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15/02/2001 - 03h45

Duelo ACM-Jader começa na piscina de FHC

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ELIANE CANTANHÊDE e KENNEDY ALENCAR, da Folha de S.Paulo, em Brasília

A guerra entre ACM e Jader Barbalho começou cedo e num cenário especial: no primeiro mês do mandato de ambos, em fevereiro de 1995, no Palácio da Alvorada.

O presidente Fernando Henrique Cardoso convidou os senadores governistas para tomar um licor à beira da piscina. O que deveria ser um bate-papo de aliados se transformou num constrangimento geral.

ACM sentou-se "como um paxá", conforme relatou Jader depois. No centro da roda, refestelado na cadeira e de pernas abertas. Esticou um dedo e começou a perguntar a cada um dos senadores quais eram suas divergências com a agenda do governo e que reivindicações políticas tinham.

Ao final, tendo pulado a pergunta ao líder do PMDB, ACM se dirigiu diretamente a FHC e disse: "Com o Jader você não precisa se preocupar. É só chamá-lo no palácio e acertar tudo, que o PMDB não vai lhe criar problema".

Jader arregalou os olhos e disparou: "Antonio Carlos, você seria a última pessoa no mundo a quem eu daria uma procuração para interpretar os desejos do PMDB".

ACM não teve reação. Sem graça, o presidente tentou contemporizar: "Não se chateie, Jader. O Antonio Carlos quis dizer que você é um bom político, que sabe negociar...".

A partir desse episódio, Jader alertou a cúpula peemedebista: ACM se comportaria como a eminência parda do governo e tentaria mandar mais do que FHC. Acreditava, portanto, que, se quisessem garantir os espaços do partido, os peemedebistas deveriam enfrentá-lo. Jader, emocional, tomou para si o desafio de ser o "ACM do PMDB", engrossando a voz quando necessário.

Guerra
Disputas entre ACM e Jader vêm desde o primeiro mandato de FHC. Jader contou a interlocutores, por exemplo, que ACM chegou a chamá-lo para, junto com o ex-presidente Sarney, formar um trio que infernizaria a vida de FHC. "Juntos, nós três tomamos conta do governo", teria dito o baiano a Jader e Sarney.

Foi no segundo mandato, no entanto, que as divergências se transformaram numa guerra. A prévia desse conflito aconteceu no começo de 1999. ACM, numa espécie de cruzada moral contra o Judiciário, propôs uma CPI para investigar o poder. Ponto de partida: o caso do TRT de São Paulo.

Como contraponto, Jader patrocinou a criação da CPI dos Bancos, a fim de investigar o socorro de mais de R$ 1 bilhão aos bancos Marka e FonteCindam na época da desvalorização do real.

Os dois ainda chegariam a trocar afagos. Numa das tréguas da guerra, um
episódio surpreendeu Márcia, mulher de Jader.

No começo de 2000, o casal foi junto a um jantar na casa do senador baiano, que se sentou ao lado de Jader e inusitadamente passou a noite segurando sua mão esquerda.

Márcia vislumbrou ali "um gesto até de carinho" e ficou perplexa quando, tempos depois, ACM surgia na imprensa condenando radicalmente a candidatura do marido.

Desde então, Jader passou a dizer a correligionários e amigos que sua vida "se transformara num inferno". A ponto de, em julho, durante o recesso, ele ter pensado seriamente em renunciar à candidatura.

A cúpula peemedebista teria o mês inteiro para articular um novo nome que tivesse o seu apoio. Em agosto, na reabertura do Congresso, Jader abriria mão da sua candidatura em favor desse novo nome. Que ninguém conseguiu encontrar.

Na falta de opções, Jader decidiu que deixaria o partido atuar enquanto ele próprio se reservaria. Daí porque, enquanto ACM não passava um dia sem abrir a boca, Jader praticamente não deu entrevistas.

