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14/12/2002 - 04h26

Mercado se equivoca sobre BC, diz Meirelles

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O engenheiro Henrique Meirelles, 57, futuro presidente do Banco Central, considera um equívoco completo o questionamento da sua falta de experiência como operador de mercado.

Meirelles diz que operou diretamente a mesa do BankBoston de 81 a 91. Depois, quando assumiu a presidência mundial do banco, em Boston, nos EUA, a mesa de operações também respondia diretamente a ele. "A posição que eu gerenciava era maior do que a posição que o Banco Central gerencia aqui", afirma.

Segundo o futuro presidente do BC, se atribui muita importância no Brasil às operações de mesa de rolagem da dívida interna. Em países como os EUA, por exemplo, Meirelles afirma que essas operações não são atribuições do Banco Central, e sim do Ministério da Fazenda.

O problema, a seu ver, é que, como o Brasil está sempre em crise, o mercado acaba tendo uma visão equivocada da forma de atuação do Banco Central.

Para Meirelles, o mercado superdimensiona a função de operador. "É evidente que o operador de mesa de um banco que está vendendo o papel do banco precisa ser competente, mas dizer que esse cara deve ser presidente do banco é ridículo."

O futuro presidente do Banco Central diz ainda que há outras áreas tão importantes quanto a mesa de operações, como a área externa. Hoje o Brasil, segundo ele, capta mais recursos externos do que internos. Ele afirma que tem o perfil ideal para cuidar dessa área, em razão de sua experiência internacional. "Hoje, a taxa de juros no Brasil é na realidade decidida em Nova York, em Londres, e essa turma aqui do Brasil não conhece o mercado de lá", afirma.

Meirelles lembra que viveu os últimos seis anos em Boston, operando em todos os mercados, seja nos países emergentes como Brasil e Argentina, seja nos EUA. "Minha visão de gerência de crise é muito maior do que a da turma aqui do Brasil".

Meirelles preferiu não se pronunciar a respeito de câmbio, metas de inflação e taxa de juros antes de ser sabatinado pelo Senado.

Folha - O mercado questiona o fato de o sr. não ter experiência como operador de mercado. O que o sr. acha disso?
Henrique Meirelles
- Antes de mais nada, eu me sinto muito à vontade nessa minha nova função. Eu dirigi um banco global até agosto do ano passado, quando me afastei para me candidatar a deputado. Sobre essa questão de falta de experiência como operador, trata-se de um grande equívoco do mercado. Em primeiro lugar, o que eles chamam de política monetária é a mesa de operações do Banco Central. A política monetária, dentro da estrutura do Banco Central, é determinada pela diretoria econômica.

Folha - A operação da mesa não seria a parte mais importante do Banco Central?
Meirelles
- A operação da mesa é apenas uma parte das atividades do Banco Central. A mesa adquire maior importância em momentos de crise, quando ocorrem dificuldades de rolagem da dívida. Mas a rolagem da dívida é apenas uma parte da operação do Banco Central.

Folha - Em outros países não é assim?
Meirelles
- Para ter uma idéia, em outros países, a rolagem da dívida é uma atribuição do Ministério da Fazenda. Quem rola a dívida do governo é o Ministério da Fazenda. O Banco Central executa a política monetária clássica, que o Brasil faz pouco. O Banco Central só opera nos outros países para determinar as taxas de juros.
Ou seja, a operação da mesa do Banco Central em outros países, como nos Estados Unidos, só determina a taxa de juros. Quem rola a dívida é o Ministério da Fazenda. Como no Brasil estamos sempre em crise, o mercado tem uma visão equivocada de como deve ser a atuação do Banco Central. É o mesmo que acontece com um banco ou uma empresa que está quebrando -e eu acompanhei muito isso na minha vida. Nesses casos, a pessoa mais importante passa a ser o garoto captador de recursos, o garoto que está na ponta da mesa, que fica negociando com os bancos. Os operadores ficam obcecados com isso, mas é uma bobagem.

Folha - O sr. acha que a operação da mesa do Banco Central está superdimensionada pelo mercado?
Meirelles
- É evidente que o Banco Central precisa de uma mesa competente. Isso é óbvio, mas não é só a mesa. A fiscalização bancária precisa ser muito competente, a área de análise econômica precisa ser competente. A área internacional é fundamental, até porque o Brasil hoje capta mais recursos no exterior do que internamente. A operação externa do Banco Central tem de ser extraordinária. Por isso não é só a mesa de títulos internos que importa. Não há dúvida de que o Banco Central precisa ter uma equipe da maior competência, mas não só na mesa como também na área internacional, na área econômica, na área de normas, enfim, em todas essas áreas, será preciso gente da maior qualidade. Esse é um aspecto fundamental. A função de um Banco Central não é só ficar no dia-a-dia negociando o preço do papel.
É evidente que o operador da mesa de um banco que está vendendo o papel do banco precisa ser competente, mas dizer que esse cara deve ser presidente do banco é ridículo.

