Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
30/11/2000 - 22h02

Leia a íntegra da primeira entrevista de Covas após a operação

Publicidade

da Folha Online

O governador de São Paulo, Mário Covas, concedeu hoje à tarde a primeira entrevista coletiva após a operação a que foi submetido, no dia 21.

Leia a íntegra abaixo:

Covas - Eu vim aqui para conversar um pouco com vocês para mostrar que eu estou mais longe do fim do que possam pensar. Desde o início do processo, nós temos tido uma conduta que reproduz o que vem acontecendo. Os médicos estão autorizados, mais do que isso, estimulados a contar as coisas tal qual elas são. Mas, parece que continuamos na prática de acreditar pouco na verdade. Então, vou deixar a iniciativa com vocês, para vocês perguntarem e, quem sabe ao longo do caminho aparece alguma coisa que tem alguma importância falar. Se eu tiver alguns momentos de emoção, acho que vocês serão capazes de compreender isso. De qualquer forma, vamos... como é que a gente se fala? É a segunda vez que faço isso... então, não está muito ruim. Quem começa?

Repórter- O senhor superou bem em 98, a primeira cirurgia e a primeira pergunta da gente, que fica muito satisfeito de ter o senhor aqui, é saber o que o senhor está sentindo e como o senhor está passando depois de uma semana da segunda cirurgia?

Covas - A recuperação da outra demorou muito mais tempo do que essa. Na outra, depois da operação nós ficamos aqui 14 dias e até mesmo eu pedi para não sair porque era Natal e achei que saindo nessa data eu encontraria tanta gente que isso afinal mexeria com a sensibilidade da gente. Essa não. Ontem, fez nove dias da operação, cirurgia que envolveu mais pontos do que aquela, envolveu uma parte do intestino, uma parte da bexiga... Na bexiga menos mas, de qualquer maneira, eu continuo tal qual da outra vez com um "cachorrinho" ao lado. (Covas mostra a bolsa da sonda vesical). Mas eu acho que correu tudo tão bem, tão extraordinariamente bem, e de tal maneira a gente recebeu novamente uma solidariedade tão grande que é uma coisa quase inenarrável. Caminha tudo muito bem. Eu não tenho nenhuma solicitação pessoal no sentido de ir embora hoje, ir embora amanhã, ou depois de amanhã. Engraçado que da outra vez era para eu ir embora na véspera do Natal e eu pedi para ficar até depois. Há muito pouco que eu possa produzir na rua numa circunstância dessa. Por outro lado, ficando aqui é sempre um descanso, é receber um atendimento pronto. As camas são muito ruins, eu não aconselho a usá-las, o que aliás não é vantagem nenhuma porque todos os equipamentos hospitalares são muito ruins para o paciente, mas como a gente está aqui pelo SUS, não dá nem para reclamar. Eu acho que as coisas correram bem, muito bem, a operação foi feita na terça-feira, no segundo dia a gente já andava pelo quarto e, portanto, de lá para cá foi uma sucessão de melhoras. Se vocês me perguntarem se eu quero ir embora hoje, eu não quero. Eu vou embora quando os médicos me disserem que é para ir embora. Eu não discuto esse assunto. Não discuto nenhum dos aspectos técnicos ligados à operação porque esse é um tema no qual eu não transito bem. Eu só entro com o corpo e, graças a Deus, não entro com a alma. Eu acho que fui muito bem e mais uma vez tenho tanto para agradecer, para tanta gente que as palavras são difíceis de traduzir o que a gente sente.

Repórter - Com os problemas que o senhor vem enfrentado, o senhor tem acompanhando o noticiário, os problemas do Estado? Que problemas têm chamado a atenção do senhor?

Covas - É, fiquei sabendo que eu estava com... como é que chama aquilo que sai pra todo lado?

Platéia - Urticária?

Covas - Que urticária... A imprensa vai me ajudar. Aquilo que no câncer sai para todo o lado.

Platéia - Metástase.

Covas - Isso, metástase. Eu vi que um jornal de São Paulo publicou que eu estava com isso, aliás, foi manchete de primeira página. Não é muito bom a gente ler aquilo, sobretudo quando não é verdade. Mas, tudo bem, que se vai fazer. Faz parte do jogo. Para mim, principalmente, faz parte do jogo porque estou passando por um trecho e porque sou um político. Portanto, a gente tem que passar por certas coisas com uma certa insensibilidade da qual os outros normalmente estão livres.

Repórter - Em relação a outros assuntos, há algo que o senhor gostaria de falar especificamente?

Covas - Quais assuntos?

Repórter - Política nacional.

Covas - Sim, porque diariamente eu leio o clipping. Aliás, estou lendo muito mais do que lia antes porque agora estou com um certo tempo ocioso que me permite fazer isso. Ainda hoje li o clipping inteiro. Você está querendo se referir ao Hospital da Mulher? Se for, faça a pergunta? Então, qual é o problema político que você quer perguntar?

