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13/08/2002 - 19h15

Ciro fala sobre reforma agrária e confisco (íntegra 12 - final)

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da Folha Online

Na parte final das perguntas dos leitores, o candidato Ciro Gomes responde sobre reforma agrária, acusações contra seu vice e confisco de poupança.

Clóvis Rossi: Por favor, Sidnei.
Pergunta da platéia: Quero saber a sua opinião sobre reforma agrária no seu governo e se o senhor é a favor do MST.
Ciro Gomes: A reforma agrária tem que ser feita e tem que ser feita de uma forma diferente desta memória que a confrontação pela terra nos legou na década de 50. O que eu estou querendo dizer? Da década de 50 vem, pela esquerda, uma inteligência meio vista na China, meio vista no fanatismo cubano de que a liga camponesa seria uma ante-sala de revolução desejada. Ainda hoje há grupos que acreditam nisso. À direita, a crença de que reforma agrária é repartir um pedaço de terra e por ali uma família. E isto é um equívoco grosseiro, na minha opinião, de lado a lado. Eu acho que o MST é, dos movimentos sociais contemporâneos brasileiros, o mais importante. Divirjo, porque se eu estou me propondo a ser presidente do Brasil, o presidente não pode escolher qual é a lei que pode e qual é a lei não pode cumprir. E há leis no Brasil que proíbem a invasão de terra. E quando essas invasões acontecem, não é o Presidente da República, mas um juiz estadual que dá, por força da lei, liminares de reintregração de posse, e a polícia do Estado está obrigada funcionalmente a executar. Lá vem a violência, mulheres, crianças, mortes, etc, etc. Então não é possível que nós não encontremos uma forma que o MST, a Contag, a Fetag, os movimentos da igreja católica que têm um enorme serviço prestado nessa área, não possam convergir para uma outra reforma agrária moderna que venha com o acesso à terra, mas imediatamente com uma outra face da mesma moeda, com uma política agrícola em direção a pequena economiia rural de base familiar. Com coisas que são óbvias e foram abandonadas por prostração ideológica, crédito. Mais recentemente foi reinventado o Pronaf, que começa a ter efeitos, mas já tem inadimplência, por quê? Porque outras questões não foram resolvidas com a mesma eficiência, por exemplo, assistência técnica. O pequeno não tem a menor condição de acessar hoje as conquistas do domínio biotecnológico. E o domínio biotecnológico faz uma diferença brutal, um pé de caju tradicional no Ceará dá 200 kg de castanha por ano. Um caju clonado dá 5.400 kg de castanha se for irrigado. Faz uma diferença absoluta. Então é preciso ter uma política agrícola para além do crédito, que assista ao pequeno com a extensão rural de uma pesquisa que a Embrapa, sucateada como está, tem que ser recuperada. O Brasil pode ter uma pró-atividade internacional em matéria de agricultura tropical, a Embrapa fenomenal, o que nós estamos fazendo, ela tem já domínio inclusive em genoma, funcionários públicos, ganhado R$ 2.000 fazendo genoma. O que me dá grande crença de que nós podemos avançar muito nessa área. E uma logística de comercialização, que comece com o armazenamento, uma estrutura de preço mínimo, seguro agrícola e o programa de compras governamentais que nós fizemos muito no Ceará com as culturas tradicionais de milho e feijão. O governo compra na safra, quando o preço tende a se aviltar na mão do atravessador, estoca por pouco tempo e ajuda o consumidor a comprar mais barato e o Estado não perde um centavo. É só uma estrutura de transição entre superoferta e baixa oferta que destrói, vamos dizer, a regularidade dos planos de safra do pequeno agricultor brasileiro.
Clóvis Rossi: O Luiz Roberto, está difícil de ler o sobrenome. Mas pela pergunta ele vai se identificar.
Pergunta da platéia: Qual a sua opinião sobre a flexibilização da CLT?