Folha - A que se deve essa expectativa do mercado?
Meirelles
- O mercado vive sempre essa crise de ansiedade. Uma coisa interessante é que no mercado a turma é muito jovem e tem memória curta. Eu passei os últimos seis anos dirigindo um banco nos Estados Unidos. Antes disso, gerenciei a mesa de operações do BankBoston diretamente por dez anos.

Folha - O sr. foi operador de mesa?
Meirelles
- Eu operei a mesa da tesouraria do BankBoston diretamente de 81 a 91. Em 84, fui nomeado presidente do banco no Brasil, mas continuei operando diretamente na mesa até 91, quando contratei o Marcelo Steuer (ex-operador do BankBoston). E ninguém discute hoje, no país, que a mesa do BankBoston é uma das melhores do Brasil. Eu montei essa mesa. Eu contratei cada uma das pessoas e as treinei individualmente. O Gallo (Ricardo Gallo, vice-presidente de operações do BankBoston), que é considerado um dos maiores operadores do Brasil, eu contratei como estagiário quando ele ainda estava na faculdade, no quarto ou quinto ano da Escola Politécnica (Universidade de São Paulo). Eu treinei o Gallo. Fui eu quem contratou também o Geraldo Carbone (atual presidente do banco) em 91, como economista, para dar sustentação à mesa. Assim como o Sérgio Gabrielle (diretor de tesouraria do BankBoston).

Folha - A prioridade do sr. não será, então, o dia-a-dia do mercado?
Meirelles
- O Banco Central é o guardião da moeda e tem de se preocupar com várias áreas, como a expansão dos meios de pagamento, as taxas de juros, a saúde do sistema financeiro e a capacidade de rolagem da dívida interna e externa. A operação do dia-a-dia de estar captando no mercado interno é importante, óbvio, mas a captação no exterior é absolutamente fundamental.
Hoje em dia, o que determina a taxa de juros interna é o risco Brasil, que é definido no exterior por causa da arbitragem dos mercados. Hoje, a taxa de juros no Brasil é, na realidade, decidida em Nova York, em Londres, e essa turma aqui do Brasil não conhece o mercado de lá. Eu vivi os últimos seis anos em Boston, captando e aplicando nos mercados internacionais, com grandes posições no Brasil, na Argentina, no Chile, no México, em Cingapura, na Coréia, na Indonésia e em Hong Kong. Eu operei o tempo todo nesses mercados. Minha visão de gerência de crise é muito maior do que a da turma aqui do Brasil.

Folha -O sr. também atuou na mesa de operações quando presidiu o BankBoston nos EUA?
Meirelles
- No BankBoston Corporation, eu era responsável pela tesouraria. Ou seja, pela mesa de operações, e não só pela mesa dos mercados emergentes como também pela mesa de papel americano. E a posição que eu gerenciava lá era maior do que a posição que o Banco Central gerencia aqui. Eu gerenciava US$ 80 bilhões no BankBoston e US$ 200 bilhões no Fleet. Além disso, só em papéis de recursos de terceiros, os fundos do banco, tínhamos mais de US$ 200 bilhões aplicados, e essa foi uma área que reportou a mim por muito tempo.

Folha -A que atribui essa crítica ao sr.?
Meirelles
- Como eu estava no exterior e depois apareci na mídia como político, ao me candidatar a deputado federal, as pessoas se esqueceram de que eu só me aposentei do banco no dia 5 de agosto de 2002. Ou seja, só há quatro meses. Eu fiz uma campanha de apenas 60 dias.

Folha - Quando o sr. deve renunciar ao cargo de deputado?
Meirelles
- Eu estou discutindo com meus advogados, mas deve ser logo depois da diplomação. Eu acho que, nesta altura, renunciar e sair do partido caracteriza melhor essa figura do Banco Central independente. Há ainda receio do mercado de uma certa politização do Banco Central, o que é outra bobagem. Por isso decidi renunciar e me desligar do partido. Também não irei me filiar a nenhum partido.

Folha - Para valer a pena a renúncia, o sr. pretende ficar os quatro anos no Banco Central?
Meirelles
- Só a realidade vai dizer. Trata-se de uma decisão pessoal. Quando eu deixei o banco aqui para assumir o BankBoston na Nova Inglaterra, também havia riscos. Afinal, fui o primeiro não-americano na história dos Estados Unidos a assumir uma posição como essa. Mais recentemente, deixei a presidência mundial do banco para me candidatar a deputado federal.

Folha - O sr. mantém relações com o PT há muito tempo?
Meirelles
- Minha primeira reunião com o presidente Lula foi em 89, para discutir política econômica brasileira na campanha presidencial daquele ano. Com o Mercadante (Aloizio Mercadante, senador eleito por São Paulo), nós temos amizade desde 1995. Também sou amigo do Ricardo Berzoini (deputado federal pelo PT-SP), do Cristovam Buarque (ex-governador do DF e provável ministro da Educação) e de José Dirceu (ex-presidente do PT e futuro ministro-chefe da Casa Civil).

Veja também o especial Governo Lula
 

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