Um gesto do PFL tirou de Jader a chance de recuar. Foi quando o partido se reuniu no Senado e acatou o veto de ACM ao peemedebista. A decisão foi levada a Jader pelo líder Hugo Napoleão, filho de embaixador e considerado o mais ingênuo dos pefelistas.

Meio sem graça, quase gaguejando, Hugo foi a Jader com um discurso constrangido: falou mal de ACM, reclamou de seu individualismo, lamentou que estivesse sempre criando problemas para o partido. Mas, finalmente, foi ao ponto: apesar de tudo isso, o PFL ficara com ACM, contra Jader, e iria lançar Inocêncio Oliveira (PE) candidato a presidente da Câmara na semana seguinte.

"Ah, sim, caro Hugo. Não tem o menor problema. Eu entendo. É do jogo", reagiu Jader, que nem sequer se deu ao trabalho de argumentar com a tradição de que o maior partido indica o presidente. O paraense fingiu que estava tudo bem, despediu-se de Napoleão e começou a trabalhar na reação.

Avaliou que a intenção do PFL era separar a disputa do Senado e se entender com os tucanos na Câmara.

Dobradinha
Na manhã de 22 de novembro, enquanto o PFL trazia governadores e preparava uma cerimônia com a cúpula para lançar Inocêncio, Jader telefonou para o líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), que ainda estava em Salvador.

"Geddel, andei pensando. Telefone para o Aécio Neves (líder do PSDB na Câmara e então candidato à presidência da Casa), diga que você refletiu muito e que, sem consultar o PMDB, resolveu propor uma aliança entre nós", afirmou Jader.

Haveria, porém, duas condições. Jader contou ao líder do PMDB na Câmara, que achou ótima a idéia: "Fale com o Aécio, o Teotonio Vilela (presidente do PSDB) e o Sérgio Machado (líder do PSDB no Senado), mas diga a eles que a idéia é sua e que eles têm que vir pessoalmente na liderança para fechar a proposta".

Assim foi combinado, assim foi feito. Com um detalhe malvado, contado por todos às gargalhadas: a visita foi pouco antes do lançamento da candidatura de Inocêncio Oliveira na Câmara. E ofuscou a festa pefelista no dia e nos jornais do dia seguinte.

Jader chegou a considerar, mesmo depois disso, um acordo com Sarney. E não se cansa de responsabilizar ACM por inviabilizar esse acordo: "É como o sujeito matar o marido e ainda por cima querer escolher com quem a viúva vai casar".

O erro
Quando começou a ficar claro que não haveria um acordo no Senado entre PMDB, PSDB e PFL, os três principais partidos da base do governo, a cúpula peemedebista pautou Pedro Simon para fazer um dos seus virulentos discursos no plenário no dia 6 de dezembro.

Na véspera, os peemedebistas jantaram na casa do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), e decidiram usar Simon para atacar ACM, ligando-o ao caso Rubens Gallerani.

Ex-representante do governo da Bahia em Brasília, Gallerani era um dos auxiliares mais próximos a ACM e foi acusado de traficar influência no Senado.

O senador baiano soube e preparou um antídoto fulminante. Passou por Ronaldo Cunha Lima e avisou: "Você é o primeiro secretário do Senado, responsável pelas obras. Se o Simon me atacar, eu vou dizer claramente quem era o responsável pela falcatruas do Gallerani".

Cunha Lima assustou-se e o partido afinou em cascata. Ao subir à tribuna, Simon já não sabia o que dizer. Ou não tinha o que dizer. Jader viu do gabinete, irritou-se com as expressões de deboche de ACM diante do fiasco da operação e não resistiu. Foi ele mesmo ao plenário, novamente bater boca com o presidente.

O episódio quase custou a Jader sua candidatura. A cúpula chegou a pensar que ele se inviabilizara ao continuar na guerra por ter contrariado uma acerto informal com o Palácio do Planalto.

O presidente Fernando Henrique Cardoso, preocupado com o recrudescimento da guerra, se reunira com um cacique peemedebista dois dias antes do "imbróglio Simon", a fim de pedir ao partido para diminuir o bombardeio. Jader aceitou, FHC foi avisado, mas o roteiro de bem-comportado duraria menos de um dia.