Repórter - A imprensa inteira deu e vários jornais publicaram a movimentação de vários possíveis candidatos para 2002...

Covas - Mas é inevitável isso. A movimentação vai acontecendo, mas não há muita novidade no setor. A novidade mais acentuada que tem havido, do meu conhecimento, é a candidatura do Pedro Simon, que é uma figura pela qual eu tenho muita admiração.

Repórter - O senhor acha que está faltando agressividade no PSDB neste momento de iniciar uma articulação?

Covas - Sabe que eu ouvi essa conversa há dois anos quando fui candidato a governador? Está sendo repetida por você agora, nas mesmas palavras. Po que falta legitimidade ao PSDB? O que falta ao PSDB que os outros têm? Não ter ganho a eleição em alguns lugares, só ter ganho a eleição em alguns lugares? Essa é a roda da vida. Se não fosse assim não precisava democracia, se fazia eleição uma vez e o cara ficava o resto da vida. É assim mesmo, muda. Os atores são substituídos embora o palco fique o mesmo. E portanto a coisa vai se sucedendo normalmente. E acho que, no caso específico do meu partido, os nomes não são diferentes daqueles que têm sido lembrados sempre, embora tenhamos outros nomes parece que alguns deles caminharam com mais rapidez. Até mesmo por força deles, quer dizer, não foi iniciativa deles. É que os companheiros começam a falar em nomes, assim como falaram no meu. Não é por que eu tenha querido. Se alguém que faz dois anos diz que não seria candidato sou eu. Mas meu nome foi lembrado durante muito tempo. Eu acho que o PT, naturalmente, terá o seu candidato. Uma novidade que eu também não sabia é que o (senador) Suplicy vai ser candidato a presidente e as demais forças não estão muito equacionadas ainda do ponto de vista se caminham sozinhas. Olha, eu tenho falado muito nas entrevistas que eu não acreditava que se mantivesse aquele status quo da eleição anterior. Isso pela razão mais óbvia do mundo: porque o momento eleitoral é o momento em que os partidos querem caminhar. E portanto eles caminham apresentando candidatos e buscando ganhar a eleição e isso é legítimo, não tem nada de extraordinário nisso. Mas eu acho que ainda se tem de fazer um longo caminho para se chegar lá. Faltam ainda quase dois anos para a eleição. Acho que ainda tem muita coisa para rolar. Temos as eleições estaduais concomitantes, que são atraentes, que são atrativas, são significativas. Tudo isso vai acontecer concomitantemente. Não tem muita novidade naquilo que li do ponto de vista do quadro sucessório.

Repórter - O que move o senhor nessa luta, porque o senhor está vencendo essa batalha no hospital mas ao mesmo tempo está pedindo o livro caixa do Estado, chamando assessores, está pedindo informações...

Covas - Bom, mas eu não deixei de ser governador. O que me move é tentar, no limite das minhas forças, cumprir a minha tarefa. Eu não estou insatisfeito com o livro caixa, não.

Repórter - Está arrecadando mais, governador?

Covas - Não. Não é que esteja arrecadando mais. Mas esse mês foi um mês bom por força de uma circunstância onde não apenas a ação da receita mas com uma lei que foi aprovada por outros Estados de permitir quitar as dívidas com 50% de desconto. Essa lei, em São Paulo sobretudo, deu um salto de qualidade muito significativo.

Repórter - É assim que o senhor se recupera, governador? É esse o remédio do senhor? Quer dizer, continuar governando o Estado de São Paulo?

Covas - Bem, essa é uma pergunta de difícil resposta. Se eu disser que sim, amanhã sou candidato. Se eu disser que não, eu não estaria dando atenção a esse fato e eu dou uma tremenda importância a esse fato. Tremenda importância. No dia que eu cheguei aqui, me perdoem se isso me emocionar além da conta, eu cruzei com um casal razoavelmente jovem. A moça e o marido são do Estado do Rio de Janeiro. O marido vinha fazer uma operação. No corredor eu cruzei com ela e ela me disse "puxa, o senhor é portador do meu primeiro voto da vida quando o senhor for candidato a presidente". Uma coisa quase inusitada você receber uma declaração dessa num instante em que você está entrando na sala de operação. Depois, antes de ir embora, ela me deixou uma mensagem. E eu vou ler para vocês. Eu recebi agora há pouco. Ela me serve tanto que... O título é 'Amigos':
(Mário Covas inicia a leitura com a voz embargada e chora em vários trechos)

