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06/04/2003 - 11h11

Lula evitou trilha de Chávez, diz analista

FLÁVIA MARREIRO
da Folha de S.Paulo

Continuidade econômica ou racha do país, nos moldes do que ocorre na Venezuela sob o comando de Hugo Chávez. Para o cientista político Luiz Werneck Vianna, 64, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro), esse era o restrito campo de alternativas do governo Lula nos primeiros cem dias.

Escolhido o caminho da continuidade -visto que a 'tempestade', com guerra iminente e ameaça da inflação, estava por vir- e dando importantes passos na política externa, o deslize petista, segundo ele, foi não explicar aos eleitores os motivos da mudança do discurso eleitoral.

Para o presidente da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), a principal novidade do governo é buscar um plano em conjunto com a sociedade. Vianna, no entanto, fez ressalvas ao funcionamento do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, principal ação concreta do governo junto com a sociedade.

Folha - Qual o balanço que o sr. faz dos primeiros meses de governo Lula? Qual o principal acerto?

Luiz Werneck Vianna - Faço uma avaliação positiva. E penso, para isso, no seguinte: em política tudo se define pelo principal. Qual o acontecimento determinante do rumo do cenário mundial? A guerra do Iraque. Qual a posição que o governo tomou? Uma posição inédita, firme, eu diria inédita entre os governantes da nossa República. A aproximação de Davos com o Fórum Social de Porto Alegre me pareceu outra bela iniciativa, de modo que eu diria que é absurdamente inesperado que o que vem marcando a agenda do governo Lula seja mais a questão externa do que a interna, tendo em vista que o ex-presidente FHC é um grande especialista na política externa.

Folha - E o principal erro?

Vianna - Não creio que tenha havido erros. O que os críticos dizem é que, na questão da dimensão sistêmica, este governo é contínuo em relação ao anterior. É verdade. Não há descontinuidade. Mas pergunto: seria possível introduzir uma descontinuidade? E mais: se fosse introduzido, seria possível ao governo ter a posição absolutamente avançada que teve na política externa? Acho que não.

Agora, do ponto de vista interno, falta ao governo apresentar suas razões. Fizeram uma campanha na qual pregavam a descontinuidade da política econômica do governo anterior. Vitoriosos, deram continuidade a ela. Por quê?

Folha - O filósofo Mangabeira Unger disse à Folha que o PT traiu seus eleitores ao governar nesses moldes. O sr. concorda?

Vianna - Não acho que seja traição. Essa mudança súbita não é nova. Vou dar um caso. Em 1954, o Partido Comunista Brasileiro fazia oposição cerrada a Getúlio Vargas. No dia do suicídio de Vargas, saiu o jornal do partido com uma manchete e um editorial contra Vargas. Quando se soube do suicídio de Vargas, os militantes do partido percorreram de banca em banca recolhendo os jornais. No dia seguinte, o partido estava refazendo a sua política e valorizando a herança de Vargas. Isso em 24 horas. A orientação não pode ser inflexível.

Se você prepara um navio à vela para ventos brandos e vem a tempestade, você tem de se ajustar. E o clima desse começo de governo era de tempestade. A guerra estava no limiar, a situação econômico-financeira, complicada. Qualquer coisa a inflação voltava. E, se a inflação volta, em seis meses esse governo estava de quatro, de joelhos. Acho que eles se adaptaram ao regime do ventos. Qual a crítica que faço? Eles não terem apresentado as suas razões. O PCB, nos anos 50, apresentou: 'Nós estávamos errados, nós fizemos uma avaliação errada, a nossa avaliação agora é a seguinte...'. E isso eles não fizeram.

Folha - O governo foi obrigado a optar pela continuidade?

Vianna - Acho que a aposta que se faz é entregar à sociedade a procura de um novo caminho. A proposta de Serra [candidato derrotado à Presidência pelo PSDB', a proposta de Ciro [candidato à Presidência pelo PPS' eram muito bem concebidas para intervir na dimensão sistêmica. Tinham o problema de se enunciarem de forma decisionista. Serra dizia: 'Eu sei fazer'. Esse decisionismo não é característica de Lula.

Se ele assumisse uma agenda decisionista, podia muito facilmente fazer o caminho Hugo Chávez aqui no Brasil, o que seria péssimo. Então eu não creio que seja uma traição. É uma outra forma de procurar as soluções para esses desafios estruturais que se impõem diante de nós.

Folha - O governo não tem plano, ainda estaria na busca por um?

Vianna - O plano é esse: envolver mais a sociedade. Nós estamos diante de uma grande novidade. Getúlio foi um decisionista. Juscelino [Kubitschek (1902-1976)' foi um decisionista. O que este governo está propondo é muito difícil, um alternativa novíssima. Você vai me perguntar se eles vão conseguir. Não sei. Porque inclusive está lhes faltando apresentar o seu plano estratégico do ponto de vista da política. A montagem do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, com as grandes corporações do capital e do trabalho, está orientado para isso.

Folha - O sr. destaca o papel do CDES, mas ele foi criticado, teve o tempo de discussão encurtado. Qual a sua avaliação dele?

Vianna - O conselho podia ter uma composição mais generosa, mais bem feita, vem tendo dificuldades de operação. Mas o que não quer dizer que ele esteja inutilizado. É uma prática muito nova. A gente deve apostar nela. De qualquer forma, com ela o governo diz: eu não estou sendo decisionista. É uma saída interessante. Confio nela. Inteiramente, não, mas é uma possibilidade.

Folha - Na eleição, o sr. disse que o centro é agora o local primordial da política. Os partidos têm a mesma agenda? O governo implanta a 'agenda perdida' de FHC?

Vianna - [As agendas] estão próximas, há continuidade. Mas também não significa que essa continuidade vá durar todo o tempo. Está se procurando uma alternativa que não seja decisionista. A alternativa deciosinista é Hugo Chávez. E a alternativa Hugo Chávez desgraça o país. A audiência internacional que o Brasil tem hoje se deve ao fato de estar conduzindo de forma ajuizada a dimensão sistêmica. Isso é o que os críticos não estão vendo.

Folha - Um dos fatos marcantes do início de governo foi a violência no Rio e o assassinato dos juízes. Qual o efeito para o Judiciário? A violência será um tema-chave?

Vianna - O Judiciário está bem, está reagindo. Longe de vulnerar o Judiciário, esses atentados estão robustecendo esse poder e também fazendo com que sociedade conheça melhor qual o papel dele na vida republicana brasileira. Quanto ao narcotráfico, não há nada que uma política inteligente em muito pouco tempo não possa resolver. Não creio que isso se torne uma questão tão importante. Esse problema é circunscrito. O Brasil não é Colômbia. É mentira.

 

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