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17/11/2002 - 07h13

Programa contra a fome não chega à população indígena

GABRIELA ATHIAS
Enviada especial a Redentora (RS)

O principal programa de complementação de renda para crianças desnutridas do governo federal, o Bolsa-Alimentação, não beneficia as comunidades indígenas. A taxa de desnutrição entre as crianças índias (de até 6 anos e 11 meses) é 126,3% maior do que entre as não índias da mesma faixa etária.

Seis em cada cem crianças não-índias são desnutridas. Entre as índias a taxa é de aproximadamente 13,6%.

Os dados _fruto de um cruzamento feito a partir de informações da Fundação Nacional de Saúde e da Pastoral da Criança_ indicam ainda que a mortalidade infantil entre os índios é 115,5% maior do que entre os não índios.

Essa taxa entre a população branca é de 29 óbitos a cada mil nascidos vivos. Entre os índios é de 62,5 a cada mil. Entre as causas da mortalidade estão a diarréia e a falta de saneamento básico, que são um "subproduto" da miséria das comunidades indígenas.

Para completar, a mortalidade entre as crianças índias aumentou 9% entre 2001 e 2002, apesar de os dados deste ano serem parciais.

Mapa

A fome entre os índios não é um problema desconhecido do poder público. Em 94, a Ação de Cidadania Contra a Fome e a Miséria, associada a outras organizações não-governamentais, elaborou o "Mapa da Fome entre Povos Indígenas no Brasil".

O trabalho (um dos links do Ministério da Saúde na internet) mostra que pelo menos 106.764 índios (34,7% do total pesquisado) já eram vítimas da fome. A pesquisa foi feita em 51,5% das 577 terras indígenas do país.

A 44 dias do término da gestão de Fernando Henrique Cardoso, o governo diz ter finalmente encontrado um caminho para solucionar o problema da auto-sustentação dos índios.

Só que a portaria que cria o "Programa de Promoção da Alimentação Saudável em Comunidades Indígenas" ainda está sendo discutida no Ministério da Saúde. Deverá ser assinada pelo titular da pasta, Barjas Negri.

A fome ocorre principalmente entre os chamados "índios do asfalto", cujas reservas são próximas às zonas urbanas, e que, há décadas, já não sobrevivem de caça, pesca ou de coleta. É o caso, principalmente, das reservas indígenas do Sul, Centro-Oeste e Nordeste do país.

Segundo a Funasa (Fundação Nacional do Índio) algumas tribos do Norte também sofrem com o problema, mas são casos isolados já que os territórios indígenas dessa região são maiores e mais isolados dos centros urbanos do que os localizados em outras regiões do país.

Como os "índios do asfalto" não caçam ou pescam e não têm recursos para comprar insumos e orientação técnica para virarem agricultores, as comunidades com esse perfil sobrevivem basicamente da aposentadoria dos índios mais velhos.

A aposentadoria (um salário mínimo) chega a sustentar até 20 pessoas. Geralmente, os idosos pagam a alimentação dos filhos e de todo os netos.

Próspero

Um dos casos mais "clássicos" do país de fome entre "índios do asfalto" é o do Rio Grande do Sul. Em Redentora, norte do Estado, a terra indígena de Guarita está separada da sede do município por uma estrada.

As crianças de até quatro anos das aldeias de Missões, Katiu Griá e São João do Irapuá (dentro de Guarita) mal tem o que comer. Alimentam-se basicamente de arroz e feijão em quantidade quase sempre insuficiente para saciar a fome e suprir as necessidades diárias de nutrição estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde.

Em setembro passado a Procuradoria da República do Rio Grande do Sul fez uma recomendação ao Ministério da Saúde para adequar o Bolsa-Alimentação à realidade dos índios. Se a determinação não for cumprida até dezembro, a Procuradoria poderá entrar com uma ação judicial contra o ministério.

O que "salva" as crianças de Guarita é o leite em pó fornecido semanalmente às crianças desnutridas (e com algum risco de desnutrição) pela Funasa e a atuação de ONGs locais. "Combatemos a fome com leite em pó, mas não é correto. Os índios precisam de comida", diz Paulo Mabília, diretor da Funasa do Estado, que tem 15 mil índios das etnias caingangue e guarani.

O chefe do posto da Funasa de Posso Fundo, Gilson Urnau, explica que as maiores vítimas de desnutrição são as crianças de dois a quatro anos. Nessa idade elas já não mamam no peito da mãe e ainda não entraram em idade escolar, quando o problema praticamente desaparece em razão da merenda.

No ano passado, a mortalidade infantil entre os índios do interior do Rio Grande atingiu o índice de 62,3 a cada mil nascidos vivos. Em Guarita, no primeiro trimestre de 2001, morreram pelo menos 15 crianças de até dois anos vítimas de diarréia.

Depois dessas mortes, a Funasa aumentou de oito para 18 o número de equipes de saúde que atuam nas reservas do Estado e iniciou um projeto de levar água potável aos territórios indígenas. Quase um ano depois, das 33 aldeias, 13 contam com o benefício.
 

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