Amigos

Um dia, uma pequena aberta apareceu num casulo; um homem sentou e observou a borboleta por várias horas, conforme ela se esforçava para para fazer com que seu corpo passasse através daquele pequeno buraco. Então pareceu que ela havia parado de fazer qualquer progresso. Parecia que ela tinha ido o mais longe que podia, e não conseguia ir mais. Então, o homem decidiu ajudar a borboleta: ele pegou uma tesoura e cortou o restante do casulo. A borboleta então saiu facilmente. Mas seu corpo estava murcho e era pequeno e tinha asas amassadas. O homem continuou a observá-la porque ele esperava que, a qualquer momento, as asas dela se abrissem e esticassem para serem capazes de suportar o corpo que iria se afirmar a tempo. Nada aconteceu na verdade, a borboleta passou o resto de sua vida rastejando com em um corpo murcho e asas encolhidas. Ela nunca foi capaz de voar. O que o homem, em sua gentileza e vontade de ajudar, não compreendia era que o casulo apertado e o esforço necessário à borboleta para passar através da pequena abertura era o modo pelo qual Deus fazia que o fluído do corpo da borboleta fosse para as suas asas, de forma que ela estaria pronta para voar uma vez que estivesse livre do casulo.
Algumas vezes, o esforço é justamente o que precisamos em nossa vida.
Se Deus nos permitisse passar através de nossas vidas sem quaisquer obstáculos, ele nos deixaria aleijados. Nós não iríamos ser tão fortes como poderíamos ter sido. Nós nunca poderíamos voar.
Eu pedi forças... e Deus deu-me dificuldades para me fazer forte. Eu pedi sabedoria... e Deus deu-me cérebro e músculos para trabalhar.
Eu pedi coragem... e Deus deu-me obstáculos para superar.
Eu pedi amor... e Deus deu-me pessoas com problemas para ajudar.
Eu pedi favores... e Deus deu-me oportunidades.
Eu não recebi nada do que pedi... mas eu recebi tudo de que precisava.


Desculpem. Como eu posso, conhecendo isso, não correr atrás da vida. Essa operação é uma coisa que mexeu comigo; mexeu muito na cabeça e que acabou acontecendo esse treco estranho... como é que chama? (O médico David Uip responde: Colostomia) Colostomia. Eu tinha muito medo disso. Mexia muito comigo. Eu nunca comentei isso nem com a minha esposa, mas como eu posso reclamar disso se Deus me deu a vida. E quem ganha o principal como é que pode discutir o acessório.
Essas lágrimas não são de dor, não. E até não são muito próprias de mim. Eu sou muito mais das gritarias do que das lágrimas. De qualquer modo, tudo tem sido tão bom para mim que o meu grau de dívida com essa sociedade chamada sociedade humana é muito grande para que eu não tenha um móvel que me obriga a permanentemente tentar lutar. Já errei muitas vezes, vou continuar errando. Agora eu não posso deixar de reconhecer que mesmo sem ter pedido eu recebi tudo o que precisava. Tenho amigos, tenho bons médicos, tenho uma família que me estimula, tenho a sustentação divina, tive um atendimento médico-hospitalar de excepcional qualidade onde a presença do povo esteve sempre comigo. E, sobretudo, tive uma imensa multidão humana que de todas as formas me estimulou.
Morre-se todos os dias, por que fazer isso comigo então? Esse é e só pode ser um obstáculo adicional. A única coisa que eu posso pedir a Deus é que eu seja capaz de ser... de justificar tudo aquilo que eu recebi. Não há como pagar isso. Não há como você andar nas ruas, as pessoas te abraçarem e desejarem do teu lado, contra você, parceiro, adversário, e desejarem dar o seu estímulo, o seu calor humano. Me desculpem se eu descambei, eu devia ter feito isso lá no quarto, porque teria gasto as lágrimas e não teria feito aqui. Mas, afinal, fora o fato de chorar qual é a outra forma mais digna de demonstrar os seus sentimentos. Então, eu acho que já aborreci vocês o bastante e podemos cair fora. Se vocês me perguntarem que dia eu vou embora, eu não sei. Tenho a impressão até de que acabam me mandando embora antes do que eu esperava.
Acho que no final se ganhei isso tudo, tenho que fazer a minha parte na preservação disso. Vamos esperar que nós continuemos a fazer isso, porque há convívios tão bons. Vocês todos sabem quantas vezes eu saio do plano. Quantas vezes eu saio da linha reta e parto para discussões até muitas vezes com agressividade desnecessária. Isso também faz parte da vida. A gente faz isso porque tem sentimentos. Então está aí o pouco que eu posso dizer para vocês nesse momento. Aqui do meu lado está o dr. David Uip que acabou de ser vítima de uma sórdida acusação ligada ao Hospital da Mulher. Aqui está a Florinda, a Dona Lila, que ocasionalmente é a minha esposa e acaba sendo a melhor parte da família. Aqui está o Dr. Wadih Hueb, que é médico do coração. E aqui o meu cachorrinho (referindo-se à sonda) que eu vou ter que conviver até tirar a sonda da bexiga. Eu espero... não foi um sofrimento atroz, graças a Deus. Não foi fácil, mas não foi um sofrimento atroz. Tive dor, tive medo. Tive tudo aquilo que um homem normal tem. Mas não tive um sofrimento que possa ser classificado de atroz. É isso minha gente. Muito obrigado e boa sorte a todos.
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página