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03/02/2003 - 06h04

Falta debate no governo, diz Paul Singer

PATRICIA ZORZAN
da Folha de S.Paulo

Um dos fundadores do PT, o economista Paul Singer, 70, afirma não estar havendo no partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma discussão "em profundidade" sobre a política econômica do país. "O governo deveria ter interesse nisso, porque é sempre útil conhecer outros pontos de vista. O governo e a direção do partido deveriam estimular isso."

Apesar de reconhecer que as medidas adotadas até aqui seguem a cartilha dos anos Fernando Henrique Cardoso, o futuro secretário de Economia Solidária do governo e pai do porta-voz da Presidência, André Singer, evita críticas diretas às decisões de Lula. "Deve haver outras alternativas, mas no momento é essa que está sendo implementada. Sinceramente torço para que funcione, mas não sei se vai funcionar."
A seguir, trechos da entrevista.

Folha - Como o sr. vê a condução da política econômica do governo, com aumento de juros e, provavelmente, do superávit primário?

Paul Singer
- É muito cedo para estar emitindo opiniões em cima disso. É uma aposta para ver se os investidores externos respondem positivamente a essas políticas. Por enquanto não há muito sinal disso, mas há que aguardar mais.

Folha - Mas as políticas adotadas não contradizem o discurso do PT?

Singer
- No que se refere a juros, provavelmente você tem razão. No que se refere a superávit primário, nem tanto, porque se trata, basicamente, de ampliar ou não a dívida pública. Se você fizer menos superávit primário do que se está pretendendo fazer, o efeito seria que a dívida pública cresceria mais do que o PIB. Mesmo com esse superávit primário que está sendo feito, que foi feito no ano passado pelo Fernando Henrique Cardoso e agora promete ser continuado em 2003, a dívida púbica vai crescer, mas espera-se que não cresça mais do que o PIB.

Folha - Essa medidas dão continuidade ao governo anterior?

Singer
- Assumidamente.

Folha - E isso é o certo?

Singer
- Prefiro não responder a essa pergunta. Não cabe a mim, já que vou fazer parte da equipe do governo, e não da equipe econômica. Deve haver outras alternativas, mas no momento é essa que está sendo implementada. Sinceramente torço para que funcione, mas não sei se vai funcionar.

Folha - As divergências internas no partido prejudicam o governo?

Singer
- Não estou vendo, por enquanto, o debate que eu gostaria que acontecesse no PT. Acharia sadio que houvesse uma discussão em profundidade sobre as alternativas de política econômica. Mas, por enquanto, eu, pelo menos, não percebi que esse debate esteja havendo. O que está havendo são manifestações individuais de economistas do PT, de parlamentares, mas não creio que isso configure um debate. Está havendo um ambiente de grande torcida pelo governo.

Folha - Caberia a quem estimular esse debate?

Singer
- Acho que o governo deveria ter interesse nisso, porque é sempre útil conhecer outros pontos de vista, ouvir os argumentos, poder tomar as decisões com mais conhecimento, mais informação. O governo e a direção do partido deveriam estimular isso.

Folha - E por que isso não está sendo estimulado?

Singer
- Tenho a impressão de que é porque o ambiente todo é de torcida. A grande maioria das pessoas não está se dispondo. Tenho impressão de que agora há um forte sentimento de manter a unidade ao redor do governo e da pessoa do Lula.

Folha - E isso é ruim?

Singer
- A longo prazo não é bom, não. Agora é compreensível. Neste momento há um clima extremamente peculiar que está criando um ambiente de unanimidade, ou de quase unanimidade, ao redor do presidente e do seu governo. Isso vai além do PT. Na imprensa há pouquíssimas vozes críticas. Se o Brasil inteiro está na torcida para que dê certo, é difícil que o PT, que é o partido do Lula, faça diferente. Mas em algum momento vai ser sadio abrir o debate dentro do partido para que o governo tome conhecimento de todas as alternativas.

Folha - Há um clima festivo?