Ciro Gomes: Sou contra, tive a discussão com o Paulinho, que acreditava que isso pudesse ser bom para facilitar a ampliação do emprego. E eu acho que nós chegamos a um ponto de convergência. A mim, me parece já claro que a CLT está anacrônica em relação às demandas modernas, as relações de trabalho, o novo empreguismo, enfim, eu vi muito isso no Ceará, mão de obra sazonal, turismo. Você tem uma estação que vai a plena carga, todos os hotéis ficam lotados e em maio uma baixa estação que fica com 10% e você tem problemas sérios provocados por uma regulação que não compreendia essas relações modernas de trabalho que, enfim, que a evolução da humanidade apresenta. Então ela precisa ser modernizada. Mas flexibilização é um modismo que foi introduzido no mesmo receituário neoliberal que tenta fazer do mundo... quer dizer, até o Fukoyama falou em fim da história dizendo: qual é a grande tarefa que o mundo tem hoje? É imitar as instituições do Atlântico Norte. Como funciona o mercado de trabalho nos Estados Unidos? Não é nem do Atlântico Norte nesse caso. Funciona com a menor regulação possível e é uma sociedade que tende ao pleno emprego há anos. Então, dizem eles: isto é que é o correto. Ora, a atipia aí, o que é exótico e intransplantável, é que eles são o centro de desejo da migração do mundo inteiro. e eles regulam o mercado de trabalho abrindo mais ou fechando mais o mercado de migração, a migração. Então se você tem um alto desemprego nos Estados Unidos, uma tendência de alto desemprego e os salários começam a cair por isso, eles constrangem a migração, são mais severos, não deixam entrar e aí equilibraram. Se ao contrário, você tem pleno emprego e começa o salário a crescer, o preço dos salários, o que eles fazem? Facilitam a migração. Tem 18 milhões da população de 100 milhões de mexicanos nos Estados Unidos hoje. Evidentemente esse é o caso do Brasil, temos um baixo nível de sindicalização no Brasil, no Brasil. São Paulo está muito bem, o setor industrial tem alto nível de sindicalização, etc, etc, não é média no Brasil, é baixo o nível de sindicalização, tem muito sindicato pelego que não representa de fato os interesses da classe trabalhadora, e que foram criados cartorialmente. Ainda há trabalho infantil, trabalho semi-escravo, trabalho de mulheres de sol a sol em condições insalubres, etc, etc. O que quer dizer que nós temos que modernizar sim a CLT, mas não no caminho de flexibilizar e transformar a força de trabalho numa commodity sujeita à lei da oferta e da procura.
Clóvis Rossi: Estou pedindo para ser mais suscito nas respostas porque tem um punhado delas aqui. Luiz Guilherme Neves.
Pergunta da platéia: Até que ponto as acusações contra seu vice pode atrapalhar a campanha?
Ciro Gomes: Não tem nada contra ele. Esse é outro exemplo de como é que se faz uma calúnia contra a pessoa e pronto. De repente, sai uma nota dizendo: não, foi um erro do computador. Sai ali uma informação, foi um erro do computador, mas as investigações continuam, Ciro Gomes tem um vice com problema. Não estou vendo nenhum.
Clóvis Rossi: São perguntas que são relacionadas, vou fazer as duas juntas. Wilson pergunta se o senhor é favorável a independência do Banco Central conforme o modelo norte-americano, e Lucas Moreira.
Pergunta da platéia: Se o senhor fosse presidente na ocasião da ajuda do Banco Central aos bancos Marka e Fontecindam qual teria sido a sua atitude?
Ciro Gomes: O ideal é que o Banco Central seja uma autoridade monetária independente. Que ele receba um mandato do presidente da República com a sua direção sabatinada de verdade pelo Senado Federal e passe a praticar, nos limites daquele mandato, de forma autônoma, a melhor política monetária para fazer isso. Isso aquela dia, no futuro, eu acho que é o que temos que ter. Mas na transição, hoje, o Banco Central foi manipulado mais do que política, eleitoralmente como ficou evidencioado na questão da taxa de câmbio até a reeleição do senhor Fernando Henrique Cardoso. E depois você tem já essas evidências todas de, por exemplo, informação privilegiada, uma série de coisas. Então o Banco Central precisa, para uma transição, ser adaptado ao novo modelo. Ao novo modelo não terá uma meta de inflação, terá um modelo que eu estou chamando de taxa de desconforto. Ele receberá um mandato para administrar melhor política monetária autonomamente, que ache o ponto de equilíbrio entre um teto de inflação e um teto de desemprego. Ou seja, o Banco Central sob minha administração não ficará encarregado só da questão estrito senso da inflação, mas terá que por um outro olho no nível de atividade econômica.
Gilberto Dimenstein: Transição significa que pode se deduzir que no final da sua gestão, se eleito, o Banco Central estaria preparado para ser dependente?
