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12/01/2003 - 06h29

Gestão Lula é de centro-esquerda, diz Dulci

FÁBIO ZANINI
da Folha de S.Paulo, em Brasília

Luiz Inácio Lula da Silva não fará uma gestão que se possa chamar de esquerdista, muito menos de socialista.

Será um mandato influenciado pela aliança com o centro, em que o objetivo é promover a "reforma" do modelo econômico.

O extrato ideológico do novo governo é dado pelo mineiro Luiz Soares Dulci, 46, um dos mais destacados intelectuais do PT, desde 1º de janeiro ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República. Em entrevista à Folha, Dulci lembra que Lula foi eleito por uma coalizão política que deixou marcas em sua plataforma política e que igualmente afetará as decisões de governo.

"O PT é um partido de esquerda, mas o governo é de aliança. O programa com o qual o presidente Lula disputou as eleições é de centro-esquerda. O governo se pauta pelo programa", afirma.

Estudioso do socialismo, o ministro admite que o sistema é um "ideal histórico" que fracassou como experiência real e está sendo reavaliado. É uma posição incomum no PT, em que as principais lideranças costumam se dizer "socialistas" por um lado e admitem alianças à direita e teses econômicas liberais por outro.

"O programa com que Lula disputou a eleição não é socialista, é um programa de reformas estruturais para o país", declara.

Em uma Secretaria Geral remodelada, Dulci terá a função de coordenar o relacionamento do governo com entidades e movimentos sociais. Otimista, diz que a disposição inicial da sociedade em colaborar com Lula e dar um voto de confiança é um capital político do governo que se inicia. Mas admite que a boa vontade corrente desaparecerá se não for "cultivada".

O secretário-geral, de estilo conciliador, deve formar no governo uma dupla heterodoxa com o expansivo José Dirceu (Casa Civil). "Estamos perfeitamente entrosados", assegura. Professor da rede pública de Minas, ex-sindicalista, Dulci tem hábitos discretos. Refugia-se na literatura em seus momentos de lazer -tem uma queda por poesia italiana.

Na última quinta-feira, entre uma audiência com Lula e outra com o presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), Enrique Iglesias, Dulci recebeu a Folha em seu gabinete, no 4º andar do Palácio do Planalto, para uma entrevista. Metódico, insistiu com o repórter no início e ao final da conversa para que "limpasse" o texto definitivo de vícios típicos da linguagem oral.

Folha - O que muda na Secretaria Geral da Presidência?
Luiz Dulci
- A Secretaria Geral passa a coordenar as relações políticas do governo com a sociedade: com o empresariado, o movimento sindical, a juventude, a intelectualidade, as ONGs, o voluntariado. Passa também a construir a agenda de interlocução do presidente com a sociedade. O presidente considera que, para um governo como o seu, o diálogo com a sociedade, permanente, sistemático, é fundamental. Ele não quer a sociedade na arquibancada, quer participando do jogo os 90 minutos. O presidente avalia que chega ao governo graças ao apoio político partidário que recebeu, fundamental, mas que é também muito importante a sustentação social. Na semana que vem vou dar início a um programa de visitas a 30 entidades de diferentes segmentos: igrejas, entidades empresariais, de trabalhadores, juvenis, instituições intelectuais.

Folha - O sr. teme que Lula frustre expectativas?
Dulci
- A disposição social de colaborar com o governo é um dos trunfos do país no momento. O governo desperta grandes expectativas, mas não são de que faça milagres. Há uma consciência muito forte na sociedade brasileira hoje de que o país vive uma crise e que precisa superá-la gradativamente. As pesquisas mostram que a população deseja que o governo comece a enfrentar os problemas desde o primeiro dia.

Folha - Vocês esperam tratamento diferenciado de movimentos como CUT e MST do que deram a Fernando Henrique Cardoso?
Dulci
- A relação do PT com os movimentos sociais sempre foi diferenciada. A própria decisão do presidente de escolher um dos ministérios da área política para fazer a interlocução permanente com os diferentes segmentos da sociedade é inovadora.

Folha - Isso evitaria greves, invasões de terra?
Dulci
- A intenção não é impedir que a sociedade civil se expresse democraticamente. Os conflitos são constitutivos da democracia. O que achamos é que, com disposição de diálogo maior, antecipando problemas, é bastante provável que haja menos conflitos agudos.

Folha - A lua-de-mel do presidente com a sociedade dura até quando?
Dulci
- Todo governo democrático eleito pelo voto popular conta no início com apoio majoritário da população. Mas o apoio deve ser cultivado, alimentado. Não é uma coisa que está dada para os quatro anos. Depende do desempenho do governo, da relação com a sociedade.

Folha - E tende a cair?
Dulci
- Não necessariamente. Governamos Estados e municípios onde o respaldo cresceu com o tempo. Não consideramos que seja fatal que um governo vá perdendo o apoio da sociedade ao longo do mandato.

