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15/02/2001 - 03h47

Derrotado, ACM errou e diz que foi traído

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FERNANDO RODRIGUES, da Folha de S.Paulo, em Brasília

Antonio Carlos Magalhães sofreu ontem sua maior derrota na política nacional. Mesmo com as evidências apontando para seu fracasso, insistiu numa estratégia equivocada.

O senador tenta minimizar seus erros atribuindo a perda de ontem ao que classifica de traição por parte de José Sarney e do presidente Fernando Henrique Cardoso -além de uma posição subserviente de seu partido, o PFL, ao Palácio do Planalto.

Um episódio relatado por ele próprio revela sua mágoa com o ex-presidente. "Cada uma dessas pedras é uma traição que ele cometeu na vida", disse ao saber da operação para a retirada de vesícula, cheia de pedras, a que se submeteu Sarney no dia 3 passado.

Ontem, como era previsto, Sarney não se lançou candidato à presidência do Senado. O senador pelo PMDB do Amapá repetiu várias vezes a frase "serei candidato" para o cacique do PFL baiano. ACM acreditou.
Quando percebeu que poderia estar compreendendo erradamente a intenção de Sarney, já era tarde para encontrar uma solução viável.

A versão é confirmada não só por ACM. É fato relatado também por políticos do PMDB, do PFL, do PSDB e do PT. Sarney não falou ontem. A Folha procurou-o várias vezes, mas ele não respondeu aos pedidos de entrevista.

Em conversas com aliados, Sarney relata ter resistido às ofertas de ACM. Queria ser candidato apenas se fosse de consenso. Isso nunca foi possível. Acabou não fazendo o jogo que ACM queria.

Mas não foi apenas uma história de traição a grande derrota protagonizada por ACM e pelo PFL ontem. Houve muito erro de cálculo por parte do até ontem principal líder pefelista.

Desde quando decidiu mudar sua imagem, ao assumir a presidência do Senado há quatro anos, ACM foi municiado de pesquisas de opinião quinzenais ou semanais, analisadas pelo marqueteiro Fernando Barros, da agência de publicidade Propeg, da Bahia.

ACM foi convencido de que higienizaria seu perfil adotando a bandeira da moralidade e da ética. Depois de comandar o processo de cassação do senador Luiz Estevão, em junho do ano passado, passou a combater Jader Barbalho. Jader era o adversário perfeito para as pretensões carlistas: tinha uma longa lista de acusações de corrupção no seu currículo, embora não tivesse sido condenado em nenhuma.

Destruir a candidatura de Jader atenderia também a dois propósitos de ACM. Primeiro, reforçaria sua imagem de neomoralista. Segundo, solaparia os plano do PMDB de ser o parceiro preferencial de FHC na sucessão presidencial de 2002.

De quebra, ACM acreditava que sua cruzada moralista o ajudaria a vencer a barreira a seu nome entre os eleitores das regiões Sul e Sudeste para uma eventual candidatura à Presidência.

Deu tudo errado para aquele que se considerava imbatível. Jader venceu a eleição para presidente do Senado. O PMDB é, pelo menos no momento, o parceiro preferencial do PSDB para 2002. E ACM continua sem se viabilizar como candidato a presidente da República -na última pesquisa Datafolha, de dezembro, o senador baiano marcou apenas 6%.

A equação de ACM falhou também pelo fato de o PMDB ter sofrido amplas mudanças nos últimos anos. Jader conseguiu, na presidência, unificar a cúpula partidária em torno de si.

O grupo de Jader percebeu que o jogo seria duro em março de 2000. ACM comprou uma disputa pública contra o governo, em defesa de um salário mínimo equivalente a US$ 100. O PMDB se alinhou a FHC. Houve discursos acalorados.

A degradação das acusações foi constante no ano passado. ACM e Jader se chamaram, várias vezes, de "ladrão" e "corrupto".

Na ânsia de se mostrar o porta-voz da moralidade, ACM acabou cometendo erros táticos e de avaliação política. Atacou o FHC ao dar uma entrevista para correspondentes estrangeiros, em 11 de dezembro. Disse que o presidente era "tolerante" com a corrupção. Esse tipo de atitude acabou jogando cada vez mais o Planalto na linha de apoio a Jader.