Ciro Gomes: Se depender da minha vontade, sim.
Clóvis Rossi: Lucas Augusto Cristinho.
Ciro Gomes: Talvez até antes. Se depender da minha vontade. Consertado o modelo tributário, modelo previdenciário, superado o estrangulamento externo, manejada a dívida de forma mais equilibrada como nós fazemos, o país toma um itinerário de crescimento econômico e o Banco Central recebe como prêmio a sua emancipação. Marka e Fontencindam é coisa de cadeia. Eu escrevi um artigo que o título é "Quero a mamãe". Ali aconteceu o seguinte, o Banco Central deu dinheiro público , US$ 1,6 bilhão a dois bancos particulares que foram os únicos dois que erraram o dia da virada do câmbio. Os únicos dois que erraram, os outros todos acertaram direitinho, e o país perdeu US$ 14 bilhões naquela data. Esses dois erraram. E ao errar tiveram indenizados seus erros com dinheiro público. Pretexto: ou fazíamos ou fazíamos isso ou o país estaria na iminência de uma crise sistêmica que ia ingalfar o sistema financiro, etc, etc. Ato contínuo, o Ministro da Fazenda e o presidente da República dizem que não sabiam. Então a questão é: O país esteve na iminência de uma crise sistêmica que levaria pro vinagre o sistema financeiro, e o ministro da Fazenda e o presidente da República não sabiam, É isto mesmo? Eu fui ministro da Fazenda, isto simplesmente não existe. (aplausos).
Clóvis Rossi: Eu vou fazer pergunta, Lucas, vou fazer uma pergunta como homenagem a ele. Um jovem de 15 anos, não tem idade para votar, e, no entanto, está aqui participando.
Ciro Gomes: Beleza, muito bom.
Pergunta da platéia: Ele pergunta se o senhor tem medo de grampos do atual governo sobre a sua pessoa.
Ciro Gomes: Medo não, grampo está geral. Agora eu não tenho nenhuma condição de dizer que é o governo. Isso aí não seria honesto porque eu não posso provar. Agora, grampo já acharam muitos aí fora da cabeça da Patrícia que está careca. (risos)
Clóvis Rossi: Henrique Dantas afirma...
Ciro Gomes: Não há mais privacidade no Brasil, não há a menor segurança de falar em telefone, a vida privada da gente não tem mais o menor limite, o menor respeito, nada, zero.
Clóvis Rossi: Henrique Dantas afirma que a maior parte da corrupção do Brasil está nos escalões intermediários da administração pública. Quer saber como você vai acabar com isso.
Ciro Gomes: Primeiro imaginar instituições que atenuem as vulnerabilidades. Creia: o mundo inteiro pratica e nós não precisamos inventar a roda. Por exemplo, duas providências que eu tomei quando fui governador do Ceará. Uma: preços dos ítens que a administração pública contrata ou compra publicados por todas as formas possíveis, na internet, em listas que os jornais fizeram graciosamente publicados, jornais especialistas, você publica. Quanto é que custa um Melhoral, quanto é que custa um Tilenol, quanto é que custa uma pinça de cirurgia. Todas todos esses itens que a administração pública compra, não são muitos. Você pode perfeitamente publicar. E botar na internet por quanto foi cotado, comparando os preços reais. Está entendendo? Você imagina assim. Fica aqui determinado que fazer um hectare de irrigação no interior do Ceará custa, R$ 15 mil... Então bota lá, R$ 15 mil por hectare. Amanhã vem um projeto por irrigação no Ceará, aí você faz o projeto e contrata a licitação e saí o hectare por R$ 30 mil, aí tem. Se você tiver o preço unitário divulgado amplamente com os interessados todos conhecendo você, pode avançar inclusive para regular no processo licitório um aperfeiçoamento da lei 8.666, que a pretexto de moralizar, criou outras fraudes, ou seja, você tem o seguinte, ganha o menor preço. Então você imagina, esse é a melhor forma de fazer. O que está aconselhando? Os camaradas empreiteiros, cotam uma escola, posso dar esse exemplo?
Clóvis Rossi: Claro.
