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12/08/2002 - 18h41

Veja a 4ª parte da sabatina de Lula, com perguntas finais dos jornalistas

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da Folha Online

Leia a quarta parte da sabatina de Luiz Inácio Lula da Silva, feita por jornalistas da Folha de S.Paulo. Essa é a parte em que ele responde às últimas perguntas dos jornalistas. Estão presentes Eleonora de Lucena, editora-executiva do jornal, e os colunistas do jornal Clóvis Rossi, Luís Nassif e Gilberto Dimenstein

Clóvis Rossi: Lula deixa eu te fazer uma pergunta, eu fiquei ouvindo você falar frases do tipo: não pode dar o passo maior que as pernas e uma porção de outras frases me lembraram a "utopia do possível" do presidente Fernando Henrique Cardoso, quer dizer, a utopia do PT original parece ter sido trocada, pelo que você diz, estou lembrando só dessa porque é a mais recente que você diz, e você está se propondo a utopia do possível, para mim é um contrasenso, se é possível não é utopia, se é utopia não é alcançável.
Lula: Eu não estou falando de utopia, estou falando de coisas concretas e objetivas, ou seja, para que é que nós queremos ganhar as eleições nesse país? Nós queremos ganhar as eleições no Brasil para poder fazer política social neste país.
Para poder garantir o direito das pessoas trabalharem, o direito das pessoas estudarem, o direito das pessoas comerem três vezes por dia, o direito das pessoas conquistarem a sua condição de cidadania. Eu quero te contar uma coisa, Rossi, eu, sábado à noite eu estava em casa com a Marisa vendo televisão e eu fiquei.... Com o coração, depois de 50 anos fica mais mole, mas quando eu vi aquela cena das criancinhas da Prefeitura de São Paulo recebendo o uniforme, as mochilas e o material escolar, tem muita gente que não dá importância para aquilo, tem muita gente que não dá importância, sabe por que eu dou, Rossi?
Porque eu estudei na vila carioca, num grupo escolar, e eu era moleque de caixa, eu recebia material da caixa, eu tinha uma calça marrom da cor desse terno teu, calça curta, que não tinha tido pano para fazer o suspensório. A minha mãe fez um suspensório daqui para cá, não tinha daqui para cá. Calça marrom suspensório verde, eu utilizava aquilo de segunda a sexta-feira, sexta-feira à tarde minha mãe lavava, eu ficava sábado e domingo com o short, na segunda-feira colocava. O dia que a caixa escolar me deu dois calções azuis e duas camisas brancas, borracha, compasso, sabe o que aconteceu? Eu me senti igual aos outros.
Luís Nassif: Quando você pretende distribuir esse material escolar?
Lula: Veja, isso não custa muito.
Luís Nassif: Para distribuir, como você pretende?
Lula: Veja, há um erro cometido pelos governantes brasileiros que não acreditam na chamada sociedade civil organizada, ela já faz isso. Você não precisa criar nenhum mecanismo, você pega o padre Júlio Lancelotti, aqui em São Paulo, e bota ele para cuidar de criança, ele vai cuidar melhor do que qualquer aparelho de Estado nesse país. (aplausos).
Você pega, você tem experiências fantásticas da Igreja Católica, da Igreja Evangélica, você tem coisas fantásticas, é acreditar nisso e colocar essas coisas para funcionar.
Acho que aí o Brasil daria o salto de qualidade. Eu, por exemplo, Nassif, estou com duas idéias, uma nós vamos lançar agora no começo do ano, até o dia 20 mais ou menos, dia 30, que vai ser um programa de cooperativa para o Brasil.
Você sabe que os Estados Unidos, eles têm hoje praticamente 10 mil cooperativas que têm uma receita de US$ 480 bilhões. Ou seja, eles têm em cooperativa um PIB brasileiro. Nós só temos mil. Então nós precisamos incentivar o surgimento de cooperativas agrícolas, cooperativa de produção que aliás seria uma experiência fantástica.
Eu quero tentar incentivar o fundo de pensões. Você sabe uma coisa que eu descobri, Rossi, na minha vida? Eu descobri o seguinte, hoje com o movimento sindical tem força, ele não precisa apenas fazer as greves que eu fazia na década de 80, eu acho que hoje o movimento sindical tem que ter uma participação, além de estar capacitado para fazer greve, se for necessário, tem que estar capacitado a ter influência nas grandes decisões do governo
É por isso que eu vou incentivar, sabe, a criação das cooperativas de crédito por categoria, vou incentivar a criação de fundo de pensões que é para a gente poder aumentar a nossa poupança interna.