Até outubro do ano passado, havia no Congresso a impressão de que o veto de ACM a Jader vingaria. Mas o PMDB deu um golpe matemático e fatal no baiano.

No dia em que o deputado federal Inocêncio Oliveira (PFL-PE) anunciou
sua candidatura a presidente da Câmara, 22 de novembro, o PSDB e o PMDB se uniram para eleger Aécio Neves (PSDB-MG). Juntos, PSDB e PMDB têm 202 deputados (39,4% dos 513). O PFL tem cem. Daí em diante, o PFL só andou ladeira abaixo.

Nem o jovem deputado tucano Aécio Neves, 40, acreditava que poderia ter chances reais de vitória. Por causa de ACM, passou a disputar e ganhou o terceiro cargo na hierarquia da República.

Todas as tentativas de ACM para neutralizar Jader fracassaram. A operação mais malsucedida foi tentar viabilizar Sarney. "Com a sua obsessão, o Antonio Carlos acabou inviabilizando o Sarney, pois o carimbou como candidato do ACM", diz Aloizio Mercadante (PT-SP). "Foi o veto de ACM que viabilizou minha candidatura", repetia Jader desde novembro.

Foram vários os nomes tentados por ACM. Entre eles, os senadores José Fogaça (PMDB-RS), Pedro Simon (PMDB-RS), Lúcio Alcântara (PSDB-CE), Arthur da Távola (PSDB-RJ) e Jefferson Péres (PDT-AM).

No caso de Jefferson Péres, ACM procura transferir a culpa pelo fracasso para seu partido, o PFL. "Sou contra. Se for para apoiar um senador de oposição, posso até apresentar a proposta para a Executiva do partido. Mas, ao mesmo tempo, o PFL entregará todos os cargos que tem", disse o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), numa conversa reservada da cúpula do PFL.

A expressão "entregará todos os cargos" fez o PFL recuar e negar apoio a Péres.

Quando ficou claro que Sarney não concorreria, ACM lembrou-se do comportamento conciliador do maranhense: "O Sarney é muito frouxo. Uma vez fui ao Maranhão para a inauguração de uma estrada com o nome do Luís Eduardo Magalhães. Ao chegar, a imprensa começou a perguntar sobre questões locais, e eu apontei para o Sarney, que estava ao meu lado. A Roseana (Sarney) interrompeu na hora: "Nada de Sarney. Aqui no Maranhão quem fala agora sou eu, que sou a governadora". Ela disse isso na frente do pai, dos repórteres. Fiquei estupefato. O Sarney não reagiu".

É quase impossível precisar a razão pela qual ACM insistiu tanto em Sarney, sabendo que o ex-presidente tem uma quase compulsão pela não-agressão.

A única explicação são as sucessivas ambiguidades que o maranhense usou no trato com ACM. O embate decisivo se deu em 30 de janeiro, uma terça-feira.

O PMDB marcara essa data para reunir sua bancada e escolher um candidato oficial do partido a presidente do Senado. "Eles vão ter mais de seis defecções. Podem ser até nove", dizia um confiante ACM às 22h da véspera do dia 30. É fato que pelo menos seis peemedebistas tinham prometido ao pefelista que resistiriam a Jader, segundo a Folha apurou.

Dos 26 senadores peemedebistas, 25 compareceram. Jader ganhou de goleada: 23 a 2. Só Sarney faltou. No dia seguinte, telefonou no final da tarde para ACM. Eram 19h25. "Quando eu falo que ele deve ajudar a arranjar uma opção, já que ele não é candidato, dá a impressão de que Sarney continua no páreo", filosofou ACM após pôr o telefone no gancho.

Na realidade, o telefonema de Sarney apenas deixou um pouco mais claro o cenário que se desenhava, de derrota pefelista. Sobretudo pela perda de eficiência do PFL, partido considerado antes o mais bem-sucedido no trabalho de bastidores.

A cada investida de ACM, os peemedebistas agiam para neutralizar. A última ocorreu anteontem. Por algumas horas, José Fogaça (PMDB-RS) foi o candidato do PFL. Mas Jader e seu grupo abortaram a tentativa.

Ontem de manhã, a qualidade das articulações em torno de ACM revelavam que o fracasso estava próximo. As duas principais ligações que ele recebeu foram de Eduardo Suplicy (PT-SP) e Roberto Requião (PMDB-PR).