Ciro Gomes: Cota uma escola que começa com terraplenagem, alicerce, parede, depois telhado, etc, e depois o acabamento. Eles cotam os primeiros passos da construção por preços muito acima do normal. E os últimos itens com preço muito abaixo do normal. E aí começam a fazer de baixo para cima, faturar e receber. Quando chega nos ítens que vai virar. Suspendem a obra por desequilíbrio de contrato. Já receberam o dinheiro. Aí fica a administração com o pepino para fazer aditivo, para não sei o que, que é uma confusão. Você pode estabelecer regras para não permitir que fora desses preços unitários publicados você considere propostas muito acima ou muito abaixo do preço normal de mercado que tem que ser atualizado. Outra, numerar as faturas, outra grande fonte de corrupção nesse nível intermediário é o seguinte, o sujeito trabalha para a administração pública, vende para a administração pública e não recebe. Não tem critério nenhum para receber. Aí começa, procura o fulano, procura o beltrano, dou 10%, 20% para antecipar o pagamento. Então você faz uma providência simples, numera as faturas, de maneira que por fonte, você não pode fazer isso no orçamento geral, mas que por fonte, por projeto você diz: só pode receber a fatura número 27 se a 26 já tiver sido paga. Isso também ajuda bastante. Depois você tem providências na área financeira, que é onde o grosso da corrupção hoje está acontecendo, informação privilegiada, créditos concedidos sem garantias, etc. Qual é a solução? Fazer com que os créditos sejam feitos no setor público em cima de manuais de crédito, com comitês de crédito, obrigados a deferir ou indeferir as operações conforme critérios objetivos como é o padrão internacional. Mas quero lhes dizer, nada dispensa o exemplo, então se o de cima realmente não tiver compromisso de produzir exemplaridades e de punir aquelas questões que aconteçam, não há quem vença o problema da corrupção.
Clóvis Rossi: Bom o nosso tempo está terminando, para provar que eu não estou nervoso, vou deixar fazer duas perguntas para você poder responder uma delas, se possível com sim ou não, é relativamente simples. Tiago de Carvalho, também estudante.
Pergunta da platéia: Você propõe a manutenção da CPMF?
Ciro Gomes: Não, apenas como transição ao novo modelo tributário, ela tem que ser mantida. Mas eu proponho modelo tributário mais simples, tirando os impostos da produção e levando para o consumo eliminam a CPMF...
Gilberto Dimenstein: E a capacidade que ela tem de perceber a sonegação pelo sistema bancário.
Ciro Gomes: Sonegação não é um problema de modelo tributário é um problema de administração tributária. Não falta nenhuma ferramenta à Receita Federal, se for liberada dos constrangimentos políticos para achar a sonegação.
Clóvis Rossi: Lúcia de Fátima Ferreira. Para provar que sou corporativo e pra reforçar a tese do Carlos Eduardo que, apesar do que você falou, não conseguiu convencer todo mundo.
Pergunta da platéia: Gostaria de ter o seu compromisso agora de que o senhor não irá mexer na poupança do povo e não irá fazer nenhum confisco com a poupança popular.
Ciro Gomes: Eu não vou mexer na poupança do povo, não vou fazer confisco na poupança de ninguém. (aplausos)
Ciro Gomes: Deixa eu acrescentar para a sua inteligência, quem faz não anuncia. É só lembrar... é só lembrar o que o Collor fez com o Lula no debate de 89. O Collor, que já estava planejando fazer, disse na televisão, na cara do Lula, e o Lula por inexperiência engoliu, que o Lula ia fazer o sequestro da poupança. E aí a intrigalhada foi para o mundo e no dia seguinte que o Collor assumiu, ele fez o sequestro da poupança. Portanto espere que alguém faça, não o que está anunciado que vai fazer, porque eu não farei.
Clóvis Rossi: Muito bem, eu agradeço ao Ciro pela manchete da Folha de amanhã que será Ciro fará o confisco, mas não anuncia antes. Eu agradeço a presença do candidato Ciro Gomes, agradeço a presença dos leitores.

Leia as íntegras:

  • 1. Leia íntegra do início da sabatina e a apresentação de Ciro

  • 2. Ciro fala do apoio de ACM e de setores da direita

  • 3. Collor está se vingando de mim, diz Ciro

  • 4. Ciro fala sobre o acordo com o FMI

  • 5. Ciro fala sobre permanência de Fraga no BC em seu governo

  • 6. Ciro diz que dólar vai cair a partir do dia 15

  • 7. Ciro fala sobre inflação e distribuição de renda

  • 8. Ciro fala de Alca, Mercosul e política externa

  • 9. Ciro responde a leitores sobre segurança e elo com Collor

  • 10. Ciro responde pergunta sobre sua formação e drogas

  • 11. Ciro responde leitores sobre educação e cultura

  • 12. Ciro fala sobre reforma agrária e confisco de poupança



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