Luís Nassif: Como você vai utilizar melhor o recurso do BNDES? Quer dizer hoje tem uma discussão sobre se é relevante ou não o país ter grandes empresas multinacionais, qual é a sua visão sobre o papel da grande empresa nacional e a participação que o BNDES deva ter ou não no estímulo à internacionalização?
Eleonora de Lucena: Uma pergunta...
Clóvis Rossi: Só um pouquinho, o nosso tempo de pergunta está terminando, gostaria de pedir que o pessoal que está fazendo a seleção, para passar as perguntas dos leitores, para a gente acelerar que estamos em cima da hora.
Eleonora de Lucena: Essa fase PT de aproximação com o empresariado... O senhor disse que tinha um balanço das eleições anteriores, que a elite não quis que tomasse poder nas outras eleições, eles tinham uma cabeça colonizada. A elite continua tendo uma mentalidade colonizada, o que faz crer que hoje a elite pode lhe apoiar? Então acrescente nessa pergunta do Nassif sobre capital nacional e estrangeiro.
Lula: Eleonora, nós temos que ter claro o seguinte, olha, todo mundo aqui avançou.
Eleonora de Lucena: Digo a elite.
Lula: Todos nós avançamos, a elite brasileira avançou. Antigamente quando tinha qualquer divergência política mandava prender ou torturar. Trabalhador que entrava de sócio em sindicato era mandado embora. Hoje as coisas estão civilizadas, para isso é que nós estamos lutando há tantos anos para conquistar o espaço democrático. É lento, ainda tem gente atrasada, mas tem muita gente lá evoluída, do nosso lado, do lado dos empresários do lado da elite brasileira, sabe, econômica, da elite intelectual, é um avanço importante na sociedade brasileira.
E isso foi obra tua, minha, do Gilberto Dimenstein, do Rossi, do Nassif, de cada um que está aqui. Para que nós brigamos tanto? Para garantir isso.
Agora, por que o meu companheiro José Alencar? Primeiro, sabe qual é o problema da empresa, é que toda empresa quer ser grande. Então o que nós temos é que criar as condições para que as empresas tenham a oportunidade de crescer. Eu prefiro ter empresa brasileira multinacional com filiais no mundo inteiro do que apenas ter as filiais deles aqui no nosso mundo. A coisa que mais me motivou a trazer o José Alencar para fazer uma simbologia que eu queria criar no Brasil, a simbologia de uma coisa que o Fernando Henrique Cardoso falava muito e em 1982, que você se lembra, o famoso pacto de Moncloa que nunca foi executado porque não tem presidente que tenha conversado menos com a sociedade do que o presidente Fernando Henrique Cardoso, então nós queremos construir uma espécie de um novo contrato social.
Juntar todos os setores organizados da sociedade e começar a estabelecer, sabe, desde política de desenvolvimento de longo prazo, a desenvolvimento regionais, ou seja, quais as regiões que precisam mais do Estado, menos do Estado, que tipo de indústria que a gente vai então incentivar para ir para aquele lugar, que tipo de turismo a gente quer naquela região. É isso que nós queremos.
Clóvis Rossi: Mas Lula, você é uma das pessoas que mais se queixou a vida inteira das dificuldades que é lidar com o PT, essas longas discussões intermináveis, agora você vai, além do próprio PT, com o qual você vai ser obrigado a dialogar, como é óbvio, vai dialogar com os setores da sociedade, você não vai decidir nunca. O governo vai virar uma espécie de simpósio permanente de Brasil.
Lula: Como não vai decidir? Obviamente que vai decidir. O fato de um maquinista estar com o ajudante colocando lenha na máquina não significa que o trem esteja parado. Esse trem vai estar andando. Você não precisa parar o país para fazer as conversas. Quando o Collor ganhou as eleições, que ele montou uma equipe de negociação e colocou o Bernardo Cabral para negociar, sabe, eu pensei logo de cara: não pode dar certo.
Aqui tem um companheiro meu que uma vez me procurou e falou: estou pensando em fazer um projeto, ir lá em Brasília conversar com os deputados, convencer. Eu falei: você primeiro tem que escolher a dedo quem são as pessoas sérias, dependendo da pessoa que você conversar, o primeiro detona o teu projeto.