ACM atendeu os dois com paciência, mas pouca esperança. Suplicy sugeriu que o ideal era convencer Jader a desistir e indicar outro nome. Requião tinha proposta ainda mais rocambolesca: o PFL apoiaria a candidatura a presidente da Câmara do petista Aloizio Mercadante, em troca de receber os votos da oposição no Senado a favor de Arlindo Porto (PTB-MG).

ACM ponderou com Suplicy que o ideal seria Jefferson Péres indicar quem seria o seu candidato predileto no PMDB. Esse senador seria procurado e receberia a garantia de que seu nome teria o apoio da oposição e do PFL.

Para não constranger o peemedebista, o nome seria lançado "à revelia". Mas ACM fez uma ressalva: "Tem de estar tudo combinado. O regimento permite candidatos lançados à revelia. Mas temos de articular".

De novo, ACM amargou um fracasso. Pouco antes de sair para o Senado, às 11h48, ACM já havia atendido um telefonema do senador Jefferson Péres. O pedetista não fez menção à estratégia.

Antonio Carlos Magalhães teve um grande revés pessoal há quase três anos. Seu filho predileto, Luís Eduardo, morreu em abril de 1998. O episódio tirou de ACM um dos artigos mais caros aos políticos: a perspectiva de poder.

Aos 73 anos, está saindo da presidência do Senado. Não tem mais o filho que seria quase com certeza um dos mais fortes candidatos a presidente pela aliança governista. E é o responsável maior pela derrota de Inocêncio Oliveira (PFL-PE) na Câmara.

A morte de Luís Eduardo tirou dos pefelistas o peso que teriam em 2002. Muitos dirigentes da sigla estão incomodados com o baiano, mas sabem que a maior força do partido está na Bahia.

Em 2000, no primeiro turno para as eleições municipais, o PFL teve 12,973 milhões de votos. Desses, 1,958 milhão veio das cidades baianas (15,1% do total).

Mesmo assim, aguarda-se agora a abertura de um vácuo no carlismo. ACM terá quase que obrigatoriamente de voltar-se para a Bahia. E talvez ser candidato ao governo estadual em 2002.

ACM também tem dois problemas na política nacional. Primeiro, na direção nacional de seu partido. Embora não publicamente, uma parcela razoável dos pefelistas torceu pela sua derrota. "Há um clima de revanche contra o Antonio Carlos", resumiu Sarney para um aliado anteontem.

No Palácio do Planalto, FHC também teve prazer em ver ACM enfraquecido -embora negue isso ao baiano toda vez que o encontra. Essa ambiguidade levou ACM a revelar a assessores suas mágoas: "Não é Sarney o principal responsável. O Fernando Henrique é o maior responsável".

O tempo pode arrefecer os sentimentos do baiano, mas hoje ele nutre um ódio por Jader e FHC, de forma equânime.

A saúde do pefelista já esteve pior no passado. "Há dois dias durmo muito bem, até para minha surpresa", afirmou ontem.

Seu último exame de sangue mostra que o médico ACM está bem para seus 73 anos. Antes de sair de Salvador no último dia 5, ACM coletou uma amostra de sangue para análise. À tarde, já em Brasília, recebeu o resultado.

Ao ler o fax, tranquilizou-se. Exceto por um único item. "O triglicérides está muito alto." O senador tinha 405 mg de triglicérides (um tipo de gordura ruim). O nível normal é em torno de 200.

"Estou bem disposto. Se eu perder, volto um pouco para a Bahia. E depois passo a percorrer um pouco o Brasil. Você vai ver como será a reação das pessoas nas ruas de São Paulo daqui a quatro meses", prognosticou ontem.

Ao prever o pior, ACM discutiu com assessores como faria a transferência de cargo a Jader Barbalho. Impôs uma condição: "A mão dele eu não aperto". A saída foi encontrada pelo próprio baiano: "Vou dizer: "Convido Vossa Excelência para assumir a presidência do Senado".

Fico observando por qual escada ele vai subir. Aí, desço pela outra". Cumpriu rigorosamente o que havia previsto. Às 18h55, Jader Barbalho subiu pelo lado direito. ACM desceu pelo lado esquerdo.
 

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