhões -mais do que os R$ 43 milhões declarados oficialmente ao TSE.

Agora, uma nova planilha informa que esse expediente não era novidade no comitê tucano. Uma extensa lista com quase 300 empresas relaciona 53 nomes de doadores cujas contribuições não foram incluídas na prestação de contas entregue ao TSE. Somados, esses colaboradores deram R$ 8 milhões para o caixa-dois da campanha de Fernando Henrique Cardoso em 1994.

O número pode ser conservador. Um anexo da planilha demonstra que a escrituração paralela pode ter sido bem maior. Atualizada pela última vez no dia 30 de agosto de 1994, a planilha traz nesse anexo uma tabela que apresenta o seguinte título: "Conta-Corrente Campanha".

Trata-se de um extrato simplificado que sugere o ingresso de R$ 72 milhões no caixa do comitê. Não há número de conta nem nome de banco. Apenas registros sucintos de créditos e débitos. Ao Tribunal Superior Eleitoral, o comitê de 1994 informou ter recebido R$ 33,6 milhões.

O autor do arquivo, segundo registro eletrônico, é novamente o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira (Administração e Ciência e Tecnologia), tesoureiro nas duas campanhas presidenciais de FHC. Procurado pela Folha, Bresser negou a autoria da planilha.

"Quem deve ser capaz de responder às perguntas sobre uma planilha de 1994 é quem participou das duas campanhas, teve acesso às planilhas que fiz inicialmente e as utilizou para um controle adicional, que atendesse às suas necessidades. O que não entendo é por que ou para que fez isso", escreveu Bresser Pereira, num e-mail enviado ao jornal na última quarta-feira.

Dois dias depois, na sexta-feira, outro ex-ministro de Fernando Henrique Cardoso aceitou falar sobre o assunto. Durante três horas, José Eduardo Andrade Vieira, também ex-banqueiro (Bamerindus) e ex-senador (1991-1999), prestou depoimento ao Ministério Público, em Londrina, e confirmou o uso de um caixa-dois na campanha presidencial de 1994.

Ao explicar o funcionamento da arrecadação de fundos, naquela eleição, Andrade Vieira disse: "Quando o empresário ou colaborador não deseja aparecer, para permanecer no anonimato, contribui com recursos financeiros em espécie para a campanha eleitoral", declarou.

Afirmou que "o candidato Fernando Henrique Cardoso acompanhava pessoalmente o volume de recursos financeiros arrecadados na campanha de 1994". O ex-ministro confirmava, num depoimento formal, o que vinha dizendo à Folha, nos últimos três meses, em sucessivas conversas.

Numa delas, ainda em agosto, Andrade Vieira disse, num telefonema gravado, que ele próprio acompanhou um de seus executivos -João Elísio Ferraz de Campos, então presidente da Bamerindus Seguradora- numa entrega de dinheiro clandestino ao comitê.

Folha - Como era o sistema de arrecadação de fundos, em 1994?
José Eduardo de Andrade Vieira - Eu sei que o João Elísio -algumas vezes eu até fui junto com ele, duas ou três- foi levar dinheiro para o Eduardo Jorge. Também não me lembro quanto, mas não eram R$ 10 mil, R$ 20 mil.


Folha - Dinheiro vivo ou cheque?
Andrade Vieira - Dinheiro vivo.


Folha - Isso ocorreu durante a campanha?
Andrade Vieira - Na campanha.


Folha - Era dinheiro para a campanha?
Andrade Vieira -É... É difícil de a gente saber.


Folha - E esse dinheiro, o João Elísio arrecadava onde?
Andrade Vieira - Junto às seguradoras. Isso acontecia lá no Rio.

O ex-ministro explicava, aqui, como operavam os colaboradores que preferiam o anonimato. Andrade Vieira disse à Folha ter documentos que comprovam suas informações. E a interlocutores próximos afirmou estar disposto a entregar o que puder ao Ministério Público.

Ao saber que havia sido citado por Andrade Vieira como portador de dinheiro para o caixa-dois, João Elísio Ferraz de Campos negou a ocorrência desses episódios. Afirmou que, em 1994, apenas coordenou o comitê político de Fernando Henrique Cardoso no Paraná, sem funções financeiras.

"O José Eduardo está louco. Eu nunca levei dinheiro na mala para ninguém. E, se as seguradoras deram, não foi por meu intermédio", afirmou Ferraz de Campos, que hoje preside a Federação Nacional das Seguradoras (Fenaseg) e o diretório do PFL-PR.

Andrade Vieira falou genericamente sobre um expediente que a planilha de 1994 revela ter sido comum. Há inscrições no documento da primeira campanha que indicam burlas à regra de utilização de bônus eleitorais para a comprovação de contribuições.

Ao lado de uma doação de R$ 200 mil, atribuída à Amil, aparece a seguinte inscrição: "200 sem b". Por "b", entenda-se "bônus", que marcam praticamente todas as doações da planilha que estão no TSE, reunidas na coluna "R-B".

Outro indicativo de caixa-dois na planilha: nela está registrado que o Pão de Açúcar, do empresário Abílio Diniz, doou R$ 200 mil à campanha de 1994.

Contatado pela Folha, o grupo, cuja razão social é Cia. Brasileira de Distribuição, enviou nota confirmando ter doado em UFIRs 358.540,61 (equivalente hoje a R$ 380 mil) para a campanha. Mas não há registro da doação no Tribunal Superior Eleitoral.

Quando havia necessidade de declarar o recurso à Justiça Eleitoral, a contabilidade da campanha era explícita. Segundo o documento, o Banco Pactual se comprometeu com doação de R$ 100 mil, mas foi preciso anotar: "Vai dar via bônus".

Essa contribuição, porém, não está no TSE. Ou o banco desistiu de doar, ou mudou de idéia em relação aos bônus. Citado como contato na instituição, o empresário Jorge Paulo Lemann (grafado como Lheman na planilha) não foi localizado pela Folha na semana passada.

Outros registros reforçam a veracidade da planilha. O empresário Eike Batista, por exemplo, é citado ao lado de uma doação de R$ 60 mil, registrada na coluna "R-B", ou recebidos com bônus eleitorais. De fato, duas de suas empresas contribuíram para a campanha: a TVX Participações (R$ 50 mil) e a EBX participações (R$ 10 mil). E isso está no TSE.

Há outros registros ainda mais detalhados. A planilha informa que o Banco Boavista doaria R$ 150 mil em duas oportunidades. Tal e qual a declaração ao TSE.

O hoje ministro Andrea Matarazzo (Secretaria de Comunicação) também é citado na planilha de 1994. Seu nome está associado a cinco doadores, para os quais teria organizado jantares. Exatamente a mesma tarefa que Matarazzo diz ter realizado em 1998, quando teria arrecadado R$ 3 milhões para o caixa-dois da reeleição, segundo planilhas secretas do comitê financeiro.



 

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