Singer
- Exatamente. Existe muito um clima festivo. Os que discordam estão guardando sua discordância para si, mesmo dentro do partido. Mas também não deu tempo. É um mês só. Vamos ter um pouco de paciência.

Folha - E o PT vai saber conviver com esses atritos?

Singer
- Isso não é atrito. Eu, como velho petista, acho isso, pelo contrário, uma colaboração ao governo. Sobre as reformas que o governo está querendo fazer, Previdência, tributária e trabalhista, acho que o PT tem que ter opinião, mas tem que ouvir as várias opiniões que há dentro do partido, discutir com seus companheiros que estão no governo. O próprio governo abriu espaço para isso no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Neste momento não estou vendo nada que coíba o debate dentro do PT. Eu, sinceramente, espero que continue [assim] e que haja mais debate do que está havendo hoje.

Folha - O que o sr. acha da proposta de reforma da Previdência?

Singer
- Ela não está colocada. O ministro [Ricardo] Berzoini [Previdência] manifestou umas primeiras idéias, houve uma série de reações. Ele voltou atrás. Parece que o cálculo do déficit da Previdência foi corrigido, a meu ver, de forma muito adequada, e está tudo em aberto. Era o que eu esperava desde o início. Agora acho que está bem encaminhado.

Folha - Antes não estava?

Singer
- Não, porque o ministro jogou uma idéia que eu diria que era até mais radical do que aquilo que estava no Parlamento, já aprovado, pelo governo anterior.

Folha - Que era o quê?

Singer
- Cortar a aposentadoria do setor público no mesmo nível da do setor privado.

Folha - O teto?

Singer
- É, igualar por baixo.

Folha - O sr. é a favor do teto?

Singer
- Não precisaria ter teto. Podemos moldar a Previdência Social de várias formas. Eu, pessoalmente, sou contra o teto porque ele implica uma privatização da Previdência. Tudo o que estiver além do teto vai acabar, se as pessoas não se conformarem em receber uma aposentadoria pequena, criando aposentadorias próprias no sistema financeiro. Sou contra o teto ou gostaria, pelo menos, que ele fosse bem alto.

Folha - A reforma deve valer somente para os que entrarem a partir dela no governo?

Singer
- Eu defendi a idéia de que o setor privado deveria ter um teto muito maior ou nenhum teto. O setor privado também poderia se aposentar com seu último salário ou alguma coisa próxima disso. O problema do direito adquirido é que pode ter perdas e ganhos. Talvez possam criar um sistema em que as pessoas, proporcionalmente, se beneficiem com o tempo que lhes resta de vida ativa até se aposentarem.

Folha - Se não houver teto, a aposentadoria seria baseada em quê?

Singer
- Pode não ter teto, mas o salário médio de um período. Os últimos 35 anos, por exemplo.

Folha - Deve valer para todos?

Singer
- Nisso estou de acordo com os princípios que o PT tem sempre defendido e que o ministro sempre defendeu, de que a justiça requer que não haja exceções. O ideal seria ter um sistema uniforme, público para todos.

Folha - Mas o ministro recuou depois da pressão dos militares.

Singer
- Mas como tudo ainda está no marco zero... Se você me perguntar, não sou favorável a isso. Nada contra os militares, mas, se os militares sim, por que não os policiais, que correm mais perigo de vida que os militares?

Folha - Pode haver reformas da Previdência e tributária neste ano?

Singer
- A meu ver, é necessário fazer as duas e quanto antes, melhor. Mas entendo que a democracia exige um debate, e esse debate tem de ter seu tempo. Não dá para apressar. Primeiro, porque a casa não está pegando fogo. A reforma da Previdência vai começar a ter efeito sobre o chamado rombo em anos, não imediatamente.

Folha - E o Fome Zero?

Singer
- Acho que é uma coisa positiva. Não podemos tolerar essa enorme desigualdade, sobretudo a presença da miséria. Espero que a minha futura Secretaria da Economia Solidária possa contribuir exatamente no que o presidente assinalou, que é ajudar as pessoas que estão sendo objeto de assistência a não precisarem dela.
 

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