Folha - Pelo menos no início do mandato, o presidente parece estar querendo agradar a todos o tempo todo. Esse governo saberá dizer "não"?
Dulci
- O governo dirá "sim" às expectativas da sociedade que puderem ser atendidas de imediato. Às que não puderem, dirá "não", mas explicando por que "não". E dialogará com a sociedade sobre como criar condições para que sejam atendidas no momento oportuno.

Folha - O sr. fez questão de reforçar, no seu discurso de posse, que o PT é um partido de esquerda e socialista. Para quem foi o recado?
Dulci
- O PT é um partido que tem como ideal histórico o socialismo democrático. Mas o programa do PT para o Brasil, desde a fundação do partido, em 1980, é um programa de reformas. Aliás, boa parte das mesmas reformas nós já defendíamos em 1980. Reforma agrária, reforma tributária e outras reformas estruturais. É claro que nesses 22 anos a esquerda evoluiu, e é positivo que tenha evoluído. Seria um erro dar respostas antigas a problemas novos.

Folha - O poder pode afastar o PT do caminho da esquerda?
Dulci
- O PT é um partido de esquerda, mas o governo é um governo de aliança, é um governo de centro-esquerda. Há partidos que são de esquerda, como PT, PC do B etc., e há outros partidos que são de centro.

Folha - O governo não é de esquerda, é de centro-esquerda?
Dulci
- É de centro-esquerda. O programa com o qual o presidente Lula disputou as eleições é de centro-esquerda.

Folha - Lula vai fazer um governo de centro-esquerda?
Dulci
- Sem dúvida. E todos os partidos, sejam os partidos de esquerda, sejam os de centro, devem executar o programa de centro-esquerda. O que eu disse no meu discurso de posse e reafirmo é que o PT deve continuar sendo um partido de esquerda.

Folha - Vai conseguir?
Dulci
- É muito importante que os partidos conservem a sua identidade programática, política, seus valores. É importante que os partidos de centro se conservem como partidos de centro. É importante para a dialética democrática.

Folha - Mas se o PT é de esquerda e é a força hegemônica do governo, com mais da metade dos ministros, como se pode dizer que é um governo de centro-esquerda? Não seria um governo de esquerda com alguns "penduricalhos" de centro?
Dulci
- A aliança política que foi constituída em apoio à candidatura do presidente Lula foi uma aliança de centro-esquerda, com partidos de esquerda e de centro. A chapa é de centro-esquerda, com o presidente Lula de esquerda e com o vice-presidente José Alencar, que tem uma trajetória de centro. O que nos unifica é o programa, e o programa é de centro-esquerda. O governo se pauta pelo programa.

Folha - O governo será socialista?
Dulci - O PT nunca propôs para o Brasil um programa socialista. O socialismo democrático é um ideal histórico para o PT, como é para muitos partidos de esquerda do mundo. Agora, evidente que é um ideal que está sendo reconstruído no plano teórico e no plano prático, não só no Brasil. O socialismo real fracassou historicamente. Isso colocou desafios teóricos e práticos para as forças de esquerda no mundo muito importantes.

Folha - O PT então não tem a pretensão de fazer um governo socialista?
Dulci
- Não. O programa com que Lula disputou a eleição não é um programa socialista, é um programa de reformas estruturais para o país. E de mudanças econômicas e sociais que vão no rumo de um país mais justo, inspirado em valores de equidade.

Folha - O sr. fará interlocução com a sociedade. Vai haver também um Conselho. O presidente Lula terá ainda uma equipe de assessores especiais. Há também fóruns temáticos, como o do Trabalho. Não é muita gente falando de muita coisa ao mesmo tempo para o presidente? Isso não pode confundir mais do que ajudar?
Dulci
- Pelo contrário. O presidente tem muita clareza sobre o rumo a seguir. Liderou ao longo de 22 anos a construção de um partido. Constituiu uma frente política vitoriosa nas eleições. Montou um governo plural, de alta qualidade técnica e política. Cada um tem seu papel.

Folha - E a crítica de que isso seria uma tentativa de substituir o Congresso, compensar o fato de o PT não ter maioria?
Dulci
- O PT já nasceu defendendo a democracia representativa. Nasceu combatendo a ditadura e lutando pelas liberdades democráticas, Parlamento livre, pluripartidarismo, imprensa livre etc. A nossa idéia de participação popular é para enriquecer a democracia representativa, não para substituí-la. O diálogo com o Congresso, suas prerrogativas, estão inteiramente preservados.

Folha - O sr. está bem entrosado com o ministro José Dirceu, apesar dos estilos diferentes?
Dulci
- Perfeitamente.

Folha - Ele é mais pragmático, o sr. é o intelectual; ele pavio curto, o sr., conciliador, mineiro. Essa dupla vai jogar afinada?
Dulci
- A única diferença substantiva é que ele tem pressão alta e eu, pressão baixa [risos".

Folha - Não é uma diferença pequena essa...
Dulci
- Ambos temos a dimensão doutrinária e de reflexão política e temos a dimensão prática do trabalho. Nos demos bem no partido esses anos todos.

Veja também o especial Governo Lula
 

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