Jogo fechado
A cúpula do PMDB bateu o martelo na candidatura Jader numa reunião na casa de Temer em São Paulo, no dia 8 de janeiro . Argumento: o próprio ACM, ao carimbar a candidatura Sarney e insistir nela, havia inviabilizado a articulação de um novo nome peemedebista. Àquela altura, qualquer outro peemedebista significaria a derrota de Jader e da cúpula do partido. Seria uma humilhação retirar o nome de seu presidente por pressão de ACM. Acertaram ali a data da reunião da bancada em Brasília para formalizar Jader: 30 de janeiro.

O partido estava disposto até a perder com Jader, mas decidiu que não iria abandoná-lo. Restava um problema: acabar de vez com a dúvida sobre Sarney. Metade da cúpula achava que o ex-presidente não seria candidato.
A outra, que se disporia a contrariar o partido e comprar a briga.

Sarney racharia a bancada de 26 senadores do PMDB e receberia apoio dos 21 senadores do PFL mais alguns tucanos e oposicionistas desgarrados. Ou seja, era a principal ameaça.

Haviam fracassado todas as tentativas anteriores de conter Sarney. Um delas foi no final de novembro, quando FHC combinou com Temer que sondaria Sarney em uma viagem internacional.

No dia 30 de novembro, FHC disse: "Sarney não será candidato. Ele disse para mim o que tem dito para todo mundo". No dia seguinte, o próprio Sarney voltaria a ser dúbio. E ACM garantiria a todos que ele disputaria.

Antes da reunião de 30 de janeiro para sacramentar Jader candidato da bancada peemedebista, o baiano Geddel disse, em novo jantar da cúpula na casa de Temer, o QG peemedebista: "Vocês vivem dizendo que Sarney não suporta ser criticado. Vou desentocá-lo".

Geddel partiu para o ataque público. "Não acredito que Sarney vá ser o preposto de ACM para desunir o PMDB. Isso terá um preço alto, porque ele
será responsabilizado pela traição", afirmou Geddel.

Contrariado, Sarney soltou uma nota na qual afastava a possibilidade de
não ser um candidato de consenso, hipótese descartada naquele momento. Depois, encontrou-se com Jader e confirmou que não disputaria.

Com Sarney definitivamente fora, as defecções no PMDB viraram um blefe de ACM. Na reunião da bancada, Jader foi escolhido o candidato com 23 dos 26 votos.

Dessa data até o resultado de ontem, a candidatura Jader passaria por mais dois sobressaltos.

O primeiro aconteceu na véspera do jantar que reuniria a cúpula do partido numa homenagem a Michel Temer e em mais uma sessão de críticas a ACM. Foi quando o PFL, desesperado com a perspectiva de perder as eleições na Câmara e do Senado, cogitou lançar o nome do presidente do partido, Jorge Bornhausen, para enfrentar Jader.

A cúpula peemedebista enxergou ali uma ameaça real à candidatura. Enxergou mais: o dedo do governo na operação.

Para forçar o recuo de Bornhausen, o ministro Eliseu Padilha (Transportes) e o líder Geddel Vieira Lima (BA) foram se queixar a FHC. Levaram ao presidente a ameaça de infernizar o governo. O cardápio da retaliação incluía a hipótese de lançar Itamar Franco candidato à sucessão de 2002.

Um último susto foi contornado com mais pressão política, dessa vez sobre o senador José Fogaça (RS), um dos nomes cogitados para ocupar a vaga de candidato alternativo a Jader.

O próprio Jader entrou na operação. Fogaça deixou o páreo, mas ainda pode ganhar um ministério.

Jader foi eleito com o apoio velado de FHC e dois trunfos: ter imposto uma derrota a ACM e ter levado o PMDB ao posto de principal parceiro da aliança que sustenta o governo.
 

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