Então essa coisa só dá certo, Rossi, se a interlocução tiver gente muito séria, muito séria. Gente da mais alta competência, gente de credibilidade na sociedade, eu aprendi uma vez, GilbertoDimenstein, uma coisa, na greve de 79, 78, eu descobri uma coisa fantástica na minha vida, a gente fazia reuniões por setores das empresas e eu chegava na reunião para preparar os trabalhadores contra o cara da organização de esquerda, que era o que mais falava, eu dizia o seguinte: agora vocês vão escolher o líder de vocês. Agora lembrem se, o líder não é o que fala mais, o líder não é o que faz mais discurso, o líder é aquele que quando ele fala vocês acreditam. Então eu quero que vocês escolham uma pessoa que quando vier para cá para o sindicato traga a verdade de vocês de dentro da fábrica e quando ele levar a notícia do sindicato para a fábrica vocês saibam que é a verdade do sindicato. Conclusão: ninguém de esquerda era eleito líder de comissão de fábrica.
Eleonora de Lucena: Como eu recebo o seu diálogo com o MST, por exemplo, como você está falando mais à esquerda, e o MST imagino que faça parte da ala mais a esquerda, a gente chegou a dizer que a reforma agrária poderia se resolver numa correção monetária só. Como vai ser a reforma agrária?
Gilberto Dimenstein: Se o MST invadir a fazenda do presidente qual vai ser a ordem do presidente Lula?
Lula: Bom a minha não vai invadir porque eu não tenho. (aplausos).
Gilberto Dimenstein: A hipótese é o seguinte, suponhamos que invadam as fazendas, qual vai ser a ordem do presidente?
Lula: Eu vou lhe dizer uma coisa, primeiro nós somos a única chance e a mais importante possibilidade que o MST tem de ver acontecer no Brasil uma reforma agrária sem precisar ter uma ocupação de terra, nenhuma violência contra qualquer trabalhador.
Eleonora de Lucena: Vai haver repressão à ocupação de terra?
Lula: É um problema de decisão política. Como eu estou convencido que a reforma agrária é uma necessidade para se fazer justiça social no Brasil, pode escrever, querida, que você vai saber: ela vai ser feita no nosso governo.

Eleonora de Lucena: Com ocupação?
Lula: Meu Deus do céu, você tem a CUT, tem a Contag, tem o MST, queremos sentar todo mundo, como nós estamos aqui, obviamente com uma mesa maior com cafezinho para a gente poder beber.
Gilberto Dimenstein: Com platéia também?
Lula: Platéia também, empresários, gente do governo, especialistas, com técnicos, para a gente poder fazer.
Eleonora de Lucena: Quem vai abrir mão gentilmente das terras?
Lula: Veja, minha cara, ninguém vai abrir mão gentilmente. Ninguém está pedindo isso, não é favor. É uma decisão política de governo. Você tem no Brasil 90 milhões de hectares de terras boas para a agricultura, se tiver terras de proprietários que não estiver utilizando vai desapropriar.
Eleonora de Lucena: Vai desapropriar?
Lula: Obviamente que vai, é preciso.
Luís Nassif: Qual é...
Lula: Falo com uma certa tranqüilidade, se tem uma coisa que as pessoas precisam aprender no Brasil... Vou contar um erro de dupla mão, um erro do movimento sem-terra e um erro do presidente Fernando Henrique Cardoso. Quando houve aquela famosa passeata do movimento sem-terra em 17 de abril de 1997, que foi um movimento maravilhoso, eu imaginava, com a minha experiência de sindicalista, eu imaginava que o presidente Fernando Henrique Cardoso fosse tomar a iniciativa de dizer: bom, agora estão criadas as condições para uma grande negociação.
O presidente da República não fez.
Eu pensava que o movimento sem terra fosse pegar os 40 mil que estavam na beira da estrada que tinham acampado naquela ocasiões, partir ir para cima do presidente e dizer: presidente, nós queremos acertar assentar preliminarmente aquelas 40 mil pessoas que estão acampadas. Qual foi a tese que prevaleceu? Nem o governo quis conversar, e o sem-terra resolveu radicalizar e ao invés de pedir para assentar os 40, pediu para assentar 200 mil.
Ora se o governo não tinha assentado 200 mil em 3 anos, como é que poderia assentar 200 mil em apenas um ano? Então em política, gente, em política a gente não pode perder o momento. A gente não pode perder a oportunidade.
E vocês podem ficar certos de uma coisa, algum de vocês me conhecem já há 30 anos, se tem uma coisa, se tem uma coisa que eu aprendi foi fazer política nesse país. Eu estou com a antena ligada em cada coisa que acontece nesse país porque eu acho que o Brasil precisa voltar a recuperar a auto-estima da sua gente.
Gilberto Dimenstein: O Ciro Gomes disse anteontem, que ele seria melhor do que Lula porque ele tem experiência e Lula não tem. Por que Lula é melhor do que Ciro?
Lula: Olha, se for só por isso é ruim o argumento dele. Porque veja, eu não faço parte da turma do 'eu me amo'. Sabe o 'eu me amo', o cara que fica, sabe, achando que é o melhor do mundo. Eu não sou assim.
Eleonora de Lucena: Qual é o seu maior defeito?
Lula: Eu devo ter muitos defeitos, pergunta para a Marisa.
Eleonora de Lucena: O senhor como candidato.
Lula: Deixa eu contar uma coisa para você.
Gilberto Dimenstein: Essa acusação é que o Ciro é auto centrado?
Lula: Deixa eu falar uma bobagem que eu tenho visto por aí as pessoas falarem, sabe? Ah eu fui prefeito então tenho experiência. Obviamente que eu respeito a pessoa que foi prefeito, obviamente. Ah porque eu fui governador. Agora, Gilberto, você que é um cara estudioso desse assunto, pega os indicadores sociais dos Estados.
Para você ver o que essa pessoa adotou como experiência, sabe, porque você ganhar um governo para dizer: eu mantive um caixa do Estado, eu recuperei as finanças, eu quero saber o seguinte: deu mais comida para as crianças, deu mais escola para a criança, melhorou a qualidade de vida das crianças, deu mais emprego. (aplausos)
É isso, isso. Olha, e eu vou terminar, eu não sou melhor do que ninguém. Eu, no máximo, quero ser igual. Até porque tem uma coisa que eu digo todo dia: eu não sou resultado da minha inteligência, eu sou o resultado da evolução política da sociedade brasileira.
Gilberto Dimenstein: O Ciro era uma enganação no seu modo de ver, comparado com a enganação Collor?
Lula: Deixa eu falar uma coisa para você, eu quero voltar à questão da experiência para não ficar discutindo sobre Ciro, eu vou perder a minha chance, quando ele vier ele vai discutir sobre Lula. Esse negócio de experiência sabe o que é que me lembra? Esse negócio de experiência me lembra o Mandela. Sabe qual era a experiência do Mandela? Sabe? 27 anos de cadeia. E quando ele sai é eleito presidente, se transforma no maior estadista da África do Sul. Sabe por quê? Porque o problema de governo não é administrativo, porque aí você tem administradores da mais alta competência. (aplausos)
O problema é eminentemente político. O Brasil não precisa do administrador de empresa, o Brasil precisa de um líder. O Brasil precisa de um dirigente. Por exemplo, vou dar um exemplo de dirigente, Felipão. (risos).
Vamos ser francos, o que é decisão política? O Felipão, se dependesse do presidente Fernando Henrique Cardoso, ele deveria ter chamado o Romário. Se dependesse dos especialistas da imprensa esportiva, ele deveria ter chamado o Romário porque...
Luís Nassif: Se fosse ouvir todo mundo não ia chegar numa estratégia.
Lula: Espera aí, deixa eu chegar lá no meu raciocínio. Então o que aconteceu? Sabe, ele tomou a decisão. Bom, eu estou fazendo uma eliminatória aqui, o Brasil está capengando, mas eu tenho que chamar jogadores que possam ser utilizados na Copa, porque afinal de contas, sabe... na área esportiva você tem de 20 a 30 anos para você estar no auge da sua vida. E ele não levou Romário correndo riscos, e ele falou: vou correr riscos. Correu e ganhou, inclusive apostando no Ronaldinho.
Eu acho que política é assim, você tem que apostar em algumas coisas que eu acredito na minha vida política. Primeiro, é preciso criar as condições da sociedade brasileira poder ajudar a decidir coisas importantes, não é assembléia, é que a sociedade é articulada por entidades representativas da sociedade, e você pode, em vários momentos, como no orçamento participativo, envolver a sociedade. Segundo, tem decisões que são decisões que você toma por conta e risco, sabe, na bucha, às vezes eu vou chamar o José Dirceu, sabe, nunca dez horas da noite, porque não vamos tomar nenhuma decisão na calada da noite. Mas chamar 6 horas da manhã e falar: Zé, temos que hoje anunciar tal decisão. Judicial.
Gilberto Dimenstein: Que horas?
Lula: 7, 8 horas da manhã.
Gilberto Dimenstein: Ele vai sair do PT hoje.
Lula: Com o José, a preocupação é tanta que 4h da manhã está me ligando.
Gilberto Dimenstein: Ele não dormiu.

Leia as